Augusto Marzagão•
Jornalista e escritor. Correio Braziliense, 27 de março de 1997.
Sarney une sonho e realidade
O destaque da literatura brasileira, neste começo de 1997, é o êxito, na Europa, do romance de José Sarney, O Dono do Mar. Tão grande foi o sucesso do livro em Paris e em Bruxelas, onde o autor foi lançá-lo, que a editora Hachette decidiu-se por planos imediatos de reedição.
Nos meios acadêmicos e literários Sarney recebeu homenagens que não deixaram qualquer dúvida sobre a qualidade e a importância da obra, confirmando internacionalmente a calorosa receptividade que ele já obtivera no Brasil, por isso mesmo já na sua sexta edição.
O primeiro leitor europeu a convencer-se dos méritos de O Dono do Mar foi o seu tradutor para o francês: “É um excelente romance”, disse ele, com a autoridade e a experiência de quem já traduziu expoentes da nossa literatura como Jorge Amado e Clarice Lispector.
Não são frequentes, no panorama mundial, os casos de homens públicos que também se notabilizam como homens de letras. José Sarney se situa entre esses raros. Em paralelo à carreira política que o alçou ao posto supremo da Presidência da República e na qual continua em alta posição de liderança e prestígio, ele cultivou uma carreira de poeta e prosador que igualmente veio a colocá-lo no pódio dos vencedores. A Academia Brasileira de Letras não hesitou em elegê-lo para a restrita congregação dos imortais, diante dos contos e de demais frutos da atividade do escritor-estadista no jornalismo, no discurso parlamentar e noutros campos da criação intelectual.
O Dono do Mar é bem uma síntese do multiforme talento literário de Sarney: sob a mesma autoria ali estão o ficcionista e o poeta, o sonhador e o realista, o fabulador a serviço da imaginação e da fantasia e o paciente garimpeiro da pesquisa, o contador de histórias e o historiador, o entesourador da tradição oral e o investigador de documentos, o íntimo do mar e da pesca e o perito da alma humana.
Impressionante é a abrangência do fundo ficcional sarneyano. Não só em paisagens — terras e mares — mas também em personagens — verdadeiros, folclóricos, fictícios e lendários — e em figuras fantásticas, desde uma canoa que parece ter vida até uma mítica fauna terrestre e marinha, povoada de monstros e seres sobrenaturais, que espalha assombração e tragédia numa sofrida comunidade de pescadores do litoral maranhense.
Daí que o livro de Sarney é a um só tempo regional e universal, cem por cento brasileiro e totalmente acessível ao leitor de qualquer país. As peculiaridades dos cenários e da narrativa do autor tornam-se traduzíveis — como estão sendo — nas mais diversas línguas, porque todos são capazes de entendê-las com o simples instrumento da sensibilidade humana.
No Brasil, O Dono do Mar foi consagrado por escritores do tope de Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Ferreira Gullar. Entre os estrangeiros, eis o que diz, por exemplo, o famoso antropólogo Claude Lévi-Strauss: “Nos livros de Sarney a mitologia popular floresce em evolução ao passado, relativamente próximo para os homens ignorantes da história mas que, na pena do narrador, assume dimensões muito mais vastas e torna presente, para nós, a epopeia marítima da nação portuguesa inteira que se perpetua diante de nossos olhos, graças a Sarney, através da vida laboriosa de humildes pescadores do litoral brasileiro. Obra monumental.”
Em meio às agruras do quotidiano e da eventual satisfação da vida política, o hoje Senador José Sarney, e sobretudo escritor, há de sentir que se o poder passa, a arte é eterna. Uma eternidade que paira acima da fantasmagoria lírica e dos naufrágios de O Dono do Mar.