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biografia

A Saga do Ministério da Cultura

Durante o meu governo, na elaboração do Plano Verão, trouxeram-me o esboço dos cortes que pensavam que devíamos fazer: a primeira coisa que ali estava era a extinção do Ministério da Cultura, por mim criado no dia em que assumi a Presidência da República, 15 de março de 1985. Quando li, minha primeira reação foi uma pergunta indignada: “Os senhores ou querem me ofender ou não conhecem a minha carreira parlamentar. Pois saibam que minha causa parlamentar foi a cultura, fiz dezenas de discursos e apresentei vários projetos de lei Continue a ler

Uma cantora do Maranhão Novo

Em casa, na solidão em que me encontro do Covid-19, chega uma notícia que me traz nostalgia. Cem anos do nascimento de Elizeth Cardoso, a grande cantora, a Divina, dos meus tempos de moço. A conheci no Rio de Janeiro, deputado federal, em 1955. Ela cantava numa casa de show, aonde fui levado pelo nosso sempre saudoso e inesquecível Henrique de La Rocque, de quem ela era amiga. Quando terminou o espetáculo La Rocque levou-a para tomarmos um drink. O Rio de Janeiro, como disse Hemingway de Paris, era uma Continue a ler

Primeira Idade

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura pouco.” Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, lendo e trabalhando. Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Continue a ler

Além da literatura e da política

Sempre tive febre de conhecimento. Talvez uma Enciclopédia Popular que meu avô José Adriano, professor — “mestre escola”, como assim se chamava naquele tempo, em São Bento, onde passei a minha infância —, me tenha despertado essa curiosidade. Na cidade nem na nossa casa não tínhamos livros para minha idade. Havia apenas o Almanaque de Bristol e essa Enciclopédia, que meu avô recebia mensamente, e era minha fonte de conhecimentos novos. Eu tinha uma grande pressa em esperá-la mensalmente. Daí meu hábito da leitura e a companhia do maior amigo Continue a ler

A estrada Santa Luzia-Açailândia

Como um humanista, cuja vocação não era a política — e que nela entrou seguindo a máxima de Napoleão de que a política é um destino, e não uma vocação —, exerci o destino com a visão de construir, sem caráter partidário, nem de facção, nem de divisão, nem de considerar os que não pensavam comigo como inimigos. Todas as ações Sarney e o Maranhão e no Maranhão foram pensando no conjunto do Estado e no objetivo maior da Política com P maiúsculo, como dizia Nabuco, pensando coletivamente e procurando Continue a ler

Boa Esperança

Ninguém pode avaliar a guerra necessária para o administrador fazer uma grande obra, com a complexidade e as dificuldades de coordenação, desde o projeto até à construção e à finalização da obra. Quando assumi o governo do Maranhão, em 1966, o Maranhão estava às escuras. Não havia energia nem em São Luís nem em nenhum lugar do Estado inteiro. Um capitão do Exército, chamado César Cals, sonhava com a construção de uma Hidroelétrica no Rio Parnaíba, em Boa Esperança, onde o rio era mais estreito. Veio 1964 e o sonho Continue a ler

De volta ao Maranhão Novo

No meu último artigo sobre o meu governo do Maranhão, 1966-1970, terminei contando como constituímos um grupo de trabalho para planejar o que íamos fazer. Era o GTAP.  Faltava água, as ruas estavam destruídas e a energia eram quatro geradores a lenha da Ullen. Atacamos essas emergências. Asfaltei todas as ruas de São Luís, criei a Caema e fiz um novo sistema de abastecimento de água. Construímos a barragem do Batatã; no Sacavem, a adutora e a ampliação da Estação de Tratamento de Água; reformamos todos os sistema de distribuição Continue a ler

Por que São Luís?

A grande tarefa de 1966 era tirar o Maranhão do século 19 e trazê-lo para o século 20. Era um estado totalmente desintegrado e sem cabeça, isto é, sem capital. O sul do Maranhão estava ligado a Goiás e a economia do lado do Tocantins ao Pará. Toda a vida na densa floresta amazônica que acompanhava a rodovia Belém-Brasília e em torno das nascentes do Mearim, do Pindaré e do Grajaú se voltava para o Pará e Goiás, sem nenhuma ligação com o Maranhão. A margem esquerda do Rio Parnaíba, Continue a ler

Maranhão (2)

Dou prosseguimento ao meu testemunho sobre o que era o Maranhão quando assumi o governo em 1966. Afirmei então que vivíamos no século 19, pois não havia Estado (no seu conceito moderno) funcionando.  Era a estagnação e a ausência de serviços públicos: nem médicos, nem equipamentos de saúde, nem saneamento, nem leis que representassem a busca do bem público. O que existia era o poder do mando, era uma classe que, se apoderando das funções do Estado, em seu nome explorava o povo, condenado à pobreza absoluta. Vinham da Colônia Continue a ler

Como era o Maranhão

Em 1966, ao assumir o Governo do Maranhão, constatei de que não podíamos debitar somente aos governadores, meus antecessores, a situação de bagunça em que estava a administração do Estado. Na verdade ela não existia. Basta, como exemplo, dizer que a contabilidade era feita à mão, num daqueles velhos e grandes livros iguais aos do comércio de “deve” e “haver”. Meu primeiro ato foi ir ao Tesouro e, com um lápis vermelho, encerrar esse livro e escrever: “Aqui começa um novo Maranhão.” Já citei uma vez o grande chefe político Continue a ler

Esquecer e Lembrar

Os psicanalistas apresentam como certeza que a gente não esquece as coisas pelas quais guarda interesse e esquece as que não nos interessam. A memória se encarrega dessa diabólica lei seletiva. Isso para a política é trágico, porque o bem que se faz é logo esquecido, e os inimigos ficam inventando sempre o mal que não se fez. O Senador Vitorino Freire, que marcou sua chefia política com mão de ferro, dizia adotar em relação aos adversários a seguinte conduta: “Quando meus inimigos não têm rabo, eu ponho rabo neles.” Continue a ler

São Luís em Dezembro

O sinos do Natal já podem ser ouvidos nos seus sons distantes. Quando eu era menino e começava, em São Bento, a descobrir o mundo com suas belezas, a primeira coisa que me encantava era o campo verde, lindo tapete de capins: andrequicé, arroz brabo, canarana, capim de marreca. Depois eram os passarinhos que via pousados no fio de telégrafo que atravessava o campo e perdia-se no infinito. As garças elegantes e brancas olhavam desconfiadas para os lados, sempre atentas a qualquer peixinho que passava nas águas rasas e não Continue a ler

Eu, os negros e a Fundação Palmares

O Brasil nasceu quase junto com sua maior injustiça: a escravidão negra. Por ela, as pessoas eram coisas. No Maranhão ela assumiu ares oficiais: a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará tinha monopólio estatal da venda de escravos.  Na época da Independência José Bonifácio pretendia combinar o fim da escravidão com a reforma agrária. E dizia que o Brasil precisava da “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.  Dividi com meu amigo Afonso Arinos, autor da lei que leva o seu nome, de considerar crime a discriminação racial, a Continue a ler

Itaqui na cabeça

Escrevi várias vezes tratando sobre a pobreza do Maranhão e também, é óbvio, sobre nossos sonhos de riqueza. Sempre disse que o Criador não foi muito generoso conosco. A começar pela errada avaliação, muito repetida, de que nossas terras eram excelentes. Na verdade, nossas terras são muito pobres e somente temos uma faixa de terra muito boa, na área de Grajaú e Fortaleza dos Nogueiras. É uma mancha. No resto são terras ácidas e arenosas. São Paulo, Paraná, e uma faixa do sul de Minas têm terras excelentes, “roxas”, que possibilitaram Continue a ler

O petróleo é nosso

Na minha adolescência, um grito incendiava nossos pensamentos de patriotismo: “O petróleo é nosso!” Repudiávamos nossa dependência econômica dos países do “primeiro mundo”, principalmente dos Estados Unidos. Os jovens denunciavam a CIA, o entreguismo, o imperialismo americano como os grandes empecilhos ao progresso do País.  Naquele tempo de grande ebulição estudantil, depois da Segunda-Guerra, discutiam-se muito os “ismos”. Eu não me deixei contaminar por nenhum “ismo”, fugi aos aliciamentos ideológicos, para ser aquilo que sempre fui, um liberal, tolerante e humano, seduzido pelos grandes nomes nacionais do antigetulismo e por Continue a ler

Amor a Roma

Fui a Roma para acompanhar as cerimônias de Canonização de Santa Dulce dos Pobres. Enquanto andava pelas ruas da cidade lembrei-me do grande e comovente livro de Afonso Arinos, Amor a Roma. Afonso fez uma dedicatória (“a José Sarney, cuja amizade é uma das alegrias de minha vida”) que refletia uma amizade que vinha de muitos anos e que nascera na casa de Odylo Costa, filho — e se estendia à Annah, sua esposa, a mulher que não só o inspirava, mas que se encarregava de datilografar e preparar os originais.  Continue a ler

Santa Irmã Dulce

Estou em Roma, emocionado. Eu que tantas vezes estive nesta cidade, que é uma síntese da História, desta vez aqui me trouxe a fé.  A fé numa Santa que conheci muito de perto, que amei pelo seu trabalho e pela santidade de sua vida: Irmã Dulce. Venho para refazer o gesto que fiz em minha vida, beijar-lhe os pés de Santa — que sempre foi e agora o Papa Francisco canoniza.  Ainda hoje recordo essa emoção: poucos dias antes de falecer, em seu leito de agonia, no que não era Continue a ler

Tancredo Neves: 100 anos

Senado Federal, Brasília, DF, 3 de março de 2010 Neste 4 de março faria 100 anos um dos maiores homens públicos da História do Brasil: Tancredo Neves.  O tempo se comporta em relação aos grandes homens de maneira contraditória. Por um lado lança sobre ele as névoas e as garoas da memória, tornan- do menos viva a sua presença. Por outro lado nos permite uma visão perspectiva do passado, tornando mais contrastadas as grandes figuras que sobrevivem e sobreviverão ao seu tempo. Podemos hoje ter uma visão muito mais definida Continue a ler

Alegrias e Tristezas

Fui matar saudades na Praia Grande, rever o Centro Histórico, cumprir alguns deveres e realizar desejos. O maior deles: visitar a Casa Josué Montello, que preserva o acervo de meu grande amigo, orgulho de nossa terra. Basta lembrar o maior romance sobre a escravidão no Brasil: “Os Tambores de São Luís”, em que ele, por amor, incluiu no título limitativo o nome da cidade em que nasceu. A França bem entendeu isso e, na versão francesa, usou apenas “Les tambours noirs”. Fiquei feliz. Estive várias vezes com Josué Montello na Continue a ler

Gratidão

Senado Federal,  Brasília, DF, 18 de dezembro de 2014 Último discurso parlamentar. Sr. Presidente, Mozarildo Cavalcanti, que tenho grande prazer de ver presidindo esta sessão; Senador Anibal Diniz, a quem quero agradecer também a gentileza de ter me cedido esta precedência; Srªs e Srs. Senadores; ouvintes da TV Senado; eu quero dizer que esta é a última vez que ocupo a tribuna parlamentar, que frequentei desde 1955. Eu sou meio supersticioso e avesso às despedidas e não gosto de dizer adeus, mas não posso fugir ao dever e sentimento da Continue a ler

A política é destino

Eu tenho afirmado ao longo da minha vida que nasci com uma total incapacidade de ter ódio e que rejeito a execrável teoria do Lenine de que devemos inverter na política o enunciado de Clausewitz de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”.  Segundo essa tese, o adversário teria que ser tratado como inimigo, a quem não se deve apenas vencer, mas destruir, matar, aniquilar. Não se estaria mais na disputa das ideias e sim em um campo de batalha.  Para isso Lenine defendia o método Continue a ler

Os mortos-vivos

Jorge Amado me contou que, depois de longo exílio, reencontrou um dos maiores poetas de língua espanhola, Pablo Neruda, e perguntou-lhe por um amigo comum, que tinha convivido com eles em Praga, onde nascera sua filha Paloma Amado. Neruda respondeu-lhe: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Somos sobreviventes: todos já morreram.” Já o meu mestre e companheiro de trabalho na redação de O Imparcial, Dr. Fernando Perdigão, quando eu era moço,  disse-me: “Sarney, a gente só sabe que está velho quando chegar ao Cemitério do Gavião, olhar para os túmulos e dizer: Continue a ler

Um futuro que chegou

Desde moço tive a cabeça no futuro. Sempre queria me atualizar, olhar para frente e não ter lanterna na popa. Assim, começando a ter gosto pela literatura, não me conformava com um Maranhão mergulhado no parnasianismo e aonde não chegara a Semana da Arte Moderna de 22. Fundamos um grupo de escritores e pintores. Começamos a fazer poesia contestatária das formas antigas e organizamos o Salão de Dezembro no Teatro Arthur Azevedo, chocando com as novas formas. Foi aí que chegou de Portugal Bandeira Tribuzzi, como ele mesmo dizia, “trazendo Continue a ler

Santa Dulce dos Pobres

O Papa Francisco, no dia 13 de maio, reconheceu mais um milagre de Irmã Dulce. O Cardeal Angelo Becciu, Prefeito da Congregação da Causa dos Santos, publicará o decreto de canonização para que, no Consistório convocado para o dia 1º de julho, em cerimônia solene, seja proclamada Santa. Santa Irmã Dulce dos Pobres. Frágil como uma pétala, débil como uma folha levada ao vento, mas plena de bondade, lutando até para respirar, lutando sempre pela sua grande causa, que era a causa dos pobres. Foi essa a Santa que eu Continue a ler