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História do Brasil

O triste 8 de janeiro

Legenda da imagem: autoridades no ato ‘Democracia Inabalada’, que marca um ano dos ataques de 8 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve Continue a ler

35 Anos de Constituição

O processo de reforma constitucional de 1988 iniciou-se com a longa discussão sobre as Constituições de 1967 e 1969, isto é, as duas Constituições outorgadas pelo regime militar. Independentemente de suas qualidades ou defeitos, estavam marcadas como ilegítimas. Era necessário, para a redemocratização do país, um novo marco institucional. Este postulado tomou forma como um dos pontos do “Compromisso com a Nação” assumido pela Aliança Democrática, que permitiu a vitória da oposição em 1985. Levado, por força da fatalidade, à Presidência da República, coube a mim convocar a Assembleia Nacional Continue a ler

Dica cultural: Os Tambores de São Luís

“O melhor livro de Josué Montello! Uma narrativa muito bem feita sobre o período da Escravidão no Brasil. Apesar de ter no título ‘São Luís’, não se restringe a uma obra regional, Os Tambores de São Luís sempre foi uma obra nacional, um grande romance que aborda toda a saga e luta do povo negro no país”, dessa forma, o escritor José Sarney relembra uma das obras mais importantes da literatura maranhense que é destaque da Dica Cultural, publicada aos domingos no site A Página do Sarney. Os Tambores de Continue a ler

Constituição de 1988 : 35 anos da aprovação

“Cumpro o dever assumido com a Nação pela Aliança Democrática. A Assembleia Nacional Constituinte realizará, sem dúvida, o grande pacto nacional, que fará o País reencontrar-se com a plenitude de suas instituições democráticas”, diz o trecho do documento assinado pelo Presidente da República, José Sarney, no dia 28 de junho de 1985,  marca uma fase embrionária e de grande importância para a História do Brasil: a retomada da democracia e a aprovação da nova Constituição Federal, o que aconteceu no dia 5 de outubro de 1988, há 35 anos. A Continue a ler

Fundação da Memória Republicana e os registros do Brasil

Documentos, livros, obras de arte, registros audiovisuais, objetos raros. Esses são alguns itens que fazem parte do acervo doado por José Sarney à Fundação da Memória Republicana, instalada no Convento das Mercês, localizado no bairro Desterro em São Luís. Os bens correspondem ao período em que ele exerceu a Presidência da República, de 1985 a 1990 e, também, peças e documentos que juntara ao longo da vida, até mesmo antes da Presidência. Esse é o único acervo presidencial que se encontra abrigado na região Nordeste do país.  Localizada no prédio Continue a ler

Previdência imprevidente

O século XX viu a implantação em todo o Ocidente do Welfare State, o Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social de Direito. Suas raízes podem ser detectadas na Antiguidade, como exemplo as ações dos irmãos Gracos e dos populares em Roma, fazendo a reforma agrária e sistematizando a distribuição de trigo para o proletariado. Distorcido pelos Estados concentracionários entre as duas guerras mundiais, depois de 1945 generalizou-se por toda a Europa como um fator decisivo de desenvolvimento.   No Brasil seguimos esse passo com grandes limitações. Já nos anos 30 criamos os Continue a ler

Um Brasil menor

Éramos jovens. Nos conhecemos no Rio de Janeiro, na Rua Otaviano Hudson, onde José Aparecido mantinha uma pensão estudantil, udenista, com ramificações pela esquerda. Pertence era mais ligado a seu irmão Modesto, da UNE, onde tinha posições de liderança. Eu começava minha carreira como deputado federal, ligado a Magalhães Pinto, de quem Aparecido era secretário particular. Era um tempo em que eu chamava Pertence de “Zé Paulo”, e ele a mim de “Zé”; quando nos encontrávamos e não tinha abelhudo por perto, eu repetia os tratamentos da mocidade: “Ministro Zé Continue a ler

O Reino do Casuísmo

Dizem que a imprensa vive de crises e dramas; o lado positivo dos acontecimentos raramente tem a mesma cobertura. Há, sem dúvida, alguma verdade nisso. Mas há também a exceção da verdade, para prevenirmos desde já o que poderia ser uma calúnia. Eu, por exemplo, já escrevi algumas dezenas de textos em que o título contém a palavra “crise”. É que o Brasil tem a crise enraizada na sua estrutura política. A Independência nasceu da crise do Reino Unido, que foi desunido pela vontade portuguesa de que voltássemos a ser Continue a ler

Bicentenários

Temos uma tendência a pensar que os anos são bons ou maus, mas, parafraseando Ortega y Gasset, podemos dizer que os anos são os anos e suas circunstâncias. Falei nas últimas semanas de dois bicentenários de nascimento, o do Parlamento brasileiro e o de Gonçalves Dias. Ali mesmo na velha cidade de Caxias, no Alto Itapicuru, onde nasceu a 10 de agosto o filho de Dona Vicência que seria o maior poeta brasileiro, havia poucos dias — no dia 31 de julho — tinham se rendido as tropas portuguesas comandadas Continue a ler

O poeta dos Timbiras

Aproxima-se o bicentenário de nascimento de Gonçalves Dias. Haverá festa, aqui e ali, mas não vejo programada a grande homenagem que o Brasil deve a seu primeiro grande poeta. Ele morreu muito moço, afogado, quando chegava de volta ao Maranhão. Voltava para morrer de vários males, o principal a tuberculose, e estava já agonizante. Na véspera, avistada a linha da costa, pedira que o levassem ao convés para ver seu Brasil, seu Maranhão — e desmaiou de emoção! Mestiço, filho natural, baixinho — “pequeno, baixo, ligeiro”, disse Machado de Assis Continue a ler

As reformas necessárias

Quem examina o bicentenário do Parlamento encontra uma figura onipresente, maior que os acontecimentos, a quem não se dá o valor devido e que, embora seja frequentemente mencionado, não é ouvido. Falo de José Bonifácio de Andrada e Silva. A obra de José Bonifácio, muito fragmentada, talvez seja em parte responsável por isso. Cientista, grande parte de seus papéis tratam de ciências e aplicação de ciências; outro tanto são documentos oficiais, marcados pelos limites do fato — sua outra face era ser essencialmente um homem de ação. Mas uma parcela Continue a ler

Onde se faz a Independência

O dia 3 de maio de 1823 foi, segundo dois dos protagonistas do dia — o que discursava, Pedro do Brasil, imperador por ter feito a independência, e o principal redator do discurso, José Bonifácio de Andrada e Silva — “… o dia maior que o Brasil tem tido, dia em que ele pela primeira vez começa a mostrar ao mundo que é Império livre”. Essa afirmação era uma reafirmação. Já desde o dia 11 de janeiro do ano anterior as leis portuguesas precisavam do reconhecimento do Príncipe Regente. Já Continue a ler

O bicentenário da Democracia

No dia 17 de abril de 1823 realizou-se a primeira sessão preparatória da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Começava a funcionar a democracia brasileira. A mesa interina tinha como presidente o Bispo capelão-mór, D. José Caetano da Silva Coutinho, e como secretário Manuel José de Sousa França, ambos da bancada da Capital. O prelado era de formação pombalina, mas pendia para os liberais. O Brasil vivia o confronto entre os que José Honório Rodrigues chamou de “construtores” — com cérebro e comando de José Bonifácio de Continue a ler

Ainda as cotas raciais

A Constituição consagrou um princípio relativamente novo: o da ação afirmativa. De uma forma aparentemente contraditória, ele aparece inicialmente no art. 3º, ao colocar entre os objetivos fundamentais da República o “bem de todos”, sem “quaisquer formas de discriminação”. Ora, a leitura deste inciso deve ser vista com a ótica do enunciado de Rui Barbosa de que a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais. No art. 4º nossa Carta repudia o racismo; no 5º, veda e pune a discriminação e o racismo (XLI e XLII), com “aplicação imediata”. Mais Continue a ler

O Estado e o Amor

O paroxismo da violência, mesmo diante da sombria perspectiva histórica, nos atinge como um raio, gerando uma carga de emoções difíceis de suportar. Tivemos duas dores estreitamente ligadas, na semana que passou. A primeira é de agora, será absorvida pela sociedade, mas não pelas famílias das vítimas, logo que se apague o clarão de seu relâmpago. É a brutalidade desmedida e monstruosa contra os pequeninos de Blumenau. A segunda é eterna, é a imolação de Jesus Cristo, penetrado da condição humana até ao abandono pelo Pai. Há sessenta anos eu Continue a ler

A estrutura da Justiça

Ao longo de minha vida, fosse como Presidente da República ou no Parlamento, nunca abandonei minha preocupação com o Direito e a Lei, o que expressei não só em palavras, mas apresentando ou relatando centenas de projetos. Meu objetivo foi sempre a busca da Justiça Social, nas mais diversas formas, como ao relatar a Emenda nº 11, que acabou com o AI-5, ao propor a Lei de Proteção às Pessoas com Deficiência, a Lei da distribuição gratuita de remédios contra a AIDS, a reforma eleitoral para criação do voto distrital, Continue a ler

Os olhos de ontem

Sempre tive uma boa memória. Quando falha fico preocupado. Pois não é que esta semana ela me fez uma que quase me leva ao pânico? Felizmente para lembrar tive a ajuda de Tereza Cruvinel, brilhante jornalista a quem nos ligam laços de afeição desde que ela chegou a Brasília. Era o dia 15 destes idos de março. Eu curtindo uma dor lombar destas que nos levam a só pensar em analgésico. O telefone toca. Atendo. Era Tereza, com toda a sua delicadeza a parabenizar-me: — “Sarney, depois de outros que Continue a ler

Cotas, um caso de sucesso

No final do século passado apresentei um projeto de lei que foi aprovado no Senado e atropelado na Câmara dos Deputados depois de muitos anos. Era muito simples, tinha apenas um artigo: estabelecia uma cota mínima de 20% para a população negra no preenchimento das vagas nos concursos para investidura em cargos e empregos públicos dos três níveis do Governo, nos cursos de graduação em todas as instituições de educação superior do território nacional e nos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Dois anos depois, em Continue a ler

Milagres do Carnaval

Eu tinha um tio muito querido, funcionário exemplar do Banco do Brasil, sisudo no trabalho, folião no Carnaval, que gostava de uma beer nos sábados e domingos. Chamava-se Ferdinand. São dele, no folclore da família, algumas histórias pitorescas. Começo por contar que num Carnaval do Maranhão — que, diga-se, é muito animado — ele chegou a nossa casa e queria fazer sua festa lá. Não encontrando parceiro, pegou uma mesinha da sala, colocou na cabeça e saiu com ela, improvisando uma marchinha: “Essa mesa não é minha, / essa mesa é da Continue a ler

Os senados

Antônio Paulino Limpo de Abreu, Visconde de Abaeté, foi senador por 36 anos. Quando eleito, em 1847, fora juiz, ouvidor, desembargador, Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, deputado, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente da Província de Minas Gerais, membro do Conselho de Estado, oito vezes ministro — depois foi mais cinco vezes ministro, além de Presidente do Conselho de Ministros. Depois presidiu o Senado do Império por doze anos. O velho Senado era diferente, conta Machado de Assis: “Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante. […] Continue a ler

O ataque à democracia

Estarrecido, o Brasil assistiu, no domingo, ao primeiro ataque simultâneo aos Três Poderes. Nossa História tem alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de arruaceiros que atingiu agora o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. A Assembleia Constituinte e Legislativa de 1823 foi fechada por militares a mando Continue a ler

O foguete e o teto

Quando eu era Governador, o Brigadeiro Délio Jardim de Matos deu-me uma notícia que aumentou a minha taquicardia e encheu de esperanças todo o Maranhão. A FAB estava escolhendo o local para erguer uma nova base capaz de lançar foguetes, para não termos somente uma — Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte —, pequena e limitada. Atendia também ao provérbio popular: “Quem tem uma não tem nenhuma”. Entre os lugares em estudo estavam o Município de Amapá, no então Território do Amapá. Entre os outros sítios aparecia Alcântara, Continue a ler

O Tribunal das Contas

É sempre difícil ter uma medida exata do brasileiro a que o País ficou devendo mais do que a qualquer outro, pois por dez vezes lhe recusou a Presidência, cargo a que ele dera a primazia e a grandeza. Filho de político prestigiado, mas pobre, fez-se advogado, político, escritor. Partilhou com Nabuco as causas da abolição e do federalismo; mas vindo o golpe republicano, ocupou sozinho o largo vazio do Estado de Direito, que reinstituiu com seu projeto de constituição, e os negócios públicos, no Ministério da Fazenda. O Senado Continue a ler

O Negro Cosme

Comemorou-se anteontem o dia da raça negra, e todas as homenagens foram para Zumbi. Eu sempre defendi que elas deviam ser divididas com Negro Cosme, do Maranhão, que fez um dos maiores quilombos do Brasil e, segundo João Francisco Lisboa, fundou a única escola num quilombo. Negro Cosme, como era chamado, tinha um ideário de educação e liberdade, lutou na guerra da Balaiada e contra a escravidão e terminou mártir e enforcado sem direito à anistia, chamado de “infame”. Na busca da necessária, atrasada e cada vez mais urgente reparação Continue a ler

As Lágrimas de Lula

O Padre António Vieira, em Roma, diante da rainha Cristina da Suécia, defendeu que o mundo era mais digno das Lágrimas de Heráclito que do Riso de Demócrito. Argumentava o já idoso jesuíta: “Quem conhece verdadeiramente o mundo há de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece.” Falando a parlamentares em sua primeira visita a Brasília depois da eleição, o Presidente Lula disse que consideraria justificada a sua existência se todas as crianças brasileiras fizessem, ao fim de seu governo, três refeições diárias — e chorou. As lágrimas Continue a ler

O Brasil dividido

Os problemas do Brasil atravessam o tempo sem solução. Para ilustrar os riscos dessa imobilidade, repito aqui, com os elementos da época — final de outubro de 2014 —, um dos muitos artigos em que tratei do tema da divisão do País: “A eleição contabilizou uma hipoteca séria que vai marcar o futuro governo: um país dividido. Carlos Drummond de Andrade escreveu que vivíamos um ‘tempo de partido, / tempo de homens partidos’. Estamos divididos, na pequena diferença do resultado entre os candidatos, entre pobres e ricos, Nordeste e Sudeste, Continue a ler

Voto pela Democracia

Quando, em janeiro de 1985, Tancredo Neves e eu fomos eleitos por um grande acordo da sociedade, tínhamos muito claro um compromisso: a transição para a democracia. A partir da eleição é que, no espaço cedido pela Fundação Getúlio Vargas, começou-se a detalhar números e tarefas. Antes de janeiro a tarefa não apenas era impossível por não dispormos dos dados reais sobre o funcionamento do governo, mas sobretudo porque a dimensão do que se decidiria na eleição era política e institucional, num nível superior de decisão: estava em jogo o Continue a ler

Eleição majoritária

A questão da legitimidade do mandato nos cargos executivos é velha como a República. A Constituição de 1891 definia, em seu artigo 47, que “o presidente e o vice-presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação, e maioria absoluta de votos”. Sabemos que logo foram adotadas as providências para que isso acontecesse: Prudente de Moraes foi eleito com 88% dos votos; Campos Sales, com 91%; Rodrigues Alves, com 93%; Afonso Pena, com 98%; o Marechal Hermes da Fonseca, com 65% — Rui Barbosa teve a maior votação de Continue a ler

Francisco Dornelles

Minha longa amizade com Tancredo Neves trouxe-me outra amizade com um grande homem público: Francisco Dornelles, seu sobrinho e pessoa de sua absoluta confiança. Tributarista de sólida formação, acompanhou Tancredo em Minas e no Planalto, onde firmou seu conceito de seriedade e competência. A Secretaria da Receita Federal, que assumiu no começo da abertura do regime militar, foi-lhe entregue por ser o mais preparado para o cargo. Veio a transição. Durante a construção da Aliança Democrática para viabilizar a eleição de Tancredo Neves, sua ajuda, costurando pontes e dando ao Continue a ler

História de Rádio

A história do rádio no Brasil começou com a paixão de um homem eminente: Edgar Roquette-Pinto, cientista e pioneiro, explorador e professor, escritor e desenhista, um dos grandes nomes da Academia Brasileira de Letras. Jovem médico, tornou-se professor de antropologia, de história natural, de fisiologia. Logo foi o braço direito do Marechal Rondon e fez o que ainda não tinha sido feito: gravou e fotografou e filmou os povos contactados na expedição a Rondônia. Suas observações científicas se espalham por todos os domínios: da notação musical à geológica, da sociologia Continue a ler