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A Crise da Democracia

A Crise da Democracia

Senador, e sempre preocupado em atualizar-me, criei com Franco Montoro, Carvalho Pinto, Virgílio Távora e outros colegas o Instituto de Pesquisa, Estudos e Assessoria do Congresso – IPEAC, que se destinava a melhorar a qualidade dos nossos trabalhos nas comissões e no plenário. Era o tempo do regime autoritário, e o espaço para discutir assuntos políticos era muito estreito. O Instituto podia contratar grandes nomes das universidades ou expertsem determinados assuntos e ajudar os parlamentares, assessorando seus trabalhos. Ainda hoje, ao comparar o nível dos discursos e pareceres de agora com o dos daqueles tempos, verificamos o quanto nos separa, em qualidade, daqueles anos. Promovíamos também seminários sobre abertura política, política energética, reforma agrária e tantos outros assuntos, driblando a vigilância do regime.

Foi durante os nossos debates que conheci Wanderley Guilherme dos Santos, José Goldemberg, Roberto Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Veloso, Roberto Campos (todos nós jovens) e tantos outros que já exerciam ou exerceram papel de ainda maior relevo na inteligência nacional. Não esqueço, também, a contribuição do grande jornalista, de talento e inteligência fulgurante, Oliveira Bastos, Diretor Executivo do IPEAC, que muito agitou os nossos seminários. Estes geraram livros de grande densidade. Golbery pedia sempre nossas publicações, de que gostava muito, e convidou para vir ao Brasil conversar conosco Samuel Huntington, o papa dos estudos sobre transição democrática — muito depois autor da obra clássica sobre o “choque das civilizações”.

Que diferença entre o Congresso de hoje e o daquele tempo! Eu era o Presidente do Instituto. Mas ressalto a importância de Franco Montoro, grande homem público, meu Vice-Presidente, trabalhador, aplicado, sonhador e sempre otimista. Nosso grande e escondido objetivo era trabalhar pela volta da democracia e do Estado de Direito. Tudo tinha que ser feito com absoluta discrição e cuidado.

Vejo agora, publicada pela Folha de S. Paulo, uma pesquisa mundial revelar que as populações de diversos países não estão satisfeitas com a democracia. E quem comenta isso? O nosso Wanderley Guilherme, e vejo sua foto, já velho como eu, lúcido, dizendo que a insatisfação no Brasil se deve não tanto ao conteúdo do que acontece, mas aos atores que hoje operam o sistema político.

Qual o político que mais fez pela humanidade e qualidade de vida do homem? Nenhum que se compare a Fleming, que descobriu a penicilina, os antibióticos e seus derivados: era cientista.

Agora saíram oito volumes de meus discursos. Foram 1288, desde que entrei na Câmara, em 1955. E ainda se discute a mesma coisa: a democracia, a decadência da classe política e o desencanto com o parlamento.

O Golbery dizia que quem quisesse guardar um segredo o colocasse nos Anais do Congresso Nacional. Ninguém lê. Hoje, com internet, rede social, youtube, whatsapp, facebook, twitter etc e tal, a política e os discursos são palavras jogadas ao vento.

Tudo passa. Mas a democracia, qualquer que seja seu estado moribundo, não morrerá nunca.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.