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Discurso de Posse na Presidência do Senado Federal

Discurso de Posse na Presidência do Senado Federal

Senado Federal, Brasília, DF, 1o de fevereiro de 1995

Senhoras e Senhores Senadores, estou aqui com os mesmos sonhos com que cheguei pela primeira vez à Câmara dos Deputados em 1955. Tendo ocupado todos os cargos públicos do País, jamais, depois de trinta anos de mandatos legislativos, aceitei participar da direção dos nossos trabalhos.

Peço-lhes licença para invocar, como aval do compromisso que assumo com a Casa, a legitimidade que tenho para presidi-la. Deputado Federal três vezes, três vezes Senador da República, Vice-Presidente e Presidente da República, estou assumindo esta missão para prestar um serviço ao Senado Federal, Casa à qual devo minha formação política. Aqui aprendi a ouvir mais do que falar, a opinar, a respeitar o direito de discordar, a compreender o valor do debate e da controvérsia, a descobrir as virtudes da paciência e os deveres da amizade que se consolida na vivência de um ideal comum. Aprendi que o caminho do desenvolvimento passa sempre pela democracia, hoje vitoriosa no mundo como a solução libertária da humanidade, que sabe que a tecnologia, a ciência, a economia de mercado fizeram muito mais pela qualidade de vida da sociedade humana do que todos os sistemas políticos ideológicos.

Os parlamentos atravessam a maior crise da História. Hoje se questiona, no mundo inteiro, a sua legitimidade. Com o surgimento de um novo interlocutor da sociedade democrática, a opinião pública, que veio para ficar expressa pela mídia e pela sociedade civil organizada, o eleitor também ficou prisioneiro desse sistema e passou a ser um refém no universo da comunicação.

Nesse clima, o Poder Legislativo é o mais vulnerável dos três Poderes, porque os seus conflitos são públicos, não temos paredes para ocultá-los. É um Poder desarmado e um Poder indefeso.

O Brasil, particularmente, vive uma situação singular. Temos instituições políticas, algumas delas que remontam ao século XIX, e entre elas uma tendência ao congresso do discurso que é apenas uma das maneiras de fiscalizar, como são os pedidos de informação e as comissões de inquérito. As funções de controle, de acompanhamento, de fiscalização, ficaram colocadas numa escala secundária, embora sendo as principais.

Por outro lado, o Parlamento, com os anos, teve suas estruturas administrativas desatualizadas e obsoletas. Cresceram os abusos, tornaram-se visíveis os erros, o desestímulo tomou conta de quase todos e o marasmo invadiu muitas consciências.

Como reação e na esteira dos novos tempos, criou-se no Brasil não somente instituições formais democráticas, mas algo extraordinário e que é tão bom para o País — criou-se uma democracia participativa e virtual, que se derrama num sistema de capilaridade em todo o tecido social, na extraordinária vitalidade das milhares e milhares de associações, federações, clubes, grupos comunitários e corporativos que agregam poder político.

A mídia modernizou-se, os meios de comunicação de massa tomaram um espaço dominante como intermediadores entre o povo e o poder político.

É necessário, neste instante de transformações históricas, salvar o Parlamento do desprestígio, recolocá-lo perante a Nação no seu intocável lugar de cúpula do sistema democrático, sendo para o povo o seu grande instrumento de igualdade, onde todos podem questionar os governos, fiscalizá-los, acompanhá-los e denunciar desde os próprios parlamentares até os menores erros que existam dentro da sociedade.

Para esta missão coloco a minha experiência e a minha vida de político, com aquilo que tenho preservado ao longo de toda a minha existência, a capacidade de ouvir, de dialogar, de ser um espírito conciliador.

Chegou a hora de um encontro, de uma soma de vontades, de missões compartidas entre a sociedade civil, a opinião pública e a mídia, que, repito, passou a ter uma função extremamente importante na intermediação política.

Eu me proponho, como presidente da Comissão Diretora do Senado, a submeter à Casa o debate de um novo modelo, submeter diretrizes para restaurar o prestígio do Poder e, com obstinação, ser um escravo dessa causa. Aceitar sugestões, implementar projetos, correções de rumo, proceder a uma grande e abrangente reforma administrativa que atinja todos os aspectos necessários à modernização da Casa. Aqui temos, nos quadros que compõem o funcionalismo, uma base significativa e exemplar para a tarefa, e desejo motivá-los, dando condições de trabalho, reciclagem, assegurando sempre que, aqui dentro, só ocorrerá a seleção pelo mérito, pela capacidade e pela dedicação ao trabalho.

Precisamos decidir, mostrar agilidade nos trabalhos parlamentares — todas as sugestões serão bem-vindas —, restaurar a atividade legislativa, adormecida com a hibridez da Constituição de 1988, que, dando ao Congresso funções de governo parlamentarista, e sendo o sistema presidencialista, criou, entre outros fatos, a ingovernabilidade.

O País, para funcionar, teve de entregar ao Executivo o poder ilimitado de legislar através de medidas provisórias. Com a experiência que trago do Executivo, sei que, sem elas, é impossível governar e, com elas, é impossível a existência de um Congresso dinâmico, que todos nós desejamos. O que está ocorrendo é a proliferação das atividades periféricas.

Daí a urgência da reforma constitucional. Tenho certeza da sensibilidade do Poder Executivo e do Presidente da República que, sendo velho parlamentar como nós, nos ajudará a fazer uma profunda reflexão sobre essa questão.

Os Poderes da República não podem, em qualquer hipótese, aumentar vencimentos; a velha praxe republicana recomenda à legislatura anterior fixar os vencimentos da seguinte, para todo o período. Por outro lado, só através da lei, nunca de resoluções ou qualquer outro meio que possa burlar essa norma, poderá ser admitido que os Poderes se autorremunerem e confiram vantagens ou agreguem privilégios.

Proponho-me a ser um instrumento do Senado e do Congresso, que presidirei, para fortalecê-los, modernizá-los, para que eles possam usufruir de todas as suas potencialidades, e reprimir, com a ajuda de todos os senadores, qualquer tentativa para desmoralizá-los.

Serei severo e inflexível, no âmbito das minhas atribuições, contra abusos, distorções, qualquer forma de corrupção ou comprometimento de nossas funções. Serei obstinadamente intransigente na manutenção de nossas prerrogativas, na defesa da autonomia do Poder Legislativo, do respeito que se deve aos seus membros e à dignidade de suas funções. 

Por outro lado, devemos sempre ter presente, na qualidade de representantes do povo, o decoro de que necessita o exercício dos nossos mandatos, que devem ser exercidos com austeridade e com responsabilidade.

Se de alguma coisa me arrependo na vida é de não ter sido mais exigente e firme na cobrança de tarefas. As duas margens do rio que conheci, a do governo e a do ostracismo, me ensinaram que essa conduta não leva ao reconhecimento nem à gratidão. Liberto das ambições, posso, como um depoimento e testemunho, reconhecer equívocos e jamais repeti-los. 

Agradeço ao PMDB a escolha que fez do meu nome e especialmente para, em seu nome, participar da Mesa de direção dos trabalhos do Senado Federal como seu presidente; e principalmente aos Senadores Pedro Simon e Íris Resende, pela contribuição significativa que deram à disputa dentro do partido. Serei, como sempre fui, cumpridor do programa desse partido.

Quando Presidente, ao deixar o governo, tive oportunidade de dizer e agora quero repetir: não entreguei o País à pressão de ninguém, no exterior ou no interior, e não cedi um milímetro da autonomia e da integridade do Brasil.

Quero agradecer às Senhoras e aos Senhores Senadores, ilustres componentes desta Casa, que sufragaram o meu nome. Quero reconhecer a contribuição dos Senadores Mauro Benevides e Humberto Lucena em inúmeros projetos de melhoria da atividade parlamentar, principalmente na informatização de muitos dos nossos serviços. 

Esta é uma Casa onde se reúnem as mais ilustres biografias do País: governadores, ministros, antigos parlamentares, homens e mulheres que viveram as lutas em favor dos interesses nacionais em todos os campos. 

Sei, com minha experiência e minha idade, que assumi uma tarefa de alto risco. Mas o fiz certo de que posso prestar ao Congresso do Brasil um serviço que me julgo capaz de fazer, pela minha vida e pelo ideal que me anima hoje nesta sedutora missão para a qual me sinto profundamente motivado e preparado. 

Vamos nos dedicar a essa tarefa extraordinária que o Brasil tanto precisa neste instante, de modernizar, de aparelhar, de reconstruir as instituições parlamentares dentro desses novos tempos. Convido todos a esse mutirão pela moralidade, pela dignidade, pela competência, pelo trabalho, na tarefa de transformarmos esta legislatura numa página indelével e marcante da história política do Brasil.

Tudo nos leva a essa crença. Estou profundamente otimista. Aí está um Brasil que acompanha o passo do mundo, e estará um Parlamento que acompanhará o passo do Brasil. Aí está um Brasil que sai de suas crises, que sacode as amarras do pessimismo e abre suas asas de esperança para iniciar um dos voos maiores da sua trajetória.

O Presidente Fernando Henrique terá no Senado Federal, no presidente do Senado Federal, uma alavanca de apoio para os projetos de reforma e de construção das esperanças que o levaram à Presidência da República pelo voto do povo. Suas qualidades de político, de intelectual, de democrata o credenciam a nossa admiração e é o nosso desejo — acredito que seja unanimemente o de todos nós desta Casa — ajudá-lo a ajudar o Brasil. 

Quero terminar estas palavras, renovando o meu profundo agradecimento às Senhoras e aos Senhores Senadores. Hoje, sou o presidente da Casa, o presidente de todos. Quero homenagear o Senado da República, que considero minha Casa, nossa Casa, a Casa do Brasil e, certamente, a Casa do povo brasileiro. A cada um que aqui chega, renovo os meus votos de êxito no cumprimento de seus mandatos. Que Deus nos ajude, e que os nossos ouvidos jamais deixem de ouvir, com humildade, as vozes do povo brasileiro, e que nossas palavras jamais deixem de suplicar, de exortar, de conclamar, de pedir e, se possível, protestar com todas as forças da revolta contra as injustiças e em favor dos anseios do Brasil. Muito obrigado.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

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