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Deputado, o amigo

Deputado, o amigo

Afinal a Reforma da Previdência passou em primeiro turno. Primeira etapa vencida. Mas nos deixou muitos exemplos. O primeiro deles a total falência dos partidos. Foi preciso o Presidente Rodrigo Maia, que demonstrou uma extraordinária competência para construir uma engenharia política para viabilizá-la, ocupar o lugar do Executivo e articular uma maioria extraordinária dentro da Câmara, usando das práticas que fazem do regime democrático o melhor — na expressão de Churchill, “o pior do mundo, fora todos os outros”. Quais são elas? O diálogo, a negociação, a articulação entre os partidos, a sensibilidade para aferir a opinião pública e, a maior de todas, o convencimento da classe política de ser a matéria de interesse público inadiável. 

O Executivo durante todo o processo pareceu perdido num cipoal que o levou a substituir dois ministros de articulação política e de retirar a tarefa da mão de outro que se mostrou inapetente para a tarefa, dada suas relações com o Presidente da Câmara. O próprio Presidente da República teve de ir e vir, trocando farpas, nas quais era possível ver sombras da política do Rio de Janeiro. 

Outro ângulo foi a constatação já conhecida da fragmentação dos partidos (trinta e três) de funcionar como tal, tendo como base a disciplina e a coerência de pontos de vistas, já que nenhum deles tem programa a executar — estes são apenas objetivos difusos esquecidos nas letras mortas dos Estatutos partidários, não lidos pelos representantes nem ao menos encontrados impressos, sobreviventes apenas pela descoberta da internet, onde é possível encontrá-los sob a guarda do Professor Google. 

Em nossa democracia representativa os representantes eleitos não representam nada. Dez dias depois de cada eleição, eles não sabem das ideias que os levaram aos parlamentos, a maior delas votar no amigo, o apoio de cabos eleitorais, alguns cartazes e, hoje, algumas mensagens conjunturais nas redes sociais. Basta ver na votação da Reforma da Previdência que os principais entraves — causa das maiores discussões — eram as reivindicações corporativas de sindicalistas, evangélicos, ativistas femininas, minorias discriminadas (LGBT), ruralistas e outros menos votados. São interesses setoriais defendidos por grupos corporativos. 

Hoje, já é unanime a constatação de que a única legitimidade que resistiu nos parlamentos é a geográfica, isto é, a que existe nos países em que usam o voto distrital, onde o deputado representa o território e a população do seu distrito e por isso mesmo, repetimos, é legitimo. 

Há 40 anos apresentei no Senado um projeto de Voto Distrital, que pode ser misto ou puro. Dorme no sono profundo dos Anais do Congresso Nacional, que Golbery dizia serem o único lugar em que se pode guardar um segredo. 

Enquanto isso, todos, tendo à frente os cientistas políticos, são unânimes em afirmar que a democracia representativa agoniza. Sua única e visível legitimidade passa a ser, na hora de votar,  ter amigo e ser amigo do eleitor.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

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