A democracia tem dois corações: o sistema representativo e a liberdade de imprensa.
Afonso Arinos, certa vez, quando conversávamos sobre a Constituição americana e a formação do Senado, lembrou que a questão se colocara desde a abertura dos debates da Convenção de Filadélfia, no dia 29 de maio de 1787, inserida pelo Projeto de Virgínia. Todos concordaram com a ideia de duas casas, à maneira inglesa. A grande dúvida era como conciliar o poder dos grandes e dos pequenos Estados. Na sua primeira Constituição cada Estado tinha poder igual, uma das razões de seu fracasso.
A dúvida de como fazer o equilíbrio se estendia ao modo de eleger deputados e senadores e a seu número. Prevaleceu o voto direto para a Câmara e os senadores escolhidos pelos legislativos estaduais — Madison, o grande cérebro por trás da Convenção, achava que ambas as casas deviam ser eleitas pelo povo e escreveu em código a Jefferson, que estava em Paris, prenunciando um desastre; a 17a Emenda, em 1913, consertaria o erro. Ficou a dúvida quanto à composição.
Então, eles — contava Afonso —, que eram homens profundamente religiosos, disseram: “Vamos rezar para que, de manhã, tenhamos uma solução.”
A saída foi o que se chamou de Grande Compromisso, por atender a Estados grandes e pequenos, com o Senado tendo o mesmo número para cada Estado e a Câmara um número proporcional às respectivas populações.
O outro coração demorou um pouco mais a encontrar sua expressão. Durante a Convenção, Madison foi contra uma declaração de direitos, e sua posição prevaleceu. Mas, durante o grande esforço pela ratificação em que ele, Hamilton e Jay escreveram The Federalist Papers, ele assumiu o compromisso de inscrevê-la. E cumpriu. Diz Joseph J. Ellis, o grande historiador, que, mais que o pai da Constituição, Madison foi o “Father of the Bill of Rights”. Ele tratava Jefferson como seu mentor e a correspondência entre os dois examina profundamente a questão. Assim surgiu, em 1791, a Primeira Emenda, que, em poucas linhas garante as liberdades de religião, opinião, imprensa, reunião e petição.
Ela deu à imprensa a posição de ‘quarto poder’, representando o povo na fiscalização dos outros três – o Executivo, o Legislativo e o judiciário. A sociedade democrática é uma sociedade de conflitos, de grupos de pressão que pretendem influenciar o poder. Jefferson chegou a dizer que se “tivesse de optar entre ter governo ou imprensa”, preferia a imprensa.
A Primeira Emenda cristalizou a inserção do direito de impressão em todo o arcabouço do sistema político do Ocidente. Já os ingleses o haviam afirmado no Freedom of Press Act de 1685. A França o colocara no artigo 11 da Déclaration des Droits de l’homme et du citoyen dois anos antes, em 1789.
Os fundadores do sistema de valores que compõem a democracia representativa incorporaram a inviolabilidade de palavra, de opiniões e votos como prerrogativas inalienáveis dos representantes do povo. São princípios que hoje estão associados ao dia a dia de qualquer democracia que mereça esse nome e que tiveram origem na garantia da velha Magna Carta ao parlamento inglês de tomar suas decisões a salvo de qualquer pressão exercida pelo Rei.
A ideia de Jefferson é que a imprensa assegurava meios capazes de contrabalançar as prerrogativas dos parlamentares, garantindo-lhes uma tribuna livre, sem nenhuma restrição ou censura, para questionar pessoas e governos.
Porém, a imprensa dos tempos de Thomas Jefferson era uma imprensa rudimentar, que imprimia panfletos de uma folha e em tiragens quase simbólicas de duzentos exemplares, se tanto. Hoje, imprensa, rádio, televisão e redes sociais são instrumentos de comunicação indispensáveis e um dos maiores negócios do mundo.
José Abdias Albuqurque
SEMPRE UMA LIÇÃO PROFUNDA, UMA AULA VIVA DA DEMOCRACIA. PARABÉNS
Fernando Belfort
As crônicas do Dr. Sarney nos trazem um cabedal de conhecimento.
Insisto em dizer que devem ser reunidas em livro para à aprendizagem de futuras gerações.