Não é de bom-tom tratar de assuntos pessoais em nossas colunas de jornal. Mas não resisto à tentação de abordar o relançamento de três romances meus em São Paulo hoje, 23 de outubro, quando escrevo esta coluna, editados pela Ciranda Cultural, com o selo Principis. Eles, os editores, tiveram um carinho especial com esta publicação, a começar pelas belas capas temáticas criadas para O dono do mar, Saraminda e A duquesa vale uma missa.
É que neste relançamento o objetivo é atingir um público que ainda não conhece este meu outro lado, a minha atividade literária. A minha vida sempre teve duas vertentes, a da política e a da literatura, sem que uma invadisse o campo da outra. Embora minha presença na vida nacional tenha sido marcada pela política, não passou um só dia que eu não tivesse um convite de noivado para a literatura. Foi assim que eu consegui, pela graça do destino e de Deus, na política, chegar a Presidente da República e, na literatura, a membro da Academia Brasileira de Letras, para a qual fui eleito em 1980, sendo hoje o decano daquela Casa, onde entrei nos braços de meus livros de poesia e de contos: Canção Inicial (1954), Maribondos de fogo (1978) e o de contos, Norte das águas, publicado em 1969. Depois veio o Saudades mortas.
Na poesia, fui considerado como um poeta que atingiu o “domínio completo da melodia poética”, e o português João Gaspar Simões — o crítico que apresentou Fernando Pessoa em 1927 — observou no meu Maribondos de fogos a poética genuinamente brasileira, um eu lírico “que os poetas brasileiros, agora, mais do que nunca, estão, finalmente, a fazer seu e bem seu.”
Sobre o meu livro de contos, Norte das águas, alegraram-me as palavras de Léo Gilson, ao dizer que mostrei “um pedaço mais ameno e mais doce do Nordeste que é o Maranhão.”
O romance O dono do mar já foi traduzido em doze línguas, sendo recebido, pela crítica nacional e estrangeira, com grande generosidade. É de Heitor Cony, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Domício Proença, Léo Gilson Ribeiro, grandes escritores e críticos de literatura de nosso país e de notáveis escritores internacionais, como Alain Peyrefitte, autor do best-seller consagrado Quando a China se levantar, o mundo tremerá; Maurice Druon, autor de dois livros marcantes O Menino do dedo verde e Os reis malditos, que disse ser O dono do mar “uma saga sem precedentes na literatura latino-americana”; e Levy Strauss, o grande antropólogo e maior intelectual da Europa do século XX, que disse tratar-se de “obra monumental”. Este livro entrou na Coleção da Gallimard de literatura folio, a maior da Europa, com 2.800 títulos. Dos brasileiros, nela figuram Machado de Assis, Jorge Amado e Guimarães Rosa.
Quando, em 2018, foi editada a minha bibliografia geral e fortuna crítica, foram arrolados 120 títulos. Fiquei surpreso. Nem eu avaliava tantas publicações, com 168 edições, porque muitas das publicações tiveram muitas edições.
Devo confessar que esta vocação de escritor muito me envaidece, porque, como teria dito Napoleão Bonaparte, a política é um destino, ele ocorre circunstancialmente na vida, diferentemente da literatura, que é uma vocação, nasce das qualidades que nos governarão o viver. Não ocorre: nasce. E aguarda uma atitude nossa em resposta a esse chamamento.
Assim, hoje, estaremos na livraria do Shopping Iguatemi autografando livros, revendo amigos e surpreendendo jovens: o velho Sarney feliz, como se estivesse iniciando seus livros, romances de histórias que inventou de pescadores, de garimpeiros e de apaixonados por mulheres retratadas na história dos reinados de França, como no A duquesa vale uma missa.
Com O dono do mar acredito ter realizado uma obra de começo, meio e fim — assim foi apontado pela crítica de muitos países em que foi editado. Já em Saraminda, construí um personagem que domina e fica. Heitor Cony disse que na literatura brasileira tínhamos agora três mulheres: Capitu, Iracema e Saraminda. É exagero, mas dá vaidade.
Em Brasília, também relançaremos esses romances, no dia 11 de novembro, no Salão Negro do Senado Federal. Em seguida, será a vez de São Luís, no dia 5 de dezembro.
E aqui fico, encabulado pelo artigo pessoal, mas feliz — com a sua licença, caro leitor.