Buenos Aires, Argentina, 29 de novembro de 1988
Hoje é um dia marcante na história do nosso continente. Um passo fundamental, que será lembrado como uma mudança extraordinária, em busca da independência econômica da América Latina e como uma prova de grande maturidade política.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que acabamos de assinar, incorpora-se à história do Brasil e da Argentina.
É um marco. Representa uma etapa decisiva em nosso destino comum. Nossa vontade política foi capaz de superar obstáculos, vencer preconceitos, abrir a grande estrada do futuro com os pés no presente.
Desejo recordar o nosso primeiro encontro, em 1985, em Iguaçu. A comunhão de nossas ideias, a visão conjunta da necessidade de criarmos as condições que hoje se cristalizam neste Tratado.
A partir daquele instante, resolvemos que a integração seria a grande meta.
Crescermos juntos. Juntos, vencermos as barreiras da miséria, da pobreza, dos baixos padrões de vida de nossos povos, ansiosos da ocupação dos espaços que nos cabem.
Hoje sabemos que a árvore plantada sobreviverá aos nossos governos, a nossas vidas; continuará ao longo de nossa história comum; é uma consciência de nossas gentes; é uma determinação de nossa soberania.
Lanço os olhos sobre o futuro.
Seremos um mercado comum de mais de duzentos milhões de consumidores, sem barreiras econômicas, incorporados à economia dos conjuntos, partindo para projetos binacionais, para a livre circulação de bens e serviços, sem barreiras tarifárias.
Assim participaremos do comércio internacional.
O legado que deixamos é o da consolidação deste objetivo, que será obra de nossos povos, através daqueles que nos sucederem, apoiados pela decisão do povo, pelos seus representantes em nossas casas legislativas — intérpretes que são da vontade plural de nossas sociedades.
Mais do que tudo isso é o legado da amizade entre nossas nações, quando as fronteiras deixam de demarcar separações e estimulam o estreitamento de relações e a cooperação.
Nesse futuro já não estaremos sós.
A nós se juntarão outros países latino-americanos e as dificuldades de hoje serão lembradas como o sacrifício de ontem, que nós tivemos de viver, harmonizando conflitos quase insolúveis; tempos de mudanças institucionais e de consolidação da democracia, pluralista, aberta, questionadora, construtora da liberdade, e, por isso mesmo, difícil.
Sem democracia não há desenvolvimento que possa ser justo.
Sem democracia não há paz duradoura, nem dentro nem fora das fronteiras.
A democracia, anseio mais profundo e mais antigo dos povos, se fortalece no seu exercício testemunhado pelas eleições, pela crescente participação popular na política.
A democracia criativa, competitiva, da livre concorrência, sem as ameaças e sombras dos nossos anos de tempestade, assegurará a construção desse futuro que vislumbramos em Iguaçu, começado e continuado em lperó, Pilcanuyeu, Carmen de Patagonia, Bariloche, Viadma, Carajás, Arandu, Brasília e Buenos Aires.
Três foram as minhas visitas à Argentina e três as de Vossa Excelência, caro amigo Presidente Raúl Alfonsín, ao Brasil.
O Tratado consolida essa obra. Acelera um processo que nos levará, unidos, a transpor os desafios tecnológicos e científicos do mundo do futuro.
Argentinos e brasileiros, irmanados pelos ideais de paz e democracia, caminharemos de forma gradual, flexível, equilibrada e realista no cumprimento dos compromissos hoje assumidos, como o fizemos nestes anos.
Estaremos, assim, aptos a assegurar às nossas sociedades perspectivas seguras e autossustentadas de desenvolvimento.
É inabalável a firmeza de nossos propósitos.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, sob a guia dos representantes democraticamente eleitos por nossos povos, torna irreversível a integração de nossas economias e a cooperação entre nossas sociedades.
Já em julho de 1986, a Ata para a Integração Brasileiro-Argentina lançava os alicerces que permitem hoje esta cerimônia.
Através de seus protocolos, estabelecemos programas realistas de cooperação em tecnologia avançada, que frutificaram.
Aí estão o Centro de Biotecnologia, a aeronave CAB-123, a Escola de Informática, a Escola de Químicas Finas e a cooperação tecnológica na indústria nuclear.
Outorgamos preferências recíprocas para toda a pauta tarifária.
Todo produto argentino tem preferência no mercado brasileiro; qualquer produto brasileiro tem preferência na Argentina.
Criamos a experiência nova da união aduaneira em bens de capital, motores do desenvolvimento e fontes do aumento da produtividade do trabalho. Fizemos a união aduaneira na indústria de alimentos.
No campo dos transportes, os protocolos da Ata de Integração permitiram as mais profícuas negociações, que resolveram em definitivo antigas pendências, simplificaram procedimentos, e se tornaram fator de aceleração da integração dos transportes no Cone Sul.
Não negamos que a integração seja caminho sem percalços.
Energia, comunicações, moeda comum, indústria automotriz estão entre os temas cuja complexidade demanda esforço especial de imaginação e requer obstinação de nossos negociadores.
A integração, em sua plenitude, é tarefa de gerações.
Sabemos que é preciso um exercício permanente de negociação para encontrar as soluções adequadas, capazes de preservar, de forma equilibrada, os nossos interesses particulares, num quadro geral de objetivos compartilhados.
Nunca em nossa história comum estivemos tão longe de divergências.
Nunca foi tão franco e amistoso o diálogo entre nossos Governos.
Hoje, a paz e a cooperação se impõem naturalmente. Basta olhar em torno e verificar quão excepcional é o que alcançamos e quão precioso o que construímos.
Com o Tratado, confirmamos o nosso objetivo final, que é o de criar o mercado comum; ratificamos os princípios fundamentais do gradualismo, da flexibilidade, do realismo, do equilíbrio de vantagens.
Definimos os grandes campos de negociação e a forma pela qual os Executivos e os Legislativos dos dois países aprovarão os acordos específicos de harmonização e coordenação de políticas.
Estamos, ademais, convencidos de que este Tratado de Integração, senhor Presidente, será um fator de aceleração da integração latino-americana.
A América Latina é nosso marco de referência, nosso espaço comum. Nosso ponto de partida e nosso destino.
Brasil e Argentina se querem unidos e fortes em uma América Latina unida e forte!
A América Latina, porém, tem que lidar com problemas dramáticos, como a inflação, a dívida externa, a fragilidade institucional.
O processo inflacionário tem sido o maior inimigo das nossas economias.
Ele corrói as instituições com a sua cultura do pessimismo e da revolta; da descrença nos valores democráticos e na capacidade de administrar crises; incentiva a demagogia; deforma a imagem dos políticos e da atividade pública; gera vulnerabilidades nacionais; torna os países indefesos às pressões que sobre eles exercem os poderosos interesses internacionais. Além de ser uma sedução constante à violência e à desestabilização.
A dívida externa, que herdamos, por sua vez, é injusta.
É impossível de arcar com seus ônus, que debilitam nossa capacidade de crescer, nos empurram para a recessão e nos tornam um continente exportador líquido de capitais.
Em Punta del Este, criamos um grupo que se reúne no Rio de Janeiro para formular uma proposta nossa para enfrentar o problema.
O certo é que não podemos mais aguentar a imobilidade dos credores em face de uma mudança no tratamento do problema, que tem um aspecto político e não somente de mercado.
Nós, Argentina e Brasil, temos feito grandes esforços. Confesso que o mesmo não temos sentido por parte dos países desenvolvidos.
Renovo-lhe minha admiração!
Conscientes e convictos de que nosso amanhã será mais próspero e mais justo, saberão nossos dirigentes futuros superar os obstáculos, conciliar as diferenças e serem firmes na continuidade.
Testemunho meu compromisso de dedicar a minha vida a este ideal: a unidade de nossa América na comunhão de nosso destino comum.
Nós vivemos este momento com grande idealismo.
Este Tratado de Integração aponta o caminho.
Caminho que com tanta fé, tanta crença, tanta determinação, nós dois soubemos descortinar ao apertar nossas mãos com o sentimento de estarmos interpretando a conjugação de vontades de todos os brasileiros e de todos os argentinos, que, com orgulho, representamos.
Com a ajuda de Deus, haveremos de alcançar nossos objetivos.
Brasil e Argentina temos um lema que foi o símbolo da integração: crescer juntos!
Vamos crescer juntos!
Com a união e a amizade cada vez maior dos nossos povos.
Como dizia Jorge Luís Borges:
Nuestro deber es la gloriosa carga
[….]
Nadie es la patria, pero todos los somos.
Arda en mi pecho y en el vuestro, incesante,
Ese límpido fuego misterioso.
[….]
Si esto es verdad e si quando el tiempo nos deja,
nos queda un sedimento de eternidad,
un gusto del mundo.