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Convocação da Assembleia Nacional Constituinte

Convocação da Assembleia Nacional Constituinte

Palácio do Planalto, Brasília, 15 de março de 1985

As nações, como os homens que a constituem, são imperfeitas construções da História. Não há povos — nem homens — servidos apenas de virtudes, nem aqueles submissos inteiramente aos pecados.

Mas ao mesmo tempo as nações, como os homens, carregam em si, com suas imperfeições, a busca do ideal e da perfeição, procurando recuperar os caminhos que tenham sido perdidos nas tardes da aventura e nas noites do medo. É, pois, sinal do homem, assim como das nações, a ânsia da perfeição.

Reunimo-nos hoje para um ato de grandeza nacional. Vamos, com a consciência da importância deste gesto, pedir ao povo que, através dos delegados que vier a escolher, reordene a vida institucional do País. Cumprindo o mais grave dos compromissos que, em aliança democrática, assumimos com a Nação, estamos encaminhando ao Legislativo proposta de Emenda Constitucional que dê aos seus representantes, a serem eleitos em novembro do ano próximo, poderes para elaborar e promulgar a nova lei fundamental e suprema do País.

A primeira das nossas crises está no desajuste entre a ordem jurídica e a realidade política e social. Não há leis que possam sobrepor-se à vontade dos cidadãos, por mais que se subordinem à sabedoria e à ética. As leis que pretendam, pela força do Estado, disciplinar e elevar a cidadania produzem resultados inteiramente opostos. As virtudes que se decretam mudam-se em vilania e só o terror pode manter de pé tais sistemas insensatos.

Por outro lado, não há instituições que durem mais do que as circunstâncias que as tenham estabelecido. Vivemos em tempos de mudanças, e os homens, ao transformarem a natureza, transformam-se também, reclamando novas normas de convívio social.

Encontram-se, na história de todas as nações, respostas institucionais a desafios inesperados. Quando há perigo iminente para a sobrevivência dos povos reunidos em Estados, cabe à inteligência política encontrar, e com decisão, a resposta certa. Recordo-me, entre outros exemplos, da coragem de Roosevelt com o New Deal, naqueles assustadores anos 30. Não fora a ousadia do grande líder em adotar, na emergência, medidas que rompiam amarras, e talvez outros tivessem sido, uma década mais tarde, a sorte da guerra e o destino do mundo.

Senhores,

A proposta que enviamos ao Congresso Nacional corresponde às circunstâncias da atualidade política. Não há normas que determinem o modo de convocar-se poder constituinte; para os que a promulgam, a Constituição será sempre documento com intenção de permanência.

A Constituinte será — graças ao bom senso político de toda a Nação — um marco seguro no caminho da conciliação.

Assim, depois de haver consultado as forças políticas que compõem a nossa coalizão de governo e de ouvir eminentes constitucionalistas, optei pelo rito de propor ao Congresso a presente Emenda Constitucional.

Tenho, nestes meses, procurado governar com a visão maior do que representa para o País o Congresso Nacional. Estou convencido de que todos nós, nesta hora difícil, saberemos assumir as nossas responsabilidades para com a Pátria. Os nossos problemas são graves demais para que nos permitamos o desfrute do capricho da intolerância, o equívoco do radicalismo e a arrogância da soberba. Não podemos, os homens públicos, ter hoje outro orgulho que não seja o de pertencermos a um povo que tem sabido sofrer sem desespero e que, mais uma vez, dá às elites do País lições de patriotismo.

A convocação, agora, do Poder Constituinte para as eleições de 1986 irá facilitar e estimular o debate político em torno do Estado. É uma circunstância que favorece a Nação. Não iremos votar uma Constituição às pressas, com um poder constituinte escolhido no açodamento. Vamos começar — aliás, já começamos — a votá-la, na realidade, nos debates que ocorrem de norte a sul do País.

Ninguém é mais criador que o povo.

O debate amplo haverá de conferir, como desejava Tancredo Neves, representação mais autêntica aos delegados constituintes. Haverá tempo para que os eleitores lhes conheçam as ideias e programas e deles alcancem o compromisso de criar um documento que atenda às reivindicações nacionais.

Senhores,

Quero encerrar com um agradecimento ao povo brasileiro. Disse à Nação, em um dos momentos mais fortes destas jornadas carregadas de crises, que eu procuraria ser maior do que sou, para responder a uma responsabilidade histórica. Não perderei nunca o senso grave de meu dever, e o apoio de nossa gente serve a minha modéstia com a coragem e a energia que a Nação espera e exige de seu Presidente.

A todos quero dizer que as dificuldades não serão maiores do que a minha determinação, e que, com a lucidez de nossos homens públicos e a sabedoria da Nação, levaremos este País ao seu grande destino democrático.

Agradeço aos Presidentes da Câmara e do Senado, aos líderes dos partidos, aos congressistas e a todas as autoridades presentes o prestígio que emprestam a esta solenidade.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

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