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Desigualdade e Justiça Social

Desigualdade e Justiça Social

Toda a minha vida pública teve como objetivo maior a busca da justiça social. Presidente da República, com o lema “Tudo pelo social”, com o pleno emprego — as taxas de desemprego chegaram à casa dos 2% —, programas de alimentação, criação do SUDS e do SUS, entre muitos outros, muitos milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza. Quando apoiei o Presidente Lula em seus primeiros governos tive a satisfação de ver a prioridade à área social e ao combate à fome. Agora, mais uma vez, concordo inteiramente com Lula quando diz que seu principal objetivo é o fim da desigualdade.

A igualdade entre os homens está nos grandes documentos políticos da História e também na interpretação da Igreja de sua função social. A Rerum Novarum já fazia Bernanos colocar, na boca de seu “pároco de aldeia”, a avaliação de que “a simples ideia de que o trabalho não é uma mercadoria […] perturba as consciências”. A constatação de que a renda dos 10% mais ricos equivale a mais de 50% da renda de todos os brasileiros é insuportável. Sem mudar essa relação não se acabará com a fome. É com esta visão que sempre considerei os postulados neoliberais que aplaudem as despesas financeiras e rejeitam os investimentos sociais uma pérfida inversão de valores. Falta-lhes visão do futuro e projeto de sociedade.

Há quase 25 anos apresentei o primeiro projeto instituindo cotas raciais no Brasil. Quero destacar que ali eu propunha 20% como cota mínima, pois, sendo negros e pardos a maioria da população, esse número pode e deve ser aumentado conforme as circunstâncias. As cotas eram necessárias para superar a opressão contra os afrodescendentes, que eu mostrava com dados fortes como o de que, entre os 1% mais pobres dos brasileiros 80% eram negros. A razão estava com José Bonifácio que, em 1825, falava já em “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.

Tive uma grande satisfação em ver as posses das duas ministras que assumiam os dois novos ministérios dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial. A ministra Anielle Franco tem uma história de vida extraordinária, de grandes esforços e enormes sofrimentos, e mostra firmeza e determinação, que serão necessárias para vencer esse desafio multicentenário de tratar como iguais todos os brasileiros.

Sônia Guajajara é maranhense e de um povo numeroso em nosso Estado, apesar de ter sofrido grandes violências ao longo da História, inclusive o trágico episódio do Alto Alegre. Os povos que habitavam o nosso subcontinente antes do Brasil já não são dizimados como nos tempos de Vieira, que dizia já terem sido mortos, em meados do século XVII, mais de 2 milhões, mas continuam sendo assassinados e espoliados todos os dias, numa situação também intolerável.

Os caminhos para diminuir a desigualdade passam todos por um ponto fundamental — também esse assinalado há 200 anos por José Bonifácio: a educação. O ensino básico público e obrigatório foi criado pela Revolução Francesa, mas demorou um século para ser implantado na França. A Lei de 15 de outubro de 1827, em que D. Pedro I determinou que cada “cidade, vila ou lugares mais populosos” tivesse uma escola, também demorou a ser implantada no Brasil. Hoje, infelizmente, a desigualdade na oferta da educação é uma realidade; felizmente, alguns estados, como Ceará e Piauí, têm resultados que demonstram que o sonho da educação de qualidade para toda a infância brasileira é possível e está ao alcance da vontade política. E a decisão de fazer do antigo sonho realidade foi tomada pelo Presidente Lula.

Vivi muitas crises, todas centradas em interesses pessoais e corporativos. No caminho da Transição Democrática enfrentei muitas delas. Aprendi que, com determinação e prudência, elas passam, mais cedo ou mais tarde. O que fica é o que se constrói para todos, como o Estado de Direito, a Democracia e os avanços na Justiça Social.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

4 thoughts on “Desigualdade e Justiça Social

  1. Raquel Maria Carvalho Naveira

    Justiça social e educação básica, pontos fundamentais para construção de uma sociedade consciente e democrática.
    Sempre importantes a lucidez e o aconselhamento de nosso Presidente Sarney.
    Que mantenhamos a prudência, a constância e a esperança.
    Raquel Naveira

  2. NIVALDO LUIZ

    A briga contra a desigualdade tem altos e baixos. A diferença entre ricos e pobres tem se acentuada em multiplas áreas e todos temos que combate-la sob pena de implodirmos nossa Nação.

  3. Julio Cesar Gomes dos Santos

    Lucido, brilhante!
    Tudo pelo social e seus programas como o do leite para as crianças. Quanta coisa se desfez depois dele na presidencia ou que tratam de reinventar.
    Grande Sarney!
    93 em 24 de abril e muito ainda pela frente!

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