Luiz Gutemberg•
Jornalista e escritor. Brasília, julho de 1989. Prefácio de Conversa ao Pé do Rádio.
Conversa ao Pé do Rádio
Todas as sextas-feiras, às 6 horas da manhã, infalivelmente, desde 25 de outubro de 1985, o presidente da República saudava “brasileiras e brasileiros”, dava-lhes “bom dia” e anunciava ele mesmo estar começando mais uma “conversa ao pé do rádio”.
Aconteceu, às vezes, de ele lembrar que falava de Moscou, Buenos Aires, Paris, Washington, São Luís do Maranhão, São Paulo ou de uma remota fronteira da Amazônia. Se por acaso coincidisse de o presidente ter viajado para algum desses lugares, a “Conversa ao pé do rádio” era sempre datada de onde ele estava, no amanhecer das sextas-feiras, não importando se da Semana Santa, ou se coincidisse, como aconteceu em 1987, com o dia do Ano Novo, quando a palavra presidencial ainda encontrou de pé os últimos insones festejadores do réveillon.
A fórmula introdutória foi criada e o próprio título do programa escolhido pelo presidente José Sarney, cuidadoso com o toque pessoal com que se empenhava em marcar todos os documentos do seu Governo. Na verdade, ele evocava assim o estilo do presidente Franklin Roosevelt, que manteve aceso seu diálogo com o povo americano nos momentos mais delicados da Segunda Guerra Mundial, por meio das didáticas e intimistas “Conversas ao pé da lareira”.
O programa do presidente José Sarney utilizou a experiência americana com o uso do rádio broadcasting como veículo autônomo, com linguagem e tempo próprios, bem como a sua valorização em termos de exclusividade das mensagens, sempre originais e que nem ao menos eram distribuídas antecipadamente aos jornais e à televisão, que só os divulgavam depois da manhã de sexta-feira em cadeia nacional radiofônica. Muitas vezes, foram as manchetes dos jornais de sábado, ou apareceram, em gravação sonora dos seus principais trechos, nos telejornais da noite.
As pesquisas que criaram todos esses condicionantes singulares de caracterização e valorização da “Conversa ao pé do rádio” foram realizadas por Antônio Telles, coordenador de divulgação da presidência da República, que consultou uma série histórica de sondagens de opinião pública sobre a audiência popular do rádio, para fixação de dia, horário e tempo médio de duração do programa.
Nos Estados Unidos, programa semelhante, do presidente Reagan, era transmitido aos sábados, à tarde, horário selecionado pelos mesmos critérios aplicados no Brasil para a programação da “Conversa ao pé do rádio”.
Da sua parte, Sarney valorizou enormemente o programa, reservando-o para comunicação ao povo, em primeira mão, de decisões importantes e desabafos políticos de repercussão.
Sem a leitura das coleções das “Conversas ao pé do rádio”, por exemplo, não será possível acompanhar a evolução do histórico “Plano Cruzado” e as intervenções do presidente Sarney nos debates sobre os termos em votação pela Assembleia Nacional Constituinte.
A consciência de estar falando diretamente com trabalhadores urbanos e rurais — operários a caminho do trabalho com seus radinhos de pilha, ou camponeses que partiam para suas fainas — exigia uma preocupação com a linguagem, mas também estimulava cumplicidades. Finalmente, tratava-se de uma “conversa”, sem intermediários. Não era um monólogo formal, mas uma mensagem viva, com o interlocutor presumível muito bem identificado: o povo humilde que ouve — dominantemente, segundo as pesquisas — o rádio às seis da manhã.
Apesar de receber sugestões e um texto básico de sua assessoria, o presidente da República sempre dava um toque pessoal às suas “Conversas ao pé do rádio”. Nos originais, a lápis, como frequentemente chegava à gravação, via-se que ele pensava no programa, nos curtos intervalos das atividades presidenciais.
O impacto e a repercussão da “Conversa ao pé do rádio” do presidente José Sarney tornaram-se uma expressiva experiência de comunicação no Brasil, transcendendo o aspecto de registro histórico e documental específico de seu governo.