Renan Calheiros •
Senador por Alagoas, quatro vezes Presidente do Congresso Nacional
Este não é só um momento de celebração, mas é também um convite à reflexão. No dia 15 de março de 1985, o Congresso Nacional se reuniu para encerrar uma etapa crucial na história política do País.
Com a posse do primeiro presidente civil, depois de 1961, demos início ao longo e vital processo de restauração da democracia, ceifada por conflitos e crises de natureza político-militar que, lamentavelmente, entristeceram toda a América Latina.
Não era a primeira vez que, no século passado, vivíamos o transe de superar um período de excepcionalidade política, para tentarmos a reconstrução daquelas que nunca deixaram de ser as aspirações dos brasileiros de todas as gerações: a convivência pacífica, a estabilidade institucional e a busca da prosperidade econômica, com o fortalecimento das instituições democráticas.
Assim foi com o fim do Estado Novo, em 1945. Assim haveria de ser com a Nova República, em 1985.
Quarenta anos separaram esses dois momentos de renascimento de expectativas e de renovação de esperanças.
Por isso, a primeira constatação ao celebrarmos 1985 é lembrarmos que o processo pacífico da transição para a democracia foi produto de dois fatores sem os quais a política não sobrevive nem prospera. O primeiro, a persistência e a confiança do povo brasileiro, que inviabilizou a continuação do regime militar. O segundo, a capacidade das lideranças políticas que, acima de conveniências pessoais, sobrelevando diferenças partidárias e superando divergências ideológicas, foram capazes de amenizar, pela conciliação, a árdua caminhada em busca da legitimidade perdida em 1964.
A convergência se materializou por meio do documento “Compromisso com a Nação”, subscrito no dia 7 de agosto de 1984, entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro, representado por seu presidente – o inesquecível, o timoneiro de todos nós -, Deputado Ulysses Guimarães, que comandou a Oposição nos dias de trevas. E o então Governador Tancredo Neves, que liderou a Bancada Oposicionista na Câmara, em momentos decisivos da vida política brasileira.
É imperioso que frisemos a destacada atuação do nosso Senador Pedro Simon, inquestionavelmente um dos melhores quadros do nosso bravo PMDB. Essa luta, que nasceu nos gritos pela redemocratização, passou pela anistia e teve a participação de vários partidos e inúmeros companheiros. Não podemos, portanto, deixar de citar a ativa participação do saudoso Leonel Brizola, do Presidente Lula, de Teotônio Vilela e tantos outros que entraram de corpo e alma pela reconquista da democracia.
Pela Frente Liberal, na época ainda não constituída em partido, firmaram o documento o então vice-Presidente da República, ex-Deputado e ex-Governador mineiro Aureliano Chaves de Mendonça e nosso atual colega, hoje como naquela época, Senador por Pernambuco, Marco Maciel. Não podemos deixar de mencionar o papel assumido também pelo nosso Senador baiano Antonio Carlos Magalhães.
Rememoro esses fatos, não somente por um dever de justiça, mas, sobretudo, para lembrar que nenhuma conquista política de envergadura e significado histórico, como nesse caso, se alcança sem sacrifícios, sem obstinação e sem renúncias.
Quinze de março de 1985 não existiria sem a esmagadora vitória de 15 de janeiro. Quinze de janeiro não se consumaria sem o amplo entendimento político entre os contrários, concluído em 7 de agosto.
Nem todos viveram a intensidade dessa sucessão vertiginosa de fatos que tiveram a virtude de sepultar, em poucos meses, as lembranças e as tristes heranças de 21 anos de desacertos e desenganos.
Mesmo os que não tiveram a oportunidade de vivê-los, não podem esquecê-los. É por isso que estamos aqui. São fatos que devem se manter vivos na memória coletiva da Nação para que não voltemos a pagar o preço de nossos próprios erros.
Frustração e sofrimento marcaram a lenta e a longa jornada em busca da liberdade pela qual todos ansiavam. A rejeição da emenda das Diretas gerou – depois dos monumentais espetáculos populares que marcaram a mais vibrante das jornadas de entusiasmo e vibração cívica a que o País tinha assistido – um sentimento de desencanto.
Mas nada disso abateu o ânimo, a esperança e a perseverança dos brasileiros. A morte inesperada e o martírio da longa e sofrida agonia de Tancredo ungiram a fé de toda a Nação, compungida, solidária e confiante no gigantesco passo sem volta que o Brasil tinha dado para restaurar a democracia em nosso País.
Podemos imaginar como devem ter sido os momentos de angústia e preocupação por que passou aquele que, ante o inelutável destino, se viu obrigado a assumir o papel de principal ator da cena política brasileira. Foi um roteiro histórico de que ele participou como co-autor, para que outro, e não ele, representasse, tendo como platéia toda a Nação e, como expectador, o sofrido povo brasileiro.
A serenidade, a coragem, o equilíbrio e a experiência do Presidente José Sarney fizeram dele o principal protagonista das cenas que aqui rememoramos para que nunca nos esqueçamos o quanto lhe deve o País. Os percalços, as incertezas, o desconhecido e o inusitado ele venceu com os dotes de seu espírito de homem público. As dificuldades, superou com as virtudes de cidadão.
Os fatos históricos são únicos, por sua singularidade. E, como singulares, não se repetem. Nem por serem singulares, porém, são necessariamente inéditos.
Quando tomou posse, em 15 de novembro de 1894, o primeiro presidente civil a ocupar a Presidência da República, houve um ato de assunção, mas não de transmissão do poder, pela ausência de seu sucessor. A posse do Presidente Sarney repetiu a de Prudente de Morais, sem que lhe tirassem a singularidade. Tal como na de Prudente, não foi um detalhe de um ato cerimonial o que marcou a vida pública do Presidente Sarney, mas
sim o seu Governo, que, como o de Prudente, garantiu a continuação, a estabilidade e a legitimidade do regime republicano. Um regime que nasceu militar e, pelas virtudes cívicas do povo e das lideranças políticas brasileiras, tornou-se civil, para que civil e democrático sobreviva, permaneça e se perpetue para a felicidade geral de toda a Nação.
Essa é a aspiração do povo brasileiro. E foi para lembrá-la que aqui nos reunimos neste ato de celebração e de reflexão.