Estes últimos dias foram de muita emoção para mim. Primeiro tive o choque da notícia do ataque que sofreu a grande poeta Roseana Murray — felizmente seguida pela informação de que ela está fora de perigo e atravessou a emergência. Depois veio a morte do Ziraldo, velho amigo, extraordinário artista.
Não sei se souberam o que aconteceu com a Roseana Murray. Nós nos tornamos muito amigos por intermédio de meu querido Juan Arias, grande jornalista e escritor espanhol, a quem devo minha primeira apresentação aos leitores espanhóis. Correspondente de El País no Brasil na última fase de sua carreira, tendo sempre as melhores fontes mundo afora, Juan e Roseana formam um casal admirável.
Ela é uma grande poeta, consagrada, no auge do seu reconhecimento nacional, com enorme sensibilidade e o dom de comunicação especial com o público infantil. Sua bibliografia é muito extensa, tendo parcerias com os principais ilustradores do livro infantil no Brasil, inclusive o Jardins, com o Roger Mello, um dos melhores artistas do livro brasileiros, que ganhou o Prêmio do Livro Infantil da Academia Brasileira de Letras. Ela tem maravilhosa facilidade de comunicação com as crianças.
Roseana e Juan vivem em Saquarema, e foi lá que, saindo para uma caminhada, ela foi atacada inesperadamente por três cães da casa vizinha. Maltratados, criados dentro dessa obsessão pela violência que atravessa os séculos e parece ter um surto neste milênio que devia ser o da Paz, os animais saltaram um alto muro e a derrubaram, ferindo-a barbaramente. O comportamento dos donos dos animais — mais que irresponsável, criminoso — precisa ser punido com severidade que sirva de exemplo.
Transportada para um hospital da região, Roseana teve o atendimento necessário e a vida salva. A notícia que tenho é que seu quadro de saúde é estável, tendo perdido um braço e uma orelha, entre os muitos ferimentos. É claro que depois terá uma longa travessia para se recuperar física e emocionalmente, mas os amigos ficamos esperando sua volta para casa e para a poesia, que nunca a abandonará.
Conheci Ziraldo no final dos anos cinquenta, quando chegamos ao Rio de Janeiro, ele vindo de Minas Gerais e eu, do Maranhão. Era um artista que superava a facilidade do traço com uma grande percepção do universo humano, que fazia com que suas ilustrações e seus personagens alcançassem rapidamente seu público. Mas ele não se limitava ao caricaturista ou ao ilustrador. Lembro-me como, recebendo de Odylo Costa, filho a tarefa de transformar graficamente o velho O Cruzeiro, logo criou uma revista clara e agradável de ler. Verdade que a seção de humor ganhou um destaque especial, inclusive com as impactantes “fotofofocas” (depois tornadas em “fotopotocas”), em que o balãozinho do diálogo nos revelava o verdadeiro pensamento ou a conversa dos fotografados.
Seu enorme sucesso logo se tornou internacional e se estendeu do cartaz — que cobriu do cinema novo às boas causas com a mesma inteligência e o mesmo impacto — à literatura infantil. Nesta, também, mostrou que em qualquer maneira que resolvesse se expressar era bem-sucedido, indo dos quadrinhos da Turma do Pererê — em que, creio, introduziu a primeira personagem indígena da nossa literatura infantil — à sofisticação do Flicts, a cor que busca sua identidade, e mostrando que também era um escritor de enorme qualidade.
Quando lançou O Pasquim, que desafogou, enfrentando as barreiras da censura, a oposição ao regímen militar, Ziraldo mostrou também sua capacidade de jornalista, levando o tabloide ao enorme sucesso de público. Seu combate político o conduziu à prisão e às enormes pressões da censura sobre os comunicadores.
Sua morte, mesmo chegando com a naturalidade com que chega aos velhos, me entristece. É um destes pedaços de vida que vão ficando pelo caminho.
Dias de muita emoção.