Durante a maior parte de minha vida o começo do mês de fevereiro significava a abertura da Sessão Legislativa. Como acredito na “liturgia” das instituições, pois a ação concreta depende das vontades e estas do caráter simbólico dos gestos e das palavras, sempre a essas solenidades dei grande importância. Chega-se a elas com as expectativas do que será construído nos próximos meses, com a reflexão sobre como se pode contribuir para alcançar o objetivo da política, que é o estabelecimento da justiça social. Algumas vezes me coube o papel de Continue a ler
Estarrecido, o Brasil assistiu, no domingo, ao primeiro ataque simultâneo aos Três Poderes. Nossa História tem alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de arruaceiros que atingiu agora o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. A Assembleia Constituinte e Legislativa de 1823 foi fechada por militares a mando Continue a ler
A questão da legitimidade do mandato nos cargos executivos é velha como a República. A Constituição de 1891 definia, em seu artigo 47, que “o presidente e o vice-presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação, e maioria absoluta de votos”. Sabemos que logo foram adotadas as providências para que isso acontecesse: Prudente de Moraes foi eleito com 88% dos votos; Campos Sales, com 91%; Rodrigues Alves, com 93%; Afonso Pena, com 98%; o Marechal Hermes da Fonseca, com 65% — Rui Barbosa teve a maior votação de Continue a ler
Otávio Mangabeira fora deputado federal desde 1911, chanceler no governo Washington Luís, exilado, novamente deputado, deputado constituinte, governador da Bahia, senador, participara da fundação da UDN e era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1934. Velho, nos últimos anos de sua vida, morava no hotel Glória; se não me engano, na suíte 901, no nono andar. Recordo-me de que ele tinha os pés já bastante inflamados e andava com chinelas de plumas, muito confortáveis. Ali recebia os amigos e admiradores e os líderes dos partidos políticos, que sempre desejavam Continue a ler
O doutor Milton Campos, um dos grandes nomes da UDN, intelectual brilhante, advogado, jornalista, foi deputado constituinte, governador de Minas, senador, candidato a vice-presidente da República, ministro da Justiça. Estava, certa vez, no aeroporto do Rio, quando se aproximou dele uma sessentona, daquelas mulheres engajadas na política: — Doutor Milton, eu sou da UDN, mas da UDN verdadeira: fui uma das viúvas da rotativa e sou da UDN da calúnia! Da calúnia, doutor Milton, como o senhor! O fato é que Carlos Lacerda promovera uma campanha para comprar uma rotativa nova Continue a ler
Zé Bonifácio — Zezinho, entre os seus colegas de Parlamento, José Bonifácio Lafayette de Andrada —, que foi signatário do Manifesto dos Mineiros e presidente da Câmara dos Deputados, era tido como homem de muito bom humor que gostava de contar pilhérias e, não raro, fazia graça com seus colegas. Mas a mim sempre tratou muito bem e com grande amizade. Era um político muito esperto, de tal modo que, depois de 1945, transitava entre os grupos dos dois líderes que comandavam a UDN mineira, Magalhães Pinto e Milton Campos, conseguindo não Continue a ler
O futuro da Humanidade não será de países grandes ou pequenos, mas daqueles que dominem tecnologia e ciência. Os outros estão condenados à colonização cultural e econômica para ter acesso aos benefícios das descobertas. Já faz longos anos, denunciei a fuga de cérebros do Brasil, por falta de suporte mínimo para a pesquisa, e preconizei que fizéssemos um esforço para criar condições para que nossos cientistas aqui tivessem espaço para desenvolver seus trabalhos. Presidente da República, criei o Ministério da Ciência e Tecnologia, dando aos nossos cientistas recurso e prestígio. Continue a ler
Uma crise que já vinha se arrastando há bastante tempo era a perda de prestígio dos parlamentos do mundo inteiro, sujeitos a críticas permanente sobre a eficiência das instituições e a conduta dos representantes. No Brasil, essa crise estava superposta à outra muito mais grave, a desorganização administrativa duas Casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Recordo-me que, quando assumi a Presidência do Senado pela primeira vez, em 1995, o registro da presença dos senadores era feito pela portaria, à proporção que iam entrando na Casa. Isso fazia que o Continue a ler
Passei 51 anos no Congresso, exercendo mandatos, cinco de senador e três de deputado federal, dois deles eleito como o mais votado da oposição do Estado e um como suplente que assumiu o exercício do cargo várias vezes. Como político militante chego dos 14 anos até hoje, quando comecei como militante da juventude brigadeirista, portanto 76 anos. Assim, toda a minha vida foi dedicada à política, o que me faz o mais longevo político da história da República. E na política foi o Parlamento a minha Casa de formação, onde Continue a ler
O Estado de Direito Estudo publicado, em dezembro de 2019, em Emenda Constitucional nº 45/2004: 15 anos do novo Poder Judiciário, coletânea organizada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Ao se completarem 15 anos da Emenda Constitucional 45 — chamada de Reforma do Judiciário —, talvez a mais importante das mais de cem emendas à Constituição de 1988, a data é comemorada sem que o País tenha resolvido os mais urgentes e graves problemas da Justiça, sempre presentes em nossa História, desde D. João VI até os dias de Continue a ler
Palácio do Planalto, 4 de junho de 1986 Minhas primeiras palavras são da gratidão pelo brilho que a presença de todos que aqui estão confere a esta solenidade. Aqui estão presentes as figuras mais expressivas da intelectualidade do País, das Letras, das artes, do empresariado. E estamos juntos para encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei que concede incentivos fiscais para a arte e a cultura no Brasil. Este é um projeto que me toca especialmente. Não apenas como Presidente, não como escritor, mas como brasileiro. Há 11 Continue a ler
Senado Federal, Brasília, DF, 1o de fevereiro de 1995 Senhoras e Senhores Senadores, estou aqui com os mesmos sonhos com que cheguei pela primeira vez à Câmara dos Deputados em 1955. Tendo ocupado todos os cargos públicos do País, jamais, depois de trinta anos de mandatos legislativos, aceitei participar da direção dos nossos trabalhos. Peço-lhes licença para invocar, como aval do compromisso que assumo com a Casa, a legitimidade que tenho para presidi-la. Deputado Federal três vezes, três vezes Senador da República, Vice-Presidente e Presidente da República, estou assumindo esta Continue a ler
Congresso Nacional, Brasília, DF, 15 de fevereiro de 1990 Senhores Congressistas, Envio ao Congresso Nacional a última mensagem do meu mandato. Renovo, mais uma vez, minha homenagem a esta instituição, coração e alma do sistema democrático. Lanço os olhos no tempo. Recordo a manhã de 15 de março de 1985. Com a doença, e depois a morte de Tancredo Neves, coube-me dirigir a Nação no seu período mais difícil, porque mais cheio de cobranças políticas, em toda a nossa História. Somavam-se esperanças e dificuldades. As liberdades, até então represadas, explodiam Continue a ler
Cadeia nacional de rádio e televisão, 31 de janeiro de 1987 Brasileiras e brasileiros, boa noite. Estamos chegando à grande data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que será um marco histórico no avanço democrático do Brasil. Nossos antepassados tentaram algumas vezes estabelecer uma Constituição duradoura. Assim foi no Império, assim também na República. Estas Constituições não alcançaram esse ideal de permanência e foram incapazes de sobreviver ao tempo, de arbitrar crises, de oferecer caminhos. A história do Brasil, a difícil história do Brasil, está cheia de frustrações institucionais. Daí Continue a ler
Palácio do Planalto, Brasília, 10 de outubro de 1985 Quando o Presidente Tancredo Neves, no início deste ano, esteve com o Papa João Paulo II, ouviu dele apenas um pedido: a realização da reforma agrária no Brasil. Se este desejo estava no coração de Sua Santidade e estava provavelmente tanto pela coerência da política social da Igreja, estabelecida desde Leão XIII e confirmada por João XXIII e Paulo VI, quanto pelo que seus olhos viram no Brasil, ele está também no coração de todos os homens de responsabilidade deste País. Continue a ler
Palácio do Planalto, Brasília, 15 de março de 1985 As nações, como os homens que a constituem, são imperfeitas construções da História. Não há povos — nem homens — servidos apenas de virtudes, nem aqueles submissos inteiramente aos pecados. Mas ao mesmo tempo as nações, como os homens, carregam em si, com suas imperfeições, a busca do ideal e da perfeição, procurando recuperar os caminhos que tenham sido perdidos nas tardes da aventura e nas noites do medo. É, pois, sinal do homem, assim como das nações, a ânsia da Continue a ler
A melhor definição de democracia que conheço é de Lincoln: “regime do povo, pelo povo e para o povo”. Na Oração Fúnebre aos mortos no Peloponeso, Péricles fala, pela primeira vez, da necessidade de que um governo seja constituído pelo povo: “chama-se democracia porque não é um governo dos poucos, mas dos muitos”. Era a maneira de superar a lei do mais forte. No Brasil a democracia teoricamente se instalou com a República, antagonista da Monarquia. Mas ela não pôde instaurar o governo do povo, porque o povo não era republicano, e Continue a ler
Senado Federal, Brasília, DF, 13 de abril de 1972 Nada acrescentam ao brilho desta sessão e à glória do grande morto as palavras que vou proferir neste plenário. Contudo a elas sou levado pou um dever de consciência e motivado por dois sentimentos, a que não posso furtar-me. O primeiro deles, o sentimento de admiração, a admiração que votava a Milton Campos; o segundo, da amizade que, se não posso hoje unilateralmente classificar de íntima, também não posso deixar de dizer que era estreita, afetuosa e de longa data. Milton Continue a ler
Congresso Nacional, Brasília, DF, 13 de novembro de 2003 Senhores Senadores, Senhores Deputados Federais, Senhores Deputados Estaduais, Senhores Vereadores, que minhas primeiras palavras sejam de gratidão. Gratidão, em primeiro lugar, aos membros da comissão organizadora dos festejos e da comemoração destes 180 anos do Parlamento brasileiro, que, durante todo este ano, promoveu eventos, publicações e procurou despertar a consciência nacional para importância desta data: Deputado Chico Alencar, Senador Romeu Tuma, Deputado Bonifácio de Andrada e o Senador Sérgio Zambiazi. (Palmas.) Quero agradecer também a correspondência de sentimento na presença e na Continue a ler
Instituto dos Advogados do Brasil, 14 de julho de 1976 Considero o objetivo desse programa conjunto da nossa Câmara Alta e do Instituto dos Advogados Brasileiros, ao comemorar os 150 anos do Senado Federal, como uma tomada de posição crítica do Legislativo, quer sob o ângulo histórico, quer sob os valores imperecíveis da instituição do Congresso, hoje alvo de profundas reflexões negativas e contingentemente forçado a acomodações. A visão que procurarei testemunhar, nesta palestra, será tanto quanto possível uma visão imparcial e não partidária. Acredito que uma das questões básicas Continue a ler
Senado Federal, Brasília, DF, 16 de agosto de 2005 Rui Barbosa certa vez foi cobrado por sua ausência na tribuna, e ele teve oportunidade de dizer, justificando motivos de doença: “Estou ausente da tribuna, mas não estou ausente do tema.” Venho hoje abordar tema que envolve todo o País e fazer algumas reflexões sobre o momento político nacional. A História não se faz sem crises, ela é construída de uma longa sedimentação da vida, e o destino das nações se faz em grande parte pelo processo político. A história de Continue a ler