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História do Brasil

40 Anos de Democracia

Tenho a sensação de que o tempo está passando por uma compressão nos últimos anos. Se fosse físico, fascinado como sou pelas partículas de altas energias, iria estudar este fenômeno que sinto. O tempo, como tenho dito, é uma criação do homem. Principalmente as datas redondas. Fui surpreendido quando verifiquei que, no dia 15 de janeiro, daqui a sete dias, completamos 40 anos da minha eleição com Tancredo Neves para a Presidência da República. Assim, encerramos o período dos governos militares, quando tivemos leis e procedimentos autoritários, o que para Continue a ler

Paulo Brossard

Paulo Brossard nasceu em 1924. No dia 23 de outubro ocorreu seu centenário. Esta é uma data que marca o momento de relembrar sua vida gloriosa, pelo que serviu ao Brasil, e homenagear a memória de um dos maiores políticos e oradores de nossa história parlamentar. Conheci Paulo Brossard em 1975 quando ele chegou ao Senado Federal e eu estava na metade do meu primeiro mandato de senador pelo Maranhão. Vi logo tratar-se de um intelectual. Já fora consagrado no Rio Grande do Sul como professor da Pontifícia Universidade Católica Continue a ler

Eleição sem ideias

Passamos mais uma eleição, a vigésima primeira desde a Constituição de 1988: dez gerais, dez municipais, dez presidenciais. A conta parece errada, mas a eleição presidencial de 1989 foi separada da eleição para as duas casas do Congresso, realizada em 1990. A partir de então os anos pares alternam as eleições gerais com as municipais. A eleição de 1989 foi a última das quatro que presidi em meus cinco anos de governo. Logo em 1985 fizemos eleições para prefeitos das capitais, de áreas de segurança nacional e de estâncias hidrominerais!?! Continue a ler

Os riscos da Presidência

A História do Brasil foi marcada sempre pela frequência com que a transmissão do poder sofreu ameaça de continuidade de parte dos perdedores. Se analisarmos bem e pensarmos nas circunstâncias da época, chegaremos à conclusão de que a primeira ameaça foi contra Prudente de Morais. Tendo sito derrotado por Floriano Peixoto na primeira disputa, na segunda, com a nova Constituição já em vigor, venceu as eleições e transformou-se no primeiro Governo civil da República. Mas foi eleito com a marca de que podia ser deposto. Teve que lidar com a Continue a ler

Que tempos de viver-se!

É difícil cooptar um assunto em meio a tantos que circulam nas manchetes políticas e policiais. Você não vive o dilema de um escritor em busca de personagens, mas a necessidade de convencer um tema a que ele entre em seu artigo. Quase sempre, quando existem muitos, ele resiste. Outra coisa difícil para quem escreve é evitar a entrada de adjetivos não convidados em seu texto. Mas não há nada mais cara-de-pau do que eles. Não adianta ficar de vigia. Quando menos se espera, eles furam a vigilância e lá Continue a ler

 Hora da Paz

Dos quarenta anos que passei no Senado Federal, algumas lembranças são indeléveis, saudades que não passam e venerações que não encolhem. Entre essas quero destacar a figura de Afonso Arinos de Melo Franco, a quem nós, se fôssemos qualificar com um epíteto, como o fizeram com alguns nomes históricos, como “o Moço”, o “Velho”, chamaríamos de, Afonso Arinos, “o Grande”. Minha admiração por ele não era apenas fruto da gratidão, pois lhe devo o apoio que me deu, no princípio da minha carreira política, e o afeto com que me Continue a ler

PILLA E PARLAMENTARISMO

Toda a classe política e os estudiosos da ciência política chegaram à  unanimidade na denominação do atual sistema de governo do Brasil como presidencialismo de coalizão, que tanto tem feito sofrer o Presidente Lula. Certo ou errado, passou a ser chamada assim essa maneira de funcionamento do Congresso, extrapolando para o campo do Executivo no seu relacionamento com os partidos políticos. Mas aqui e ali, de boca em boca, ou de sussurro em sussurro, todos falam que  caminhamos  para o parlamentarismo, experiência adotada como fórmula para superar a crise gerada com Continue a ler

O FUNDADOR

Comemoramos os duzentos anos da Constituição de 1824. Sua gênese são as forças contraditórias que agiam quando se inaugurava a Nação e que se expressavam no próprio Pedro I. No jovem imperador se acumulavam os conflitos: o passional e o refletido, o romântico e o herdeiro das luzes, o príncipe e o democrata, o homem de ação e o homem de concepção. Era muito jovem — lembremos que nascera dois anos antes do século —, tivera uma educação caótica, sua mãe e seu pai se odiavam, tinha sentimentos por Portugal Continue a ler

 O milagre da língua

  Na década de 1990, a França deu o grito de alerta: se não reagirmos, dentro de quatro gerações o inglês será a língua universal. Nossos idiomas morrerão e serão apenas referências históricas. Na realidade, a língua é um instrumento de identidade e cultura. Hoje, mais do que nunca, tornou-se, também, uma fundamental ferramenta da identidade nacional. Quando em 1989 visitei Angola, o Presidente José Eduardo dos Santos falou-me da dificuldade dos projetos de educação e das relações tribais, pela barreira das línguas. Disse-lhe que o colonizador português, que tantos erros Continue a ler

A fome vem de longe

A história do alimento é a história do próprio homem. A primeira demanda que o homem tem para viver é justamente a de comer. A segunda é a de manter-se em segurança. Sem ela, ele não come, como também não tem direito à habitação, à vestimenta, que são os dados fundamentais do princípio da vida. Agora vejo na mídia que o problema da fome voltou a ser alvo de preocupações muito grandes. O Presidente Lula, desde que assumiu a Presidência pela primeira vez, se preocupou com esse problema e já Continue a ler

O Passado no Presente

Ontem, nos 64 anos de Brasília, dei uma entrevista muito pessoal sobre a minha história com a cidade em que estou mais da metade da minha vida, desde a sua fundação. Hoje talvez seja, entre os poucos que vieram para esta capital, o mais velho dos deputados da transferência do Rio para Brasília que ainda sobrevivem. Nunca consegui libertar-me das lembranças do que foi vir morar aqui naquele ano de 1960, senão que era aventura e sonho. Aventura da mudança com o caos das construções e o sentimento de que Continue a ler

A longa visita do Aedes brasilicus

Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus. O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade Continue a ler

O triste 8 de janeiro

Legenda da imagem: autoridades no ato ‘Democracia Inabalada’, que marca um ano dos ataques de 8 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve Continue a ler

35 Anos de Constituição

O processo de reforma constitucional de 1988 iniciou-se com a longa discussão sobre as Constituições de 1967 e 1969, isto é, as duas Constituições outorgadas pelo regime militar. Independentemente de suas qualidades ou defeitos, estavam marcadas como ilegítimas. Era necessário, para a redemocratização do país, um novo marco institucional. Este postulado tomou forma como um dos pontos do “Compromisso com a Nação” assumido pela Aliança Democrática, que permitiu a vitória da oposição em 1985. Levado, por força da fatalidade, à Presidência da República, coube a mim convocar a Assembleia Nacional Continue a ler

Dica cultural: Os Tambores de São Luís

“O melhor livro de Josué Montello! Uma narrativa muito bem feita sobre o período da Escravidão no Brasil. Apesar de ter no título ‘São Luís’, não se restringe a uma obra regional, Os Tambores de São Luís sempre foi uma obra nacional, um grande romance que aborda toda a saga e luta do povo negro no país”, dessa forma, o escritor José Sarney relembra uma das obras mais importantes da literatura maranhense que é destaque da Dica Cultural, publicada aos domingos no site A Página do Sarney. Os Tambores de Continue a ler

Constituição de 1988 : 35 anos da aprovação

“Cumpro o dever assumido com a Nação pela Aliança Democrática. A Assembleia Nacional Constituinte realizará, sem dúvida, o grande pacto nacional, que fará o País reencontrar-se com a plenitude de suas instituições democráticas”, diz o trecho do documento assinado pelo Presidente da República, José Sarney, no dia 28 de junho de 1985,  marca uma fase embrionária e de grande importância para a História do Brasil: a retomada da democracia e a aprovação da nova Constituição Federal, o que aconteceu no dia 5 de outubro de 1988, há 35 anos. A Continue a ler

Fundação da Memória Republicana e os registros do Brasil

Documentos, livros, obras de arte, registros audiovisuais, objetos raros. Esses são alguns itens que fazem parte do acervo doado por José Sarney à Fundação da Memória Republicana, instalada no Convento das Mercês, localizado no bairro Desterro em São Luís. Os bens correspondem ao período em que ele exerceu a Presidência da República, de 1985 a 1990 e, também, peças e documentos que juntara ao longo da vida, até mesmo antes da Presidência. Esse é o único acervo presidencial que se encontra abrigado na região Nordeste do país.  Localizada no prédio Continue a ler

Previdência imprevidente

O século XX viu a implantação em todo o Ocidente do Welfare State, o Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social de Direito. Suas raízes podem ser detectadas na Antiguidade, como exemplo as ações dos irmãos Gracos e dos populares em Roma, fazendo a reforma agrária e sistematizando a distribuição de trigo para o proletariado. Distorcido pelos Estados concentracionários entre as duas guerras mundiais, depois de 1945 generalizou-se por toda a Europa como um fator decisivo de desenvolvimento.   No Brasil seguimos esse passo com grandes limitações. Já nos anos 30 criamos os Continue a ler

Um Brasil menor

Éramos jovens. Nos conhecemos no Rio de Janeiro, na Rua Otaviano Hudson, onde José Aparecido mantinha uma pensão estudantil, udenista, com ramificações pela esquerda. Pertence era mais ligado a seu irmão Modesto, da UNE, onde tinha posições de liderança. Eu começava minha carreira como deputado federal, ligado a Magalhães Pinto, de quem Aparecido era secretário particular. Era um tempo em que eu chamava Pertence de “Zé Paulo”, e ele a mim de “Zé”; quando nos encontrávamos e não tinha abelhudo por perto, eu repetia os tratamentos da mocidade: “Ministro Zé Continue a ler

O Reino do Casuísmo

Dizem que a imprensa vive de crises e dramas; o lado positivo dos acontecimentos raramente tem a mesma cobertura. Há, sem dúvida, alguma verdade nisso. Mas há também a exceção da verdade, para prevenirmos desde já o que poderia ser uma calúnia. Eu, por exemplo, já escrevi algumas dezenas de textos em que o título contém a palavra “crise”. É que o Brasil tem a crise enraizada na sua estrutura política. A Independência nasceu da crise do Reino Unido, que foi desunido pela vontade portuguesa de que voltássemos a ser Continue a ler

Bicentenários

Temos uma tendência a pensar que os anos são bons ou maus, mas, parafraseando Ortega y Gasset, podemos dizer que os anos são os anos e suas circunstâncias. Falei nas últimas semanas de dois bicentenários de nascimento, o do Parlamento brasileiro e o de Gonçalves Dias. Ali mesmo na velha cidade de Caxias, no Alto Itapicuru, onde nasceu a 10 de agosto o filho de Dona Vicência que seria o maior poeta brasileiro, havia poucos dias — no dia 31 de julho — tinham se rendido as tropas portuguesas comandadas Continue a ler

O poeta dos Timbiras

Aproxima-se o bicentenário de nascimento de Gonçalves Dias. Haverá festa, aqui e ali, mas não vejo programada a grande homenagem que o Brasil deve a seu primeiro grande poeta. Ele morreu muito moço, afogado, quando chegava de volta ao Maranhão. Voltava para morrer de vários males, o principal a tuberculose, e estava já agonizante. Na véspera, avistada a linha da costa, pedira que o levassem ao convés para ver seu Brasil, seu Maranhão — e desmaiou de emoção! Mestiço, filho natural, baixinho — “pequeno, baixo, ligeiro”, disse Machado de Assis Continue a ler

As reformas necessárias

Quem examina o bicentenário do Parlamento encontra uma figura onipresente, maior que os acontecimentos, a quem não se dá o valor devido e que, embora seja frequentemente mencionado, não é ouvido. Falo de José Bonifácio de Andrada e Silva. A obra de José Bonifácio, muito fragmentada, talvez seja em parte responsável por isso. Cientista, grande parte de seus papéis tratam de ciências e aplicação de ciências; outro tanto são documentos oficiais, marcados pelos limites do fato — sua outra face era ser essencialmente um homem de ação. Mas uma parcela Continue a ler

Onde se faz a Independência

O dia 3 de maio de 1823 foi, segundo dois dos protagonistas do dia — o que discursava, Pedro do Brasil, imperador por ter feito a independência, e o principal redator do discurso, José Bonifácio de Andrada e Silva — “… o dia maior que o Brasil tem tido, dia em que ele pela primeira vez começa a mostrar ao mundo que é Império livre”. Essa afirmação era uma reafirmação. Já desde o dia 11 de janeiro do ano anterior as leis portuguesas precisavam do reconhecimento do Príncipe Regente. Já Continue a ler

O bicentenário da Democracia

No dia 17 de abril de 1823 realizou-se a primeira sessão preparatória da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. Começava a funcionar a democracia brasileira. A mesa interina tinha como presidente o Bispo capelão-mór, D. José Caetano da Silva Coutinho, e como secretário Manuel José de Sousa França, ambos da bancada da Capital. O prelado era de formação pombalina, mas pendia para os liberais. O Brasil vivia o confronto entre os que José Honório Rodrigues chamou de “construtores” — com cérebro e comando de José Bonifácio de Continue a ler

Ainda as cotas raciais

A Constituição consagrou um princípio relativamente novo: o da ação afirmativa. De uma forma aparentemente contraditória, ele aparece inicialmente no art. 3º, ao colocar entre os objetivos fundamentais da República o “bem de todos”, sem “quaisquer formas de discriminação”. Ora, a leitura deste inciso deve ser vista com a ótica do enunciado de Rui Barbosa de que a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais. No art. 4º nossa Carta repudia o racismo; no 5º, veda e pune a discriminação e o racismo (XLI e XLII), com “aplicação imediata”. Mais Continue a ler

O Estado e o Amor

O paroxismo da violência, mesmo diante da sombria perspectiva histórica, nos atinge como um raio, gerando uma carga de emoções difíceis de suportar. Tivemos duas dores estreitamente ligadas, na semana que passou. A primeira é de agora, será absorvida pela sociedade, mas não pelas famílias das vítimas, logo que se apague o clarão de seu relâmpago. É a brutalidade desmedida e monstruosa contra os pequeninos de Blumenau. A segunda é eterna, é a imolação de Jesus Cristo, penetrado da condição humana até ao abandono pelo Pai. Há sessenta anos eu Continue a ler

A estrutura da Justiça

Ao longo de minha vida, fosse como Presidente da República ou no Parlamento, nunca abandonei minha preocupação com o Direito e a Lei, o que expressei não só em palavras, mas apresentando ou relatando centenas de projetos. Meu objetivo foi sempre a busca da Justiça Social, nas mais diversas formas, como ao relatar a Emenda nº 11, que acabou com o AI-5, ao propor a Lei de Proteção às Pessoas com Deficiência, a Lei da distribuição gratuita de remédios contra a AIDS, a reforma eleitoral para criação do voto distrital, Continue a ler

Os olhos de ontem

Sempre tive uma boa memória. Quando falha fico preocupado. Pois não é que esta semana ela me fez uma que quase me leva ao pânico? Felizmente para lembrar tive a ajuda de Tereza Cruvinel, brilhante jornalista a quem nos ligam laços de afeição desde que ela chegou a Brasília. Era o dia 15 destes idos de março. Eu curtindo uma dor lombar destas que nos levam a só pensar em analgésico. O telefone toca. Atendo. Era Tereza, com toda a sua delicadeza a parabenizar-me: — “Sarney, depois de outros que Continue a ler

Cotas, um caso de sucesso

No final do século passado apresentei um projeto de lei que foi aprovado no Senado e atropelado na Câmara dos Deputados depois de muitos anos. Era muito simples, tinha apenas um artigo: estabelecia uma cota mínima de 20% para a população negra no preenchimento das vagas nos concursos para investidura em cargos e empregos públicos dos três níveis do Governo, nos cursos de graduação em todas as instituições de educação superior do território nacional e nos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Dois anos depois, em Continue a ler

Mensagens de Aniversário