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Tempo de chegança

Tempo de chegança

Advento é sinônimo de Esperança — a esperança da chegada do Menino Salvador. Ainda se faz, em muitos lugares do Brasil, as cheganças, visitas com autos e danças que elevam as expectativas do novo tempo.

Houve tempo — é lembrança de velho — em que a celebração do Natal não era de expectativa de vendas comerciais, mas de intensa aproximação familiar, focada na figura frágil de um recém-nascido, do Recém-Nascido na humildade absoluta de uma manjedoura.

Durante muitos séculos, como se sabe, a festa da Epifania, da manifestação divina, era a que marcava a grande reunião familiar. Esta festa das luzes, da adoração pelos Reis Magos, da apresentação de Jesus, do batismo do Menino, ainda é importantíssima na liturgia católica e marca o fim do breve e eterno Tempo do Natal, embora superada pela celebração do Nascimento. Ainda em alguns países, como na Itália com a Befana, na Espanha com a Noche de Reyes, os presentes são dados na festa de Reis.

Mas o verdadeiro presente é o que consuma o anúncio feito a Maria e seu canto Magnificat anima mea Dominum: “A minha alma engrandece o Senhor e alegra-se meu espírito em Deus meu Salvador / pois Ele olhou a humildade de sua serva. / E a partir de agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada.” E deu a Maria vontade de visitar a sua prima Isabel e o filho que esta carregava exultou em seu ventre: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Donde me acontece que a Mãe do meu Senhor venha estar comigo?”

É tempo de censo, José vai com Maria à Belém da Judéia para serem contados entre os vivos; abrigam-se nos fenos entre um boi e um burro, que com eles partilham seu pouco conforto e seu calor; e ali a jovem dá à luz uma criança. Envolve-a em panos e a coloca entre as palhas. A uns pastores que andavam por perto aparece um anjo do Senhor: “Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo, porque foi dado à luz para vós hoje um Salvador, que é Cristo Senhor na cidade de David.”

E de repente uma multidão de anjos canta: “Glória a Deus nas alturas e, sobre a terra, paz entre as pessoas de boa vontade!”

A esperança do Advento se dirige a todos os homens, na alegria, como no Terceiro Domingo, e isso ficará claro quando o Menino Deus receber a homenagem dos magos. Mas este primeiro anúncio é todo especial: “Paz entre as pessoas de boa vontade!”

Estamos, nessa quadra de preparação e chegada, em pleno território cristão: a dimensão infinita da generosidade do Messias se estende a todos e pode fazer passar um camelo no buraco de uma agulha, mas Jesus olha primeiro para os pequeninos, os pobres, porque deles é o reino de Deus, os que têm fome, para saciá-los, os que choram, para que riam, os que são detestados e excluídos e insultados, para lhes dar grande recompensa. Mostra-se primeiro aos pastores na glória de sua humildade e assegura a paz entre os de boa vontade. Os que não têm boa vontade, portanto, estão excluídos dessa paz primordial e precisam fazer um gesto, iniciar um movimento, encontrar um caminho para alcançá-la.

Hoje começa a ceder o flagelo da pandemia. Mas há tantas outras pragas na humanidade que precisam ser curadas, que pedem a esperança de serem sanadas, que exigem a boa vontade de superar. A guerra na Ucrânia, a guerra no Iêmen, o aumento da desigualdade, os duros desafios da emigração, a repulsa fanática à imigração, a fome, as diferentes formas de discriminação, a violência armada, o egoísmo… Temos que ter boa vontade e superar aqui mesmo no Brasil essas últimas tragédias, pois não há outro nome quando as centenas de milhares de armas de fogo são usadas para seu fim — matar —, quando a comida que produzimos aos milhões de toneladas não chega a mais de trinta milhões de brasileiros, quando as pessoas veem no diferente um inimigo, quando o “meu” domina os pensamentos.

Estamos em tempo de Advento, em tempo de esperança. Acreditemos na boa vontade para vivermos a paz na terra e darmos glória a Deus nas alturas!

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

One thought on “Tempo de chegança

  1. Fernando Belfort

    Dr. Sarney. Sua bela crônica me fez voltar ao meu tempo de criança quando no Largo de Santiago, onde morávamos, a noite de natal era comemorada entre as nossas famílias. D. Kiola, mamãe e D. Ilah se esmeravam para juntos termos uma note feliz. Que saudade me traz.

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