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Ainda uma vez São Luís

Ainda uma vez São Luís

Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada.  

Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, ruas estreitas, ladeiras levando o casario para cima e para baixo, o brilho dos azulejos, as nuvens carregadas de anjos que deslizam no céu e são levados pelos ventos alísios. Saudade dos invernos de minha infância, a água desabando nos beirais e correndo nas sarjetas, entrando pelas janelas com o vento, a cidade molhada.  

Mesmo estando aqui em São Luís a saudade não passa. Aqui morei na rua da Cruz, na rua da Madre Deus, acolhido pelas mãos generosas de Dona Sérgia e Dona Lídia. Sempre me vejo andando pelas ruas da cidade velha, da Estrela, dos Afogados, da Alegria, do Alecrim, numa peregrinação de amor.  

Esta cidade foi também para o moço Antônio Gonçalves Dias o local em que viveu seus únicos dias de intensa e real felicidade: os dias de fevereiro a junho de 1846 em que viveu na casa de Teófilo — e encontrou “seus olhos tão negros, tão belos, tão puros” —, e os dias de abril a julho e de outubro a novembro de 1851 em que teve “o coração em riso e festa” ao lado de Ana Amélia. O resto de sua vida, antes e depois, foi uma longa saudade. Quando, em maio de 1855, sofrem o choque do reencontro, antevê: “Negou-me o fado inimigo / Passar a vida contigo, / Ter sepultura entre os meus…” 

Eu pertenço à geração que mais amou São Luís. Todos lhe fizemos versos de uma paixão de adolescente, forte e extasiante. Ferreira Gullar no exílio de suas infâncias. Tribuzzi deixou versos que hoje são o seu hino, ouvindo os “tambores negros do Congo” e “o sol da liberdade”. José Chagas, este se derreteu todo e com ela criou uma cumplicidade de belos poemas. Lago Burnett fez sonetos admiráveis. Carlos Madeira, Belo Parga, Ivan e Evandro Sarney, Lilia Reis, Stella Leonardos, Martins de Alvarez, Nauro Machado e Correia da Silva, João do Vale, na picardia de suas cantigas, todos fomos seus amantes. 

São Luís é poesia e cravo. Poesia do nosso chão, cravo perfumado do nosso amor. Um lençol de telhas cobertas de musgo e do tempo cobre o casario que se derrama numa ondulação suave, em ladeiras e cocurutos. Corre um vento azul que vem da África com cheiro de maresia e sal. Passam fantasmas, fontes, sacadas de ferro, calçadas de cantaria. Ouço o silêncio da noite nas lendas de assombração e das mulheres que saem do mar, junto com d. Sebastião, que se encantou nas praias do Maranhão e, nas noites de sexta-feira, transforma areia em esmeraldas e vira touro solitário correndo no mar em busca das terras de Portugal. 

Minha São Luís, minha terra, minha paixão! 

One thought on “Ainda uma vez São Luís

  1. José Aristides de Lucena Ferreira

    o Seu texto sobre São Luís, Ex-Presidente, é realmente emocionante e cativante. o Senhor consegue capturar a essência e a beleza da cidade de forma poética e apaixonada. Como um grande admirador do senhor, fico impressionado com sua habilidade de transmitir seu amor e conexão com sua terra natal de maneira tão envolvente.

    O Senhor Ex-Presidente não apenas descreve vividamente a cidade, mas também compartilha suas memórias pessoais e as histórias de outros escritores e poetas que também encontraram inspiração em São Luís. É um testemunho do poder da cidade em tocar profundamente o coração das pessoas e deixar uma marca indelével em suas vidas.

    Eu, José Aristides, sou um grande fã do talento literário de José Sarney e de sua capacidade de nos transportar para os lugares e emoções que ele descreve em suas palavras. Seu amor pela cidade de São Luís é palpável, e seu texto é uma homenagem emocionante a essa cidade tão especial.

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