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Combates do Neiva

Combates do Neiva

Um dos grandes amigos de meus primeiros anos de política foi Neiva Moreira. Alguns anos mais velho do que eu, Neiva era “americano” de Nova Iorque, município do Maranhão. Começou no jornalismo no Pacotilha, jornal de São Luís,que foi comprado por Chateaubriand, que levou Neiva para os Diários Associados no Rio de Janeiro. Fomos colegas na Câmara dos Deputados nas três legislaturas que lá passei.

Neiva era um grande político, tinha espírito público e, sobretudo, um temperamento revolucionário, o que fez com que chegasse ao extremo: quando Brizola criou o Grupo dos Onze, Neiva transferiu seu título do Maranhão para o Rio de Janeiro, acreditando que seria feita uma revolução com o Brizola. Conseguiu apenas ser cassado em 1964 e amargar quinze anos de exílio.

Era uma personalidade em ebulição, mas, acima de tudo, Neiva era um homem correto, honesto e idealista.

Ainda no Maranhão, naquelas lutas políticas sem quartel, fizemos uma conspiração para levantar a Polícia do Estado e derrubar o governador, que, naquele tempo, era interino — o meu colega de faculdade Eurico Ribeiro.

Para isso, contávamos com um oficial da Polícia, Coronel Gondim, que era muito exaltado e foi o escolhido para fazer o ataque, transformando-se no herói da Oposição, embora a rebelião tivesse terminado em nada, só na vergonha de o nosso herói ter saído preso: cumpriu 60 dias de cadeia por indisciplina.

Um dia, estávamos no Jornal do Povo, o Neiva Moreira e eu, quando o Coronel Gondim entrou assustado, pegou uma cadeira e sentou-se num canto da sala. Só ouvimos, do lado de fora, a sua mulher gritando:

— Saia daí, seu covarde, que eu quero te quebrar a cara com este sapato!

Abrimos a porta e vimos a esposa do Coronel Gondim — que o tinha flagrado no cinema com uma moça —, de sapato na mão, querendo invadir a nossa sala e espancar o nosso herói. Este estava amarelo num canto e pedia:

— Segurem a minha mulher! Segurem a minha mulher! Segurem a minha mulher!

Então, quando encerrou o expediente, eu disse:

— Hem, seu Neiva? Veja nossa missão: defender o nosso herói de apanhar da mulher!

Clóvis Sena, grande jornalista e intelectual, diretor de redação do Jornal do Povo, escrevia as manchetes. Nesse tempo, o jornal não era feito: acontecia. As matérias escritas eram compostas à mão nos tipos e montadas na página para serem impressas; página cheia, ia para o prelo. Cabia a mim separá-las e dizer aos leitores: “Segue na página tal.” Notícias internacionais vinham através de um rádio velho, ouvido com dificuldade por Clóvis Sena.

Um dia o nosso concorrente anunciou a queda do rei Faruk, do Egito, e a ascensão do General Nasser, que tanta influência exerceu no Oriente Médio. Neiva Moreira foi a Clóvis Sena.

— Não houve nada internacional que desse no rádio na noite passada?

— Só uns tirinhos ali pelo Egito, disse-lhe Sena.

— Pois é, seu dorminhoco, nosso concorrente dá em manchete a queda do mais antigo Governante da face da Terra, uma monarquia de cinco mil anos, nós não damos nada, e você ainda me diz que foram uns tirinhos no Egito!

Já naquela época o compromisso do jornalismo com a verdade era um problema. De novo, as fake news têm o nome e o descaramento dos que as manipulam ostensivamente.

Odylo Costa, filho, estava no Maranhão quando um velho jornalista, Zuzu Nahuz, publicou que o Senador Vitorino Freire teria sido agredido numa sessão do Senado. Vitorino reagiu com uma certidão de que no dia noticiado não houvera sessão na Casa.

Odylo, perplexo com o desmentido, perguntou a Neiva Moreira:

— O Zuzu é veraz?

Neiva respondeu-lhe:

— Pra cá, é.

E deu a justificativa:

— Essa certidão do Vitorino deve ser falsa!

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

2 thoughts on “Combates do Neiva

  1. Silvestre Gorgulho

    Presidente José Sarney:
    Como faz bem à alma e à História a leitura de seus livros e artigos. Neiva Moreira, que conheci pessoalmente e até tenho um livro dele (“QUANTO CUSTOU BRASILIA”) foi fundamental na aprovação da Mensagem de Anápolis.
    Graças ao deputado Neiva Moreira, Brasília sai do papel. Em 19 de setembro de 1956, o Congresso Nacional aprova a lei que autoriza o presidente JK a tomar providências para a construção de Brasília e transferência da Capital para o Planalto Central.
    O projeto se converte na Lei nº 2.874. A votação foi dura. Nas comissões, nunca houve mais de três votos de diferença. Em plenário, quem desempatou a favor de Brasília foi o PSP de Adhemar de Barros, graças ao trabalho de seu líder, o deputado maranhense Neiva Moreira.
    Com meu abraço e amizade
    Silvestre Gorgulho

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