Entre perplexo, revoltado, preso de um medo que cada vez se prolonga mais, o Brasil assiste entre preces e lágrimas ao anúncio dos recordes mundiais que alcançamos em mortes provocadas pela Covid. O que podemos fazer? Acho que ninguém deixa de estar disposto a ajudar. O problema tornou-se uma tragédia global pelas circunstâncias que cercaram a pandemia. Primeiro o caráter de surpresa com que a quase totalidade do mundo foi tomada — apenas alguns milhares de cientistas e estudiosos sabiam que ela viria a qualquer momento. Aliás o inesperado caracteriza Continue a ler
Uma pergunta que passou ao nosso cotidiano é o que vai acontecer com o mundo depois da Covid, que eu considero que não vai passar. Vamos descobrir remédios para o seu tratamento, mas isto vai demorar muitos anos. Temos os exemplos da AIDS. A Covid vai passar e não passará. Permanecerá endêmica. E ela chega num momento em que vivemos entre um mundo em transformação e um mundo transformado. Estamos em plena revolução digital, com um impacto radical sobre as comunicações, que passaram a nos influenciar e transformaram-se em formadoras Continue a ler
Na adolescência encontrei um livro que muito marcou a minha vida e me fez entrar numa fase de dúvidas — muitas dúvidas — filosóficas e religiosas. Sobrevivi a todas e mantive definitivamente os meus ideais cristãos. Esse livro ocupou meu pensamento e permanece até hoje como uma fonte de indagações não respondidas, provocação permanente a incitar o meu raciocínio. Já o título do livro era uma formulação desafiadora: O Sentimento Trágico da Vida. Mais tarde a Igreja o colocou no Index librorum prohibitorum. Seu autor é o grande filósofo espanhol Continue a ler
Uma das indagações mais nebulosas que estão sendo feitas sobre as consequências posteriores da pandemia são os problemas mentais. Do corpo já se sabe quase tudo ou quase nada, mas quanto à cabeça só há especulação sem nenhuma comprovação. É certo que não se pode separar o corpo do espírito, nem este dele, a não ser numa meditação filosófica, como concebeu Descartes, que a alma e o corpo são duas substâncias separadas. Na visão fisiológica ele, corpo, é que determina o estado mental. Uma constatação pessoal é da diferente vivência Continue a ler
Ninguém sabe o mundo que nos espera depois desta pandemia. Teremos que nos adaptar à convivência com um vírus que fará parte das campanhas periódicas de vacinação e criar novos hábitos e costumes. Um dos problemas essenciais tem sido tratado com um grau de insegurança em todo o mundo: como manter vivo o ensino. No Brasil, o problema se agrava pela anomia absoluta do Ministério da Educação, pela trágica e crônica carência de recursos para o ensino público — custa-me acreditar que querem desvincular os parcos valores atuais, tão distantes Continue a ler
Foi com imenso pesar que o Brasil e eu pessoalmente recebemos a notícia do falecimento de Paulo Egydio Martins. Em 1950 fui eleito delegado do Maranhão ao Congresso Nacional da UNE. Tivemos problemas com nosso credenciamento e foi preciso procurar a ajuda da União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro. O presidente era Paulo Egydio. Desde então ficamos amigos, nós e alguns outros participantes deste congresso — Célio Borja, Álvaro Americano, Júlio Niskier e muitos outros que se tornaram grandes nomes na vida nacional. Quando eu era governador do Continue a ler
A pandemia de Covid-19 tem cobrado um alto preço da Humanidade, mas, além do sentimento da tragédia coletiva, nos marca profundamente a perda individual de amigos e companheiros de vida pública e de convivência, já com o peso de décadas. É com este sentimento que sinto agora o falecimento de um desses grandes amigos, companheiro de muitas batalhas e um homem íntegro e sempre solidário, o Senador José Maranhão, um dos maiores líderes políticos da Paraíba, derrotado na batalha contra a essa doença que o acometia desde o segundo turno Continue a ler
Quando assumi a Presidência da República, tive a grande felicidade de encontrar um companheiro de visão do mundo, Raúl Alfonsín, presidindo a Argentina. Tornou-se um querido amigo, de quem eu e a Argentina sentimos imensa falta. As relações entre nossos países estavam marcadas por preconceitos de ambas as partes, que se estendiam às populações. Éramos vizinhos voltados de costas um para o outro. Com coragem Alfonsín aceitou meu convite para visitar Itaipu, considerada pelos militares argentinos como uma ameaça mortal. A partir daí estruturamos uma aliança que nos deveria conduzir para uma união latino-americana Continue a ler
O futuro da Humanidade não será de países grandes ou pequenos, mas daqueles que dominem tecnologia e ciência. Os outros estão condenados à colonização cultural e econômica para ter acesso aos benefícios das descobertas. Já faz longos anos, denunciei a fuga de cérebros do Brasil, por falta de suporte mínimo para a pesquisa, e preconizei que fizéssemos um esforço para criar condições para que nossos cientistas aqui tivessem espaço para desenvolver seus trabalhos. Presidente da República, criei o Ministério da Ciência e Tecnologia, dando aos nossos cientistas recurso e prestígio. Continue a ler
Uma crise que já vinha se arrastando há bastante tempo era a perda de prestígio dos parlamentos do mundo inteiro, sujeitos a críticas permanente sobre a eficiência das instituições e a conduta dos representantes. No Brasil, essa crise estava superposta à outra muito mais grave, a desorganização administrativa duas Casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Recordo-me que, quando assumi a Presidência do Senado pela primeira vez, em 1995, o registro da presença dos senadores era feito pela portaria, à proporção que iam entrando na Casa. Isso fazia que o Continue a ler
A primeira vez que entrei na Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 1955, ainda como suplente — e sem conhecer a cidade, que tinha visitado poucas vezes —, fiquei deslumbrado, nos meus 25 anos. A Câmara para mim brilhava com seus balcões, com mulheres de chapéu, todo mundo nas tribunas cheias, desejosos de conhecer os grandes homens que tanto enriqueciam não só a política como a inteligência brasileira. Os jornais publicavam os debates e os discursos mais destacados na íntegra. Ali vi de perto Milton Campos, Continue a ler
Todos sabem que sempre fui um crítico da Constituição de 1988, mas reconhecendo que o capítulo dos direitos individuais e os dispositivos que tratam dos direitos sociais são muito bons e expressam uma constituição moderna e atualizada. Quando convoquei a Constituinte, disse que devíamos aproveitar a oportunidade para fazer um Carta moderna que servisse de exemplo ao mundo, introduzindo os direitos sociais — já que o peleguismo getuliano tinha prejudicado a visão entre o capital e o trabalho —, buscando um capitalismo moderno. Mas apenas a partir das greves de Continue a ler
A paisagem mundial ainda está dominada pelas travessuras do Trump, que culminaram num episódio a que ninguém no mundo pensava assistir depois que os ingleses começaram a estruturar o governo democrático, há oitocentos anos, passando pela Carta do Rei João, a Revolução Gloriosa, a consolidação da Independência das Colônias Americanas — com as ideias então estruturadas a partir do rascunho da Declaração de Independência de Thomas Jefferson — e a Convenção de Filadélfia, que dominaram o pensamento político do mundo ocidental a partir das liberdades individuais e econômicas. Quem poderia Continue a ler
Hiroshima é uma mancha indelével na História americana. Agora surgiu outra: Trump comandando uma horda de apátridas, acabando com o que os Estados Unidos tinham como sua mais sagrada instituição, o American Dream, o sonho que fascinou a humanidade e os fez conquistar o mundo. O sonho de construir um mundo de liberdade, cujos fundamentos constam da Declaração de Independência, quando os pais fundadores fizeram a sua Tábua da Lei, como a maneira de construir a Democracia: “Consideramos estas verdades como evidentes, que todos os homens são criados iguais, que Continue a ler
O tempo é uma invenção dos homens. O que existe é a eternidade, sem começo nem fim. Mas o homem resolveu marcar a vida pelos anos. Nós, cristãos, pelo nascimento de Cristo, há 2020 anos, menos que uma gota de água na imensidão dos dias e das noites. Os judeus têm o seu calendário, os chineses idem, e nós este que seguimos, chamado de gregoriano porque foi São Gregório que conseguiu esta fórmula de 28 dias em fevereiro, de quatro em quatro anos 29 e meses de 30 e de Continue a ler
O ser humano sempre teve, na longa história de sua presença no mundo — que, diante da história da vida, é curtíssima, e um nada diante da do universo — uma imensa vontade de compreender a si mesmo. Mas o momento decisivo de todo o seu percurso é algo que ele não pode compreender, um mistério. Essa palavra significava justamente algo fechado à percepção. Mistério altíssimo e, no entanto — ou por isso mesmo, por ser divino —, tão simples em sua narrativa, tão banal na sua forma exterior, aparente, Continue a ler
A vacina já fez parte de muitas guerras. Ninguém sabe qual foi a primeira, mas, na América, a ocorrência pioneira foi registrada em 1492, segundo Charles C. Mann em seu livro 1493. Nesta região até então não existia hepatite, varíola ou gripe. Quando estas doenças desembarcaram no bojo das caravelas, o cálculo feito pelos historiadores é que elas dizimaram dois terços da população indígena. Esse terrível genocídio acabou provocando resistência de seu organismo a alguns vírus e bactérias. Na China, sempre pioneira, a inoculação do vírus da varíola, hoje chamada Continue a ler
Este título é apenas provocativo e me foi inspirado pela atitude do famoso Laboratório Pfizer de colocar no frontispício das suas instalações, na sua sede em Nova York, a frase Science Will Win (A ciência vencerá), numa resposta àqueles que estão envolvidos no mundo inteiro numa discussão sobre a eficácia dos medicamentos, a obrigatoriedade da vacina, sua eficiência e a confiança nelas, temas que servem de debate político, como também ameaçam seu negócio, que vive de descobrir remédios e vendê-los. Evidentemente que vacinas e medicamentos, sendo problemas sérios de saúde Continue a ler
Depois de longo período de pessimismo, todos nós, uns mais, outros menos, vivendo entre o medo e a solidão, entre o mistério e a angústia, sem saber o que aconteceria não somente com nossas pessoas e famílias, mas também com o mundo, surge, embora de maneira tênue, um primeiro raio de esperança, com a possibilidade de entrarmos num período que todos esperávamos há tanto tempo: o início do processo de se imunizar a população e afastar o temor de se ser vítima de uma doença que surgiu como um mistério, que Continue a ler
Faz parte da História do Brasil a famosa guerra da vacina, do princípio do século XX, em que os cadetes das escolas militares se levantaram contra a vacina que Osvaldo Cruz começava a aplicar e contra o plano para saneamento do Rio de Janeiro. A capital tinha uma situação sanitária precária e péssima reputação. Para completar tivemos a grande figura de Rui Barbosa aderindo à causa contra a vacina de maneira virulenta, colocando sua eloquência para condenar a vacinação obrigatória. Hoje, quando a gente lê os discursos que fez fica Continue a ler
As causas da raça negra e da cultura foram as duas maiores preocupações minhas em 12 anos de Câmara dos Deputados e 40 de Senado. Sou o Senador que mais tempo exerceu mandatos naquela Casa. E o político mais longevo da República, com mais de 60 anos de atividade e ainda presente — sem militância partidária, mas Presidente de Honra do MDB, partido a que sou filiado há 36 anos. Exerci por oito anos a Presidência do Senado Federal. Sempre discordei da maneira como o problema da raça negra era tratado. Continue a ler
Deplorável espetáculo estão dando os Estados Unidos, com repercussão mundial e consequências para a democracia que ninguém pode avaliar a profundidade. O sistema eleitoral americano está defasado no tempo e tem hoje procedimentos que não entram na cabeça de ninguém que desconheça a história americana. É um legado da história, e os americanos não desejam perder essa perspectiva. Seu sistema eleitoral partiu de longo processo de construção, já que o país era uma Confederação com Estados independentes, que abdicaram de sua independência para juntar-se em uma Federação, sem perder essa Continue a ler
É difícil para nós entendermos o sistema eleitoral americano. Estamos a cinco dias das suas eleições. A grande diferença para o sistema brasileiro é que aqui as regras eleitorais são federais, lá são federais e estaduais. Cada Estado tem independência para fazer seu sistema de votação como quiser. Apenas devem respeitar o que a Constituição regulou: primeiro, o presidente é eleito por um colégio eleitoral, numa tentativa de equilibrar os grandes e pequenos estados; segundo, cada estado elegerá dois senadores e tantos deputados quanto 1/435 da população total do país. Continue a ler
Estamos em época de eleição — e que eleição! Resolvi dar uma olhada na legislação eleitoral e fiquei com tanto medo que desejei ficar sabendo só o que já sabia. É que são tantas leis, tantas resoluções, tantas modificações contraditórias. E tem um complicador adicional: a má redação, que dá margem a equívocos ao definir e confunde e dá trabalho a juízes, tribunais e advogados. Quando era Presidente do Senado tentei muitas vezes chamar a atenção para isso. Lembrei as preocupações de Rui Barbosa, falando do contraste entre a clareza Continue a ler
A Covid-19 é realmente uma doença que veio mexer com nossa vida e com a organização da sociedade. Perante ela, nada resistiu. O desconhecimento do vírus, num redemoinho, modificou a nossa forma de convivência e disseminou o medo, impactando dos sistemas de prestação da saúde e indo até ao culto a Deus. Basta vermos as regras básicas: manter o isolamento, afastar-se das pessoas, decretar a solidão pelo receio de estar junto. Restringimos nossa fala, as máscaras dificultaram nossas conversas, e assim atingimos tantas coisas, dos negócios ao amor. Mas quero Continue a ler
O Papa Francisco publicou a encíclica Fratelli Tutti, em que invoca as lições de São Francisco de Assis para fazer uma profunda reflexão sobre o amor fraterno como único caminho para ultrapassarmos este momento crítico da Humanidade. Esta terceira encíclica de Francisco é na verdade a segunda, pois a primeira, Lumen Fidei, foi na maior parte escrita por Bento XVI. A outra, Laudato Si’, dedicada ao meio ambiente, teve imensa repercussão, que se estendeu além do universo da Igreja, por sua atualidade, mas, sobretudo, pela clareza com que expôs os Continue a ler
Costumo dizer que não estamos vivendo em um mundo em transformação, mas num mundo transformado. Com o Covid-19 especula-se que vamos viver um novo normal. Ninguém pode dizer o que isto será. Mas antes que ele venha estou estupefato diante de algo que jamais pensei que pudesse ver. A minha admiração pelos Estados Unidos vem do orgulho de que tenha saído do Continente Americano o país que transformou o mundo, tornando-se a maior nação da terra, líder e exemplo para todos os povos. Deles surgiu o sistema político que Fukuyama Continue a ler
Depois de Presidente da República recebi um honroso convite da Universidade Brown, uma das oito grandes universidades da chamada Ivy League, de grande prestígio, para participar de um colóquio na Biblioteca John Carter Brown. Sua coleção, a mais completa e valiosa Americana — uma biblioteca de livros e mapas raríssimos sobre o triplo continente —, tem, portanto, singular interesse para nós da América Latina. E não contém nenhuma obra posterior a 1820, se não me falha a memória. O Carter do nome da biblioteca não tem nada a ver com Continue a ler
A vacina é o único socorro de esperança contra a ameaça da Covid. Já falei mais de uma vez do cálculo de Malthus sobre a expansão da Humanidade e da narrativa que Jared Diamond faz da ascensão e queda das civilizações: nos cenários, guerras e germes. A história das pragas é uma desgraça: desde as sete pragas do Egito, que são dez, o que se vê são as populações dizimadas. Dizimadas não: o decimatio castigava um em cada dez soldados, mas as pestes sempre foram mais radicais. A praga de Continue a ler
Há uma gritaria danada sobre o aumento do preço do arroz, que figura na cesta básica e em nossa cultura alimentar, indispensável em nossas mesas e nas do mundo todo. Como tudo mudou, até a linguagem, o aumento do custo de vida, que hoje chama-se “alta no preço de alimentos”, antigamente era “carestia”. Getúlio Vargas tinha verdadeira obsessão em usar essa palavra. Um dos principais objetivos de seu marketing era “combater a carestia”. Sobre isso há um episódio pitoresco que marcou a vida de um excelente jornalista, depois radialista e Continue a ler