A agonia de Tancredo Neves

A posse dos eleitos deveria ocorrer em 15 de março, porém Tancredo Neves foi submetido a uma cirurgia de emergência na noite de 14 de março, ficando impossibilitado de assumir. No dia 15 de março de 1985, sob o impacto da doença de Tancredo Neves, José Sarney tomou posse como Vice-Presidente da República em exercício da Presidência. A dramática noite, com a internação de Tancredo, as discussões, no próprio Hospital de Base e em vários espaços institucionais e privados, sobre os procedimentos constitucionais da posse, tinham tido seu clímax com a cirurgia do Presidente eleito. A cerimônia mais paradigmática da democracia, a alternância de poder, revestida de simbolismo especial, depois de 20 anos, passar do regime militar para o civil, deu-se num anti-clímax, onde os sentimentos de alegria e tristesa, esperança e temor se mesclavam.

O início do Governo Sarney

Tancredo Neves faleceu em 21 de abril, e Sarney, em conformidade com o artigo 76 da Constituição, tornou-se presidente. O governo teve início fragilizado, devido à doença de Tancredo. Diante de uma desconfiança difusa, Sarney lutou para legitimar-se por seu trabalho. Buscou fortalecer a democracia e a paz social.

Reconheceu os partidos que estavam na clandestinidade, manteve as forças militares nos quartéis, recuperando suas condições operacionais, que estavam sucateadas. Garantiu o direito dos sindicatos e a liberdade de imprensa, assim como eleições livres sucessivas. 

Convocou uma Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição Federal de 1988, com ampla participação popular e inclusão de segmentos discriminados, como mulheres, negros, indígenas e pessoas portadoras de deficiência. Valorizou as áreas ambiental e cultural, assim como a reforma agrária. No âmbito das relações internacionais, priorizou o estreitamento de laços com os países latinoamericanos.

Para organizar a economia, Sarney criou a Secretaria do Tesouro e o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi. 

O Plano Cruzado

Sarney assumiu a chefia do governo em plena recessão econômica, com inflação elevada. Para enfrentar a crise e a desconfiança com a economia, que persistia, embora o Produto Interno Bruto tenha crescido 8,5%, o presidente adotou medidas heterodoxas, capitaneadas por João Sayad, ministro do Planejamento.

Em fevereiro de 1986, inspirado nos planos de sucesso em Israel, Sarney lançou o Plano Cruzado, marcado pelo congelamento de preços por um ano, associado ao reajuste salarial automático em caso de inflação acima de 20%, o chamado gatilho salarial.

Para estimular o consumo e afastar o risco de recessão, Sarney aumentou em 12% o valor real dos salários. A medida foi seguida por uma grande mobilização dos consumidores na fiscalização dos preços. Eram os “fiscais do Sarney”. Apesar da popularidade do plano e do ministro da Fazenda, Dilson Funaro, o setor empresarial não aderiu ao Cruzado, promovendo um desabastecimento do mercado que forçou o retorno da inflação.

Novos planos econômicos

Um novo plano, o Cruzado II, foi lançado em novembro de 1986, mas, novamente, sem sucesso no combate ao avanço inflacionário. Em janeiro de 1987, Sarney decretou moratória, diante do nível crítico a que chegaram as reservas internacionais.

Ao contrário do que fazia supor a pressão social nesse sentido, a moratória unilateral não foi bem recebida. Sarney substituiu Funaro, em abril de 1987. Bresser Pereira, o novo ministro da Fazenda, lançou mais um plano econômico, batizado com seu nome, que alcançou algum sucesso.

Em 1988, Maílson da Nóbrega assumiu a Fazenda, voltado ao combate dos problemas econômicos de maneira pontual. Seguiu-se o Plano Verão, no início de 1989, que tampouco conseguiu conter a inflação.

Os resultados econômicos

Mesmo marcado pelo descontrole inflacionário, que era compensado na vida cotidiana pelo gatilho salarial, houve avanços econômicos expressivos na gestão de Sarney, com o país elevado ao posto de sétima maior economia do mundo.

A própria inflação, dolarizada, teve uma média anual de apenas 17,3%, segundo estudo da Consultoria Tendências. O Brasil teve o 3º saldo exportador no mundo. Os resultados de balança de serviços, balança comercial e transações correntes só vieram a ser superados no governo Lula. A dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. O déficit primário de 2,58% do PIB em 1984 foi substituído por um superávit de 0,8% do PIB em 1989. O PIB, medido em dólares (variação cambial) cresceu 119%. O PIB per capita cresceu 99%. A média do índice de desemprego foi de 3,89%, chegando a 2,16% durante o Plano Cruzado e 2,36% em fins de 1989. 

Eleições e partidos

Sarney garantiu a redemocratização na Nova Repúbica, com 4 eleições diretas nos 5 anos da sua presidência: a primeira para prefeitos das capitais, em 1985 (primeira depois de 20 anos); a segunda para deputados estaduais e federais, senadores e governadores, em 1986 (com o sucesso do Plano Cruzado, o PMDB elegeu 22 dos 23 governadores); a terceira para prefeitos de todos os municípios e gerais para o Estado do Tocantins, que acabara de ser criado, em 1988; e a quarta para presidente da República, em 1989 (primeira após 29 anos).

Logo no início do governo, Sarney legalizou os partidos comunistas, que trabalhavam na clandestinidade durante o regime militar, e recebeu no Planalto João Amazonas e Giocondo Dias, lideranças históricas do comunismo no Brasil.

A Constituinte e a Constituição

Ainda em 1985, Sarney convocou uma Assembleia Nacional Constituinte, que seria formada pelos congressistas eleitos em 1986 e os senadores eleitos anteriormente mas ainda no exercício do mandato (ao todo, 559 parlamentares), e instalada em fevereiro de 1987.

Criou a comissão Afonso Arinos, com 50 notáveis, que elaborou um anteprojeto para subsidiar o trabalho dos constituintes, conforme havia planejado Tancredo Neves. O material, no entanto, foi descartado pelo deputado Ulysses Guimarão, que presidiu a Assembleia. 

Sarney foi crítico do texto no tocante à estrutura do Estado, na qual enxergou dificuldades de governabilidade, embora reconhecendo um grande avanço relativo aos direitos. A nova Constituição Federal foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, e o presidente da República foi o primeiro a jurar cumpri-la.