Close

A Palavra do Sarney

  • Home
  • A Palavra do Sarney

Esquecer e Lembrar

Os psicanalistas apresentam como certeza que a gente não esquece as coisas pelas quais guarda interesse e esquece as que não nos interessam. A memória se encarrega dessa diabólica lei seletiva. Isso para a política é trágico, porque o bem que se faz é logo esquecido, e os inimigos ficam inventando sempre o mal que não se fez. O Senador Vitorino Freire, que marcou sua chefia política com mão de ferro, dizia adotar em relação aos adversários a seguinte conduta: “Quando meus inimigos não têm rabo, eu ponho rabo neles.” Continue a ler

A Guerra de Carajás

As minas de ferro de Carajás determinaram uma guerra entre o Pará e Maranhão. É que essas minas, das maiores do mundo, pela sua localização no interior do Pará, não tinham como escoar sua enorme riqueza. Desencadeou-se uma guerra para saber como viabilizar seu aproveitamento. O escoamento seria por via fluvial ou terrestre — ferroviária? O Pará reivindicava a via fluvial, pois assim todas as receitas de sua exploração seriam naquele estado. Acontece que ele, dos mais ricos do Brasil, não dispunha de porto com o calado necessário para escoar Continue a ler

2020 e Alcântara

O Ano Novo pode marcar uma data histórica para o futuro e o progresso do Maranhão. É que acaba de ser aprovada a autorização para que a Base de Alcântara possa abrir-se ao mercado internacional de lançamento de foguetes portadores de satélites.  Isso significa que o Maranhão poderá participar de uma indústria de ponta, que tem um poder germinativo capaz de criar indústrias paralelas, formação de recursos humanos e ser um pólo de referência mundial, competindo com Kourou, na Guiana Francesa, onde os franceses têm, desde 1968, uma de suas Continue a ler

O político trabalha para todos

É com humildade que eu tenho dito, e repito, que preciso cada vez mais do apoio e da coesão de todos, que como políticos temos a missão mais alta dentro da sociedade. Porque se os outros têm que trabalhar para assegurar os seus objetivos pessoais, nós políticos somos aqueles que, dentro da sociedade, trabalhamos para todos. É a definição que eu li, quase desapercebidamente colocada nos Autos da Devassa da Inconfidência, quando se armou uma farsa para mostrar que Tiradentes estava conspirando, conspiração que ele fazia pela independência do Brasil. Chega Continue a ler

Louvemos a Mãe de Deus

“Numa mulher não se bate nem com uma flor” — esse era o mantra da minha geração. A mulher era o objeto maior da criação. Ninguém tem vida senão através de uma mulher, a criatura mais adorável do mundo, nossa mãe.  O Novo Testamento tem uma protagonista, ao lado de Jesus Cristo, que é Maria. Nossa Senhora é a personagem essencial no nascimento e na morte de seu Filho. Ao receber o anúncio do Anjo Gabriel, Maria responde com o mais belo dos hinos:  “A minha alma exalta o Senhor e o Continue a ler

Pergentino, o jornalista que se fez PH

Comecei no jornal, aos dezesseis anos, ganhando um concurso de reportagem em que concorri, com um trabalho que tinha como tema a Quinta do Barão — ou Laranjeiras —, que pertenceu ao comerciante maior do Maranhão, José Gonçalves da Silva, o “Barateiro”, cuja filha casou-se com o Barão de Bagé. Daí o nome de Quinta do Barão. Em O Imparcial ocupei todos os degraus, a começar pelo de repórter de setor policial, em que cobri polícia, com o fotógrafo Azoubel, durante dois anos. Fui secretário (nomenclatura daquele tempo), redator-chefe, articulista, editorialista e adquiri Continue a ler

São Luís em Dezembro

O sinos do Natal já podem ser ouvidos nos seus sons distantes. Quando eu era menino e começava, em São Bento, a descobrir o mundo com suas belezas, a primeira coisa que me encantava era o campo verde, lindo tapete de capins: andrequicé, arroz brabo, canarana, capim de marreca. Depois eram os passarinhos que via pousados no fio de telégrafo que atravessava o campo e perdia-se no infinito. As garças elegantes e brancas olhavam desconfiadas para os lados, sempre atentas a qualquer peixinho que passava nas águas rasas e não Continue a ler

Crise de caráter e de conduta

Estamos com a impressão de que o atual sistema eleitoral-partidário chegou ao fim. Apodreceu. Não pode sobreviver. Não temos o direito de deixar que sobreviva. Ele, sem nenhuma dúvida, tem responsabilidade sobre os males que atravessamos, sobre a qualidade de recursos humanos que surgiram na vida partidária. Que aqueles que denegaram os valores da política sejam punidos e afastados da vida pública. Nada de contemplações nem acomodações. Mas não podemos dar absolvição às instituições políticas que produziram um caldo de cultura que permite o desmoralizante abuso do poder econômico, o Continue a ler

Todo homem é um político

Todo homem, por força de sua condição social, é necessariamente um político, tanto por querer influir na comunidade a que pertence quanto por defender essa comunidade. Ninguém se dissocia desse modo de ser, tão antigo quanto o próprio homem. É consubstancial à natureza humana. A ordenação política é uma luta permanente entre duas tendências: a tendência que leva à ordem, pela disciplina autoritária e vigilante, e a disciplina que freqüentemente se rompe, para que o processo social se revitalize, buscando formas de existência e afirmação. Uma, restringe a liberdade; a Continue a ler

Partidos verdadeiros

Os verdadeiros partidos não são apenas aqueles que eventualmente conheceram o êxito da democrática disputa pelo voto. São, sobretudo, os que, alcançando o poder, tornam-se capazes de colocá-lo em sintonia com a sociedade, transformando-o em instrumento de modernização não só do Estado, mas da própria sociedade. Discurso no Palácio do Planalto — 28/8/1986

Voto Partidário

Creio que também é necessário, na próxima eleição, acabarmos com o voto pessoal e adotarmos o voto de lista. Sei que isso é algo contraditório, a que muitos são contrários, mas tenho o dever de expor o meu ponto de vista. Este é o momento de cauterizarmos a ferida que está sangrando, e temos de cauterizá-la imediatamente. Temos de tomar medidas heroicas; a do voto partidário, sem dúvida, é uma delas. Não é uma solução definitiva, mas de transição, até que se decida por um sistema melhor. Discurso no Palácio Continue a ler

Participação e Transição

Mas a transição maior foi aquela que não se vê e é mais profunda: a mudança da sociedade brasileira. Esta era profundamente elitista, as decisões restritas a um núcleo pequeno e privilegiado. As classes trabalhadoras não tinham voz. Havia mesmo uma escala de gradação nos segmentos sociais, uma espécie de castas. Tudo mudou. Hoje, os patrões sabem que somos uma democracia, na qual o seu empregado não é mais o servo que trabalha e dele depende. Ele tem sua própria força, de suas organizações, de sua identidade. Não só a Continue a ler

A Baixada

A Baixada é um lugar onde o horizonte não acaba. Tudo plano, numa vista sem fim, onde, na época das chuvas, as terras ficam cheias de lagos e pântanos, e os caminhos desaparecem. A natureza é de uma serenidade não perturbada senão pelo vento, pela luz e pela chuva. No ano em que nasci, nas estações invernosas só andavam o boi-cavalo e a canoa montaria, deslizando entre caminhos que se abrem entre as plantas aquáticas. Os primeiros ocupantes ali chegaram no destino de criar gado. Criação extensiva, animais soltos em Continue a ler

Eu, os negros e a Fundação Palmares

O Brasil nasceu quase junto com sua maior injustiça: a escravidão negra. Por ela, as pessoas eram coisas. No Maranhão ela assumiu ares oficiais: a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará tinha monopólio estatal da venda de escravos.  Na época da Independência José Bonifácio pretendia combinar o fim da escravidão com a reforma agrária. E dizia que o Brasil precisava da “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.  Dividi com meu amigo Afonso Arinos, autor da lei que leva o seu nome, de considerar crime a discriminação racial, a Continue a ler

Itaqui na cabeça

Escrevi várias vezes tratando sobre a pobreza do Maranhão e também, é óbvio, sobre nossos sonhos de riqueza. Sempre disse que o Criador não foi muito generoso conosco. A começar pela errada avaliação, muito repetida, de que nossas terras eram excelentes. Na verdade, nossas terras são muito pobres e somente temos uma faixa de terra muito boa, na área de Grajaú e Fortaleza dos Nogueiras. É uma mancha. No resto são terras ácidas e arenosas. São Paulo, Paraná, e uma faixa do sul de Minas têm terras excelentes, “roxas”, que possibilitaram Continue a ler

Uma hipoteca da Guerra Fria

O século XX foi caracterizado como o mais violento da história do Mundo Ocidental.Tivemos duas guerras mundiais, com milhões de mortos. Pensou-se que, depois da última, o mundo iria viver em paz e harmonia; mas surgiu uma nova espécie de guerra, que foi a Guerra Fria, da confrontação e da ameaça da arma nuclear. Houve o enfrentamento de duas ideologias: a comunista e a capitalista. Na esteira da descolonização e da maior onda de democratização que já vivemos, a queda do Muro de Berlim acabou a Guerra Fria. Mas na Continue a ler

A Conferência de Estocolmo

Senado Federal, Brasília, 19 de junho de 1972 Senhor Presidente, Srs. Senadores, realizou-se e foi encerrada, ontem, em Estocolmo, a conferência que as Nações Unidas convocaram para debater os problemas do meio ambiente. É a primeira tomada de posição da humanidade, através dos estados, sobre um problema que se tornou evidente com o avanço da era industrial. Os resultados parecem que foram muito pálidos. A sua preparação difícil e as controvérsias não ajustadas na agenda preliminar continuaram até o fim dos trabalhos, enfraquecidos pela não participação do leste europeu. Talvez Continue a ler

Uma só e muitas línguas

Academia Francesa, Paris, França, 23 de junho de 2005 Quando a Academia Francesa foi fundada, em 1635, num mundo conhecido, o Brasil era uma indefinida colônia portuguesa, numa América fantástica e de sonhos. Era o tempo da formação do Estado francês, que remonta a Filipe o Belo, conheceu grande impulso sob Henrique IV e foi terminada pelo Cardeal Richelieu. O Brasil era um desenho, linhas imprecisas de um país, cuja única definição estava na cabeça dos reis e navegantes lusitanos. Era tudo mistério e lendas, inventadas e divulgadas na ingênua Continue a ler

Reforma Política

Senado Federal, Brasília, 7 de julho de 2006 Esta semana procurei oportunidade de falar, mas, infelizmente, tivemos uma semana entre o vazio e muita coisa a fazer. Mas é do meu dever, antes de começarmos a campanha presidencial, fixar minha posição aqui, porque vou, a partir da próxima semana, como candidato, praticamente me ausentar do Senado. Devo dizer das minhas posições e, ao mesmo tempo, fazer algumas considerações sobre as mesmas. O Senador Geraldo Mesquita disse que o Brasil sofreu muito, a sua torcida sofreu muito. Realmente sofremos muito, mas Continue a ler

O petróleo é nosso

Na minha adolescência, um grito incendiava nossos pensamentos de patriotismo: “O petróleo é nosso!” Repudiávamos nossa dependência econômica dos países do “primeiro mundo”, principalmente dos Estados Unidos. Os jovens denunciavam a CIA, o entreguismo, o imperialismo americano como os grandes empecilhos ao progresso do País.  Naquele tempo de grande ebulição estudantil, depois da Segunda-Guerra, discutiam-se muito os “ismos”. Eu não me deixei contaminar por nenhum “ismo”, fugi aos aliciamentos ideológicos, para ser aquilo que sempre fui, um liberal, tolerante e humano, seduzido pelos grandes nomes nacionais do antigetulismo e por Continue a ler

José Nêumane

  Um texto rico, poético e bem-humorado Em 1970 — já um político de peso nacional — Sarney lança aquele que será o divisor de águas em sua literatura: o livro de contos Norte das Águas, um quadro vivo da realidade humana de seu estado. Saudado por grandes nomes da literatura nacional como Josué Montello e Jorge Amado, Norte das Águas surpreende por sua visão humanista traduzida em um texto rico, poético e bem-humorado, sempre capitaneado por belas e fortes personagens. Norte das Águas foi traduzido para o romeno — Continue a ler

Jorge Amado

Jorge Amado•Da Academia Brasileira de Letras. Prêmio Camões 1995. Folha de S. Paulo, 21 de dezembro de 1995.   Sobre O Dono do Mar O Dono do mar, do mar do Maranhão, é o escritor José Sarney que o recria, em romance belo e vigoroso. O Dono do Mar vem situar de forma definitiva o nome do autor entre os nossos melhores ficcionistas. Já não cabe confundir o homem político de polêmica travessia de sucessos — foi Presidente da República e, posteriormente, do Congresso Nacional, é Presidente do Senado — Continue a ler

Juan Arias

Juan Arias•Jornalista e escritor, criador e primeiro diretor de Babelia, suplemento cultural do El País, da Espanha. Por ocasião da apresentação na Casa de América, em Madri, 29 de junho de 1998.   Sobre O Dono do Mar A fascinação dos monstros invisíveis Este romance de José Sarney, O Dono do Mar, vem precedido de uma crítica mundial formidável, com elogios, entre outros, de Jorge Amado, Lévi-Strauss, Ferreira Gullar, Maurice Druon e do recém falecido Octávio Paz. Daí minha dificuldade para dele fazer uma leitura crítica. Não obstante, vou tentar, Continue a ler

Democracia e AI-5

A melhor definição de democracia que conheço é de Lincoln: “regime do povo, pelo povo e para o povo”. Na Oração Fúnebre aos mortos no Peloponeso, Péricles fala, pela primeira vez, da necessidade de que um governo seja constituído pelo povo: “chama-se democracia porque não é um governo dos poucos, mas dos muitos”. Era a maneira de superar a lei do mais forte. No Brasil a democracia teoricamente se instalou com a República, antagonista da Monarquia. Mas ela não pôde instaurar o governo do povo, porque o povo não era republicano, e Continue a ler

Nota do ex-Presidente Sarney sobre declaração de Eduardo Bolsonaro

Fui o Relator no Congresso Nacional da Emenda Constitucional que extinguiu o AI-5, enviada pelo Presidente Geisel. Presidi a Transição Democrática, que convocou a Constituinte e que fez a Constituição de 1988. Sua primeira cláusula pétrea é o regime democrático. Lamento que um parlamentar, que começa seu mandato jurando a Constituição, sugira, em algum momento, tentar violá-la. Devemos unir o País contra qualquer desestabilização das instituições. E sei que expresso o sentimento do povo brasileiro, inclusive das nossas Forças Armadas, que asseguraram a Transição Democrática, que sempre proclamei que seria Continue a ler

Em defesa do Mercosul

Estou acompanhando com grande apreensão o debate sobre o Mercosul, com algumas vozes defendendo a sua extinção. Não quero abordar o assunto sob o ângulo econômico, mas devo fazê-lo sob o geopolítico. Quando assumi o governo, com o desinteresse dos políticos pela política externa, tive margem para buscar concretizar algumas ideias que, como voz isolada, defendera nos meus trinta anos de Parlamento, com o meu conhecimento da História da América Latina, sobretudo do Cone Sul. E uma das coisas que eu não entendia era a rivalidade histórica entre o Brasil Continue a ler

Marcio Tavares d’Amaral

    Sobre A Duquesa vale uma Missa O Protagonista é o Amor Nesse romance, José Sarney se põe ao largo das águas do norte, do domínio dos mares do seu Maranhão, das intrigas e sagas de formação do outro território da sua habitação física e afetiva, o Amapá e sua vizinha Guiana, para firmar-se como um investigador do drama humano mais universal. Nos outros livros, estavam lá o amor, a paixão — em Saraminda, quanto! —, mas talvez (é uma hipótese; se não servir, jogue-se fora) o ambiente, o Continue a ler

Amor a Roma

Fui a Roma para acompanhar as cerimônias de Canonização de Santa Dulce dos Pobres. Enquanto andava pelas ruas da cidade lembrei-me do grande e comovente livro de Afonso Arinos, Amor a Roma. Afonso fez uma dedicatória (“a José Sarney, cuja amizade é uma das alegrias de minha vida”) que refletia uma amizade que vinha de muitos anos e que nascera na casa de Odylo Costa, filho — e se estendia à Annah, sua esposa, a mulher que não só o inspirava, mas que se encarregava de datilografar e preparar os originais.  Continue a ler

Santa Irmã Dulce

Estou em Roma, emocionado. Eu que tantas vezes estive nesta cidade, que é uma síntese da História, desta vez aqui me trouxe a fé.  A fé numa Santa que conheci muito de perto, que amei pelo seu trabalho e pela santidade de sua vida: Irmã Dulce. Venho para refazer o gesto que fiz em minha vida, beijar-lhe os pés de Santa — que sempre foi e agora o Papa Francisco canoniza.  Ainda hoje recordo essa emoção: poucos dias antes de falecer, em seu leito de agonia, no que não era Continue a ler