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eleição

Crise na democracia americana

A  última sucessão presidencial americana mostrou fatos que ninguém jamais imaginou pudessem acontecer nos Estados Unidos: negação da lisura das eleições, invasão do congresso para evitar a diplomação do eleito e a troca de afirmações contrárias ao sistema democrático constituíram uma surpresa a nós que pensávamos que a democracia americana era sólida. A chave da construção dos founding fathers é de que o embate das forças, quando é grande o tamanho da amostra, gera o equilíbrio. Foi o que descreveu Tocqueville, no seu tratado clássico sobre a democracia nos Estados Continue a ler

Voto pela Democracia

Quando, em janeiro de 1985, Tancredo Neves e eu fomos eleitos por um grande acordo da sociedade, tínhamos muito claro um compromisso: a transição para a democracia. A partir da eleição é que, no espaço cedido pela Fundação Getúlio Vargas, começou-se a detalhar números e tarefas. Antes de janeiro a tarefa não apenas era impossível por não dispormos dos dados reais sobre o funcionamento do governo, mas sobretudo porque a dimensão do que se decidiria na eleição era política e institucional, num nível superior de decisão: estava em jogo o Continue a ler

Eleição majoritária

A questão da legitimidade do mandato nos cargos executivos é velha como a República. A Constituição de 1891 definia, em seu artigo 47, que “o presidente e o vice-presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação, e maioria absoluta de votos”. Sabemos que logo foram adotadas as providências para que isso acontecesse: Prudente de Moraes foi eleito com 88% dos votos; Campos Sales, com 91%; Rodrigues Alves, com 93%; Afonso Pena, com 98%; o Marechal Hermes da Fonseca, com 65% — Rui Barbosa teve a maior votação de Continue a ler

A Ressalva

Alexis de Tocqueville, em sua clássica e famosa obra, “A Democracia Americana”, que já caminha para dois séculos de sua primeira edição (1835), fez a apologia do regime praticado nos Estados Unidos, único no mundo com suas características, até então, e disse de suas grandes e inovadoras virtudes. Tão boas que essas instituições se espalharam no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde a República, sob a inspiração de Rui Barbosa, moldou a Constituição de 1891 com o domínio das ideias civilistas dos direitos individuais e do poder político, síntese de Continue a ler

Partidos Repartidos

Volto ao tema da última semana. Os partidos no Brasil datam da primeira metade do século XIX. Os dois partidos do Império, Liberal e Conservador, de luzias e saquaremas, funcionaram sob o punho autocrático do Poder Moderador. Todas as vantagens do parlamentarismo ficavam nubladas por D. Pedro II quando dissolvia os ministérios não pela vontade da maioria, mas por seu próprio juízo. Foi a advertência que lhe fez Nabuco, que ninguém pode acusar de hostil ao regime. Na República Velha os partidos eram estaduais e tinham dono — e esses Continue a ler

Partidos sem Partidos

É sabido que a ideia de partidos horrorizava os Founding Fathers dos Estados Unidos. A frase de Jefferson — que criou com Madison o que é hoje o Partido Republicano — é dura: “Se só pudesse ir para o Céu com um partido, eu preferiria não ir.” Eles conheciam bem os estudos de Edmund Burke e David Hume sobre os partidos ingleses, mas partilhavam, de certo modo, o preconceito de Washington e Adams, que acreditavam na unidade do interesse público. Os partidos americanos surgiram logo que começou a funcionar a Continue a ler

Eleição e Democracia

O Brasil levou muito tempo para alcançar um dos pontos essenciais da democracia, que é o voto. Durante o Império, o voto foi sempre objeto de ansiedade e preocupação. O primeiro ponto era a questão de quem a ele tinha direito. Desde a eleição para a Assembleia Constituinte o voto foi censitário, isto é, restrito a quem preenchia certas condições econômicas.  A Constituição de 1824 manteve o critério: eram eleitores todos os cidadãos, excluídos os menores de 25 anos, os filhos família, os criados de servir, os religiosos e os Continue a ler

Rua México, 3

A UDN foi o grande partido do Brasil. Seus quadros constituíam a elite nacional, juntando conservadores com a esquerda democrática, como os dois irmãos que traziam incorporados em sua biografia a luta e o exílio curtidos na oposição a Getúlio Vargas: Otávio Mangabeira e João Mangabeira, brilhantes e combativos. Organizados em partido depois da queda do Getúlio, tinham por hábito reunir-se toda quarta-feira em sua sede, na Rua México, 3, onde as diversas alas e divergências cruzavam espadas. Quando eu cheguei ao Rio, em 1955, um ano após o suicídio Continue a ler

Milton Campos

O doutor Milton Campos, um dos grandes nomes da UDN, intelectual brilhante, advogado, jornalista, foi deputado constituinte, governador de Minas, senador, candidato a vice-presidente da República, ministro da Justiça. Estava, certa vez, no aeroporto do Rio, quando se aproximou dele uma sessentona, daquelas mulheres engajadas na política: — Doutor Milton, eu sou da UDN, mas da UDN verdadeira: fui uma das viúvas da rotativa e sou da UDN da calúnia! Da calúnia, doutor Milton, como o senhor! O fato é que Carlos Lacerda promovera uma campanha para comprar uma rotativa nova Continue a ler

Péssimo exemplo

Deplorável espetáculo estão dando os Estados Unidos, com repercussão mundial e consequências para a democracia que ninguém pode avaliar a profundidade. O sistema eleitoral americano está defasado no tempo e tem hoje procedimentos que não entram na cabeça de ninguém que desconheça a história americana. É um legado da história, e os americanos não desejam perder essa perspectiva. Seu sistema eleitoral partiu de longo processo de construção, já que o país era uma Confederação com Estados independentes, que abdicaram de sua independência para juntar-se em uma Federação, sem perder essa Continue a ler

Eleições americanas

É difícil para nós entendermos o sistema eleitoral americano. Estamos a cinco dias das suas eleições. A grande diferença para o sistema brasileiro é que aqui as regras eleitorais são federais, lá são federais e estaduais. Cada Estado tem independência para fazer seu sistema de votação como quiser. Apenas devem respeitar o que a Constituição regulou: primeiro, o presidente é eleito por um colégio eleitoral, numa tentativa de equilibrar os grandes e pequenos estados; segundo, cada estado elegerá dois senadores e tantos deputados quanto 1/435 da população total do país. Continue a ler

Leis em demasia

Estamos em época de eleição — e que eleição! Resolvi dar uma olhada na legislação eleitoral e fiquei com tanto medo que desejei ficar sabendo só o que já sabia. É que são tantas leis, tantas resoluções, tantas modificações contraditórias. E tem um complicador adicional: a má redação, que dá margem a equívocos ao definir e confunde e dá trabalho a juízes, tribunais e advogados. Quando era Presidente do Senado tentei muitas vezes chamar a atenção para isso. Lembrei as preocupações de Rui Barbosa, falando do contraste entre a clareza Continue a ler

Uma eleição fora da curva

A Covid-19 é realmente uma doença que veio mexer com nossa vida e com a organização da sociedade. Perante ela, nada resistiu. O desconhecimento do vírus, num redemoinho, modificou a nossa forma de convivência e disseminou o medo, impactando dos sistemas de prestação da saúde e indo até ao culto a Deus. Basta vermos as regras básicas: manter o isolamento, afastar-se das pessoas, decretar a solidão pelo receio de estar junto. Restringimos nossa fala, as máscaras dificultaram nossas conversas, e assim atingimos tantas coisas, dos negócios ao amor. Mas quero Continue a ler

Eleições lá e cá

Estamos na boca de uma nova eleição, a eleição municipal, que, embora seja a mais importante, não desperta a mesma paixão da de Governador. Agora uma eleição diferente, feita sem campanha, sem comício, sem reunião com grande número de pessoas e todas e todos com medo do coronavírus. As novas tecnologias deslocaram a comunicação para as redes sociais, através da parafernália de whatsapp, facebook, instagram e hackers, que estão a postos para invadir os computadores. E as fantasmagóricas e destruidoras fake news, que sem fronteiras ocupam as campanhas espalhando mentiras, Continue a ler

Abertura do Ano Legislativo

Congresso Nacional, Brasília, DF, 15 de fevereiro de 1990 Senhores Congressistas, Envio ao Congresso Nacional a última mensagem do meu mandato. Renovo, mais uma vez, minha homenagem a esta instituição, coração e alma do sistema democrático. Lanço os olhos no tempo. Recordo a manhã de 15 de março de 1985. Com a doença, e depois a morte de Tancredo Neves, coube-me dirigir a Nação no seu período mais difícil, porque mais cheio de cobranças políticas, em toda a nossa História. Somavam-se esperanças e dificuldades. As liberdades, até então represadas, explodiam Continue a ler

Eleições para Presidente da República

Cadeia nacional de rádio e televisão, 14 de novembro de 1989 Brasileiras e brasileiros,  Venho conversar com vocês, venho falar das eleições e da liberdade. Depois de 29 anos, amanhã, no dia 15, 83 milhões de eleitores irão às urnas para eleger o Presidente da República em eleições diretas. Temos o orgulho de proclamar que nós hoje somos a terceira grande democracia do mundo. Correspondem a meu governo grandes conquistas institucionais. Os partidos deixaram de ser clandestinos. Acabamos com o preconceito ideológico. Todos os segmentos da sociedade ocupam seus espaços. Continue a ler

Instalação da Assembleia Nacional Constituinte

Cadeia nacional de rádio e televisão, 31 de janeiro de 1987 Brasileiras e brasileiros, boa noite. Estamos chegando à grande data de instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que será um marco histórico no avanço democrático do Brasil. Nossos antepassados tentaram algumas vezes estabelecer uma Constituição duradoura. Assim foi no Império, assim também na República. Estas Constituições não alcançaram esse ideal de permanência e foram incapazes de sobreviver ao tempo, de arbitrar crises, de oferecer caminhos.  A história do Brasil, a difícil história do Brasil, está cheia de frustrações institucionais. Daí Continue a ler

Convocação da Assembleia Nacional Constituinte

Palácio do Planalto, Brasília, 15 de março de 1985 As nações, como os homens que a constituem, são imperfeitas construções da História. Não há povos — nem homens — servidos apenas de virtudes, nem aqueles submissos inteiramente aos pecados. Mas ao mesmo tempo as nações, como os homens, carregam em si, com suas imperfeições, a busca do ideal e da perfeição, procurando recuperar os caminhos que tenham sido perdidos nas tardes da aventura e nas noites do medo. É, pois, sinal do homem, assim como das nações, a ânsia da Continue a ler

Reforma Política

Senado Federal, Brasília, 7 de julho de 2006 Esta semana procurei oportunidade de falar, mas, infelizmente, tivemos uma semana entre o vazio e muita coisa a fazer. Mas é do meu dever, antes de começarmos a campanha presidencial, fixar minha posição aqui, porque vou, a partir da próxima semana, como candidato, praticamente me ausentar do Senado. Devo dizer das minhas posições e, ao mesmo tempo, fazer algumas considerações sobre as mesmas. O Senador Geraldo Mesquita disse que o Brasil sofreu muito, a sua torcida sofreu muito. Realmente sofremos muito, mas Continue a ler

Tancredo Neves: 100 anos

Senado Federal, Brasília, DF, 3 de março de 2010 Neste 4 de março faria 100 anos um dos maiores homens públicos da História do Brasil: Tancredo Neves.  O tempo se comporta em relação aos grandes homens de maneira contraditória. Por um lado lança sobre ele as névoas e as garoas da memória, tornan- do menos viva a sua presença. Por outro lado nos permite uma visão perspectiva do passado, tornando mais contrastadas as grandes figuras que sobrevivem e sobreviverão ao seu tempo. Podemos hoje ter uma visão muito mais definida Continue a ler

Eleições Municipais

Na minha longa vida política testemunhei muitas mudanças. Mudanças de todo tipo: comecei com a votação em cédulas impressas com o nome do candidato e distribuídas entre os eleitores, que as levavam à mesa eleitoral, onde recebiam um envelope para colocar o voto. Era uma guerra entre cabos eleitorais para formar chapas, substituí-las por outras, o que motivava brigas e pancadarias entre candidatos e entre seus seguidores. João Francisco Lisboa recuou um pouco mais e escreveu largamente sobre eleições na Antiguidade, desde o “palmômetro” até o “brigômetro”, as eleições a cacete.  Vi mudanças de legislação eleitoral às carradas, costumes parlamentares, maneira de escolha Continue a ler

Deputado, o amigo

Afinal a Reforma da Previdência passou em primeiro turno. Primeira etapa vencida. Mas nos deixou muitos exemplos. O primeiro deles a total falência dos partidos. Foi preciso o Presidente Rodrigo Maia, que demonstrou uma extraordinária competência para construir uma engenharia política para viabilizá-la, ocupar o lugar do Executivo e articular uma maioria extraordinária dentro da Câmara, usando das práticas que fazem do regime democrático o melhor — na expressão de Churchill, “o pior do mundo, fora todos os outros”. Quais são elas? O diálogo, a negociação, a articulação entre os Continue a ler