Alexandre Fillon•
Jornalista e crítico literário. Em 1º de maio de 2002.
E não restará mais do que pó
Presidente do Brasil de 1985 a 1990, José Sarney possui uma segunda corda no seu arco, a de romancista.
Ex-presidente da República Federativa do Brasil de 1985 a 1990, José Sarney é atualmente senador eleito até 2007 em seu país, onde também integra a Academia Brasileira de Letras. Nascido em 1930, esse senhor escreveu uma vintena de obras, da poesia ao ensaio, passando pelo romance. Na França pode-se descobrir algumas facetas de seu talento, graças às traduções Au-delà des fleuves (Stock, 1988) e a Capitaine de la mer océane (Hachette Littératures, 1997). As Edições Quai Voltaire retomam a chama e abrem seu catálogo — no momento principalmente voltado para as paisagens anglo-saxônicas da maravilhosa nova-iorquina Dawn Powell ao muito raro Richard Russo — a uma literatura mais truculenta e picaresca, acolhendo em suas capas azuis Saraminda, a saga amazônica de José Sarney.
Hei-nos imersos em plena Guiana decadente, confrontada à “loucura dos garimpeiros,” como nota Claude Couffon no Prefácio. O país vegeta na miséria da canela e da madeira vermelha, o pau-brasil. As terras francesas tornaram-se brasileiras. Ali se cruza de modo indissociável uma fauna suspeita, composta de ingleses plantadores de cana-de-açúcar, franceses sem fé nem lei, garimpeiros vindos de diversos horizontes e sonhando todos com pepitas que não pesem menos de cem gramas, antes de sucumbir a febres fulgurantes. Nessa Guiana, refúgio de criminosos e de deportados políticos, parece mais fácil descobrir rum do que ouro. Sobretudo quando se sabe que “o ouro tem poder de deus. Ele faz a alegria, mas também a desgraça.” A bebida, por sua vez, permite ao menos repelir as lembranças amargas e os fantasmas, e ajuda as pobres almas a ainda acreditar.
Dono de uma mina perdida na floresta, Cleto Bonfim, “brasileiro de Cametá, rei do ouro do Calçoene, cabeça do Lourenço”, gosta de relaxar no Tour d’Argent, estabelecimento de Caiena especializado nos prazeres, onde os aventureiros podem encontrar a companhia feminina. Uma tarde, eis Saraminda com seus olhos verdes, seus cabelos lisos, porte altivo. “Trazia no olhar um enigma que passava aos lábios carnudos, elevados, levemente repuxados na parte superior, os dentes aparecendo no risco breve.” O sangue de Cleto faz uma reviravolta. Por dez quilos de ouro, a beleza é dele. A imberbe Saraminda o enfeitiça imediatamente, com sua denguice. Pede-lhe para construir uma casa, quer um vestido de casamento de renda e organdi… De acordo com Claude Couffon, José Sarney nos conta “o destino fabuloso e lamentável da República fantasma do Cunani, nascida do sonho do ouro”. Multiplicando as histórias, encaixilhando as narrativas e jogando com o tempo, José Sarney agarra o leitor como uma aranha na teia, para arrastá-lo ao coração das trevas.