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Artigos de O Estado do Maranhão

Amor a Roma

Fui a Roma para acompanhar as cerimônias de Canonização de Santa Dulce dos Pobres. Enquanto andava pelas ruas da cidade lembrei-me do grande e comovente livro de Afonso Arinos, Amor a Roma. Afonso fez uma dedicatória (“a José Sarney, cuja amizade é uma das alegrias de minha vida”) que refletia uma amizade que vinha de muitos anos e que nascera na casa de Odylo Costa, filho — e se estendia à Annah, sua esposa, a mulher que não só o inspirava, mas que se encarregava de datilografar e preparar os originais.  Continue a ler

Santa Irmã Dulce

Estou em Roma, emocionado. Eu que tantas vezes estive nesta cidade, que é uma síntese da História, desta vez aqui me trouxe a fé.  A fé numa Santa que conheci muito de perto, que amei pelo seu trabalho e pela santidade de sua vida: Irmã Dulce. Venho para refazer o gesto que fiz em minha vida, beijar-lhe os pés de Santa — que sempre foi e agora o Papa Francisco canoniza.  Ainda hoje recordo essa emoção: poucos dias antes de falecer, em seu leito de agonia, no que não era Continue a ler

A matança dos inocentes

Volto, como testemunha da minha inconformidade, a abordar a violência no Brasil, que é sempre objeto de legislações novas para aliviar um problema que tem sido insolúvel e no qual, infelizmente, não avançamos. Basta ver o que se passa diariamente, com grande visibilidade no noticiário policial, no Rio Grande do Norte, no Ceará, no Amazonas. Estes são o prato do dia. Atentados que fecham cidades, incêndio de transporte coletivo, assassinato de mulheres e crianças, a barbárie das decapitações – e a constatação de que a Polícia não está preparada tecnicamente Continue a ler

O tiro e a toga

O grande escritor e jornalista, que modernizou a imprensa brasileira, Odylo Costa, filho, contava uma história dos antigos tempos, do início do século XX, no tempo das intervenções salvacionistas, passada com um interventor do Piauí, violento e autoritário, como eram as autoridades daquela época e naquelas circunstâncias ditatoriais. Num Tribunal do Piauí, seu pai, o Desembargador Odylo Costa, foi testemunha da invasão da Corte por um grupo de policiais, que vinha com a ordem do Governo comunicando aos desembargadores que, se concedessem um habeas corpus a um preso que o Interventor tinha Continue a ler

Tempo de maré grande

O fenômeno é geológico e, portanto, acontece antes do tempo da humanidade: a maré sobe e desce mais em função da sizígia, isto é, do alinhamento dos astros, no caso Terra, Sol e Lua e sobretudo dos equinócios, que são os momentos em que o Sol cruza o Equador. Para proteger os terrenos destas marés grandes, foi preciso que Roseana fizesse o Espigão da Ponta d’Areia. Uma alternativa seria proteger a cidade com diques, à maneira dos holandeses, que vivem muitas vezes abaixo do nível do mar (em 17% do Continue a ler

Todos jovens

Desde sempre o grande desejo do homem é fugir da morte e, para uns mais avançados, com uma juventude eterna. Na Grécia a ambrosia dava imortalidade, na Idade Média os alquimistas chineses e europeus buscavam o elixir da longa vida, a pedra filosofal.  Um dos livros que mais me marcaram foi o do filósofo espanhol Dom Miguel de Unamuno, motivo de lembrança e emoção quando visitei a Universidade de Salamanca, na Espanha, onde ele pontificou — e onde fiz uma conferência sobre os 100 anos de Jorge Amado. O livro Continue a ler

Minha São Luís dos franceses

São Luís tem nome de Rei, Rei Santo e povo sem pecados. Pensava-se que os franceses só tinham passado aqui três anos: da chegada (1612) de La Ravardière e seus frades do convento de Saint Honoré até 1614. Mas a memória dos arquivos franceses mostrou que eles ficaram aqui, não 3, mas 8 anos!… Quando chegou a Guaxenduba, Jerônimo de Albuquerque, que com Diogo de Campos Moreno derrotou os franceses, avisou a seu Capitão: — “Amanhã terei índios do Maranhão comigo”. E apostou dois pares de meia de seda… Teve, Continue a ler

O Rosa e a Amazônia

Volto ao tema da moda — que, para a tristeza de todos nós, continua sendo a destruição do meio ambiente —, com as lembranças e recordações de quem viveu um tempo parecido com este, o Brasil como o grande vilão mundial, que toca fogo na Amazônia e mata os índios.  Já disse como reagi a essa campanha, que nada tinha de verdadeira. Reconhecemos a nossa responsabilidade em relação ao desprezo dos governos brasileiros, e aqui não abro exceção, e a desídia em não encarar com a gravidade necessária a preservação Continue a ler

Está quem manda

Nos meus primeiros meses como Presidente da República, tive que aprender a rotina das solenidades militares, sempre muito bem organizadas, com fórmulas estabelecidas há décadas e impecável respeito a horário e cerimonial. Justamente neste aprendizado, cometi uma das maiores gafes ao ser recebido no Corpo de Fuzileiros Navais de Brasília, no Dia da Marinha.  Diante da tropa formada estava o Ministro da Marinha, Almirante Henrique Saboia, um dos melhores homens públicos que conheci, grande profissional, mas sobretudo personalidade de honradez, cultura e sensatez. Devo-lhe grande ajuda de conselhos, recomendações e Continue a ler

Eleições Municipais

Na minha longa vida política testemunhei muitas mudanças. Mudanças de todo tipo: comecei com a votação em cédulas impressas com o nome do candidato e distribuídas entre os eleitores, que as levavam à mesa eleitoral, onde recebiam um envelope para colocar o voto. Era uma guerra entre cabos eleitorais para formar chapas, substituí-las por outras, o que motivava brigas e pancadarias entre candidatos e entre seus seguidores. João Francisco Lisboa recuou um pouco mais e escreveu largamente sobre eleições na Antiguidade, desde o “palmômetro” até o “brigômetro”, as eleições a cacete.  Vi mudanças de legislação eleitoral às carradas, costumes parlamentares, maneira de escolha Continue a ler

Alegrias e Tristezas

Fui matar saudades na Praia Grande, rever o Centro Histórico, cumprir alguns deveres e realizar desejos. O maior deles: visitar a Casa Josué Montello, que preserva o acervo de meu grande amigo, orgulho de nossa terra. Basta lembrar o maior romance sobre a escravidão no Brasil: “Os Tambores de São Luís”, em que ele, por amor, incluiu no título limitativo o nome da cidade em que nasceu. A França bem entendeu isso e, na versão francesa, usou apenas “Les tambours noirs”. Fiquei feliz. Estive várias vezes com Josué Montello na Continue a ler

A Estrada das Onças

A Estrada de Ferro Norte-Sul, pela qual paguei um alto preço e que foi combatida fortemente por aqueles que consideram a política acima do interesse público, está em fase de conclusão. Se tivessem permitido que a fizesse durante o meu governo, o Brasil seria outro hoje.  Sempre defendi o modelo ferroviário e por isso recebi um boné de maquinista da Associação dos Ferroviários, que até hoje guardo com o maior carinho. As estradas de ferro foram o transporte do passado e agora ressurgem como o transporte do futuro, com um Continue a ler

Itaqui porto do mundo

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, reguladora dos portos, em audiência pública realizada em São Luís, com a presença de seu Diretor Geral, Mário Povia, anunciou a licitação de mais quatro áreas no Itaqui, para importar e armazenar combustível, uma das mercadorias que alimentarão o frete de volta da Norte-Sul. Atualmente o combustível de tratores e máquinas da região Centro-Oeste e da região do Matopiba, principais responsáveis pelas centenas de milhões de toneladas de soja que exportamos, é transportado por via rodoviária, cara, ou das refinarias do Sudeste Continue a ler

Livros no Maranhão

Com minha compulsão pela leitura, chega-me às mãos um pequeno livro sobre um tema incomum e de pouco interesse literário: a tradução. O livro é de duas professoras de São Paulo, Damiana Rosa de Oliveira e Andreia de Jesus Cintas Vazquez. São profissionais e devotas na arte de traduzir. O livro é constituído de dez pequenos capítulos, ricos de erudição, de lendas sobre a origem das línguas e da história dos primitivos tradutores.  Coincidentemente surge no Maranhão um livro sobre o tema que foge à abordagem histórica tradicional e envereda Continue a ler

Deputado, o amigo

Afinal a Reforma da Previdência passou em primeiro turno. Primeira etapa vencida. Mas nos deixou muitos exemplos. O primeiro deles a total falência dos partidos. Foi preciso o Presidente Rodrigo Maia, que demonstrou uma extraordinária competência para construir uma engenharia política para viabilizá-la, ocupar o lugar do Executivo e articular uma maioria extraordinária dentro da Câmara, usando das práticas que fazem do regime democrático o melhor — na expressão de Churchill, “o pior do mundo, fora todos os outros”. Quais são elas? O diálogo, a negociação, a articulação entre os Continue a ler

A política é destino

Eu tenho afirmado ao longo da minha vida que nasci com uma total incapacidade de ter ódio e que rejeito a execrável teoria do Lenine de que devemos inverter na política o enunciado de Clausewitz de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”.  Segundo essa tese, o adversário teria que ser tratado como inimigo, a quem não se deve apenas vencer, mas destruir, matar, aniquilar. Não se estaria mais na disputa das ideias e sim em um campo de batalha.  Para isso Lenine defendia o método Continue a ler

O Real e o Cruzado

Celebramos no dia 1º de julho os 25 anos do Real, a moeda criada pelo bem-sucedido plano para baixar a inflação brasileira a níveis que permitem aos agentes econômicos a previsibilidade orçamentária, pilar da economia de mercado. Quando, em 1985, assumi a presidência da República, herdei uma forte inflação, provocada, em grande parte, pela combinação de preços do petróleo, descontrole da dívida externa e conjuntura das taxas internacionais Libore prime rate— que se mantiveram muito altas no meu governo, chegando a 9,3 e 10,9 (naqueles anos, descontada a inflação, as taxas chegaram Continue a ler

Junho, festas e fogos

São Luís é uma terra que bem merece ser chamada de Ilha do Amor. Melhor seria se fosse do Amor Demais. Falo do amor a sua história e a sua gente, a seu espírito, a sua beleza. Para parodiar Hemingway, que dizia que “Paris é uma Festa”, eu diria que São Luís é um amor. É para mim uma terra de lembranças que estão associadas a minha mocidade/juventude, já que são uma mesma coisa. Mocidade, o tempo da vida, juventude, a vida do tempo em que descobrimos a alma, o Continue a ler

Os mortos-vivos

Jorge Amado me contou que, depois de longo exílio, reencontrou um dos maiores poetas de língua espanhola, Pablo Neruda, e perguntou-lhe por um amigo comum, que tinha convivido com eles em Praga, onde nascera sua filha Paloma Amado. Neruda respondeu-lhe: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Somos sobreviventes: todos já morreram.” Já o meu mestre e companheiro de trabalho na redação de O Imparcial, Dr. Fernando Perdigão, quando eu era moço,  disse-me: “Sarney, a gente só sabe que está velho quando chegar ao Cemitério do Gavião, olhar para os túmulos e dizer: Continue a ler

Um futuro que chegou

Desde moço tive a cabeça no futuro. Sempre queria me atualizar, olhar para frente e não ter lanterna na popa. Assim, começando a ter gosto pela literatura, não me conformava com um Maranhão mergulhado no parnasianismo e aonde não chegara a Semana da Arte Moderna de 22. Fundamos um grupo de escritores e pintores. Começamos a fazer poesia contestatária das formas antigas e organizamos o Salão de Dezembro no Teatro Arthur Azevedo, chocando com as novas formas. Foi aí que chegou de Portugal Bandeira Tribuzzi, como ele mesmo dizia, “trazendo Continue a ler

Alcântara e o babaçu

O Maranhão teve vários sonhos de salvação. Na Colônia e no Império foram os do algodão e do açúcar. Vivemos com um e outro momentos de euforia. Uns mais e outros menos. O que mais nos realizou foi o do algodão, assim mesmo porque, quando os Estados Unidos se separaram da Inglaterra, esta perdeu o seu grande fornecedor de algodão — era o início da revolução industrial e a indústria têxtil era o carro-chefe da economia inglesa. A esse tempo devemos a bela cidade de São Luís, construída pela riqueza Continue a ler

São Luís, os velhos ainda sonham

Nossa cidade de São Luís está cada vez mais decadente. Sem empregos e sem perspectivas de futuro. Já falei aqui que é preciso pensar na cidade. Hoje, o turismo é uma das indústrias mais dinâmicas no mundo. Portugal hoje, como o resto da Europa, tem o turismo como uma de suas principais fontes de renda. O Nordeste brasileiro já está usufruindo de seus benefícios. Fortaleza, por exemplo, é um destino muito procurado pelos europeus. Voos turísticos internacionais chegam hoje a muitos destinos do Brasil. Precisamos planejar e montar a logística Continue a ler

No Mato sem Cachorro

Nos ditados populares, nosso povo cunhou uma expressão para o momento em que estamos numa situação difícil: no “mato sem cachorro”. Quando vejo as dificuldades que estão sendo atravessadas pelo Presidente Bolsonaro, acho que o Brasil está assim. Estamos enfrentando duas crises: uma, interna, da falta de recursos, recessão, no trincar da estrutura dos três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário; a outra, de natureza mais grave, porque estrutural, de mudança da humanidade, que está passando da sociedade industrial para a sociedade digital e das comunicações. Surgem novos conceitos sobre valores Continue a ler

A Crise da Democracia

Senador, e sempre preocupado em atualizar-me, criei com Franco Montoro, Carvalho Pinto, Virgílio Távora e outros colegas o Instituto de Pesquisa, Estudos e Assessoria do Congresso – IPEAC, que se destinava a melhorar a qualidade dos nossos trabalhos nas comissões e no plenário. Era o tempo do regime autoritário, e o espaço para discutir assuntos políticos era muito estreito. O Instituto podia contratar grandes nomes das universidades ou expertsem determinados assuntos e ajudar os parlamentares, assessorando seus trabalhos. Ainda hoje, ao comparar o nível dos discursos e pareceres de agora Continue a ler