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Projeto de Incentivos Fiscais para a Cultura

Projeto de Incentivos Fiscais para a Cultura

Senado Federal, Brasília, DF, 14 de março de 1985

 

Deverei amanhã, na forma da Constituição da República, assumir o cargo de Vice-Presidente. Assim, desejo marcar meu último dia nesta Casa na coerência de um gesto que norteou sempre a minha vida de homem público, que foi a de um político preocupado com as coisas da cultura. Sou avesso à despedidas e por isso, não a farei, formalmente, perante o Senado Federal. Quero, apenas, que fique nos Anais o Projeto que encaminho à Mesa, para deliberação do Senado, que renova uma ideia constante, perseguida ao longo dos vários anos em que exerci o honroso mandato de Senador pelo Estado do Maranhão, nesta Casa.

Esse projeto, Sr. Presidente, visa sobretudo inserir, no processo do desenvolvimento econômico, o desenvolvimento cultural. Sabemos que a Sociedade Industrial gera, permanentemente, valores materiais, enquanto os valores do espírito são, muitas vezes, colocados no segundo plano, porque não estão na Mesa do planejador como estão os outros valores de ordem econômica.

Apresentei ao Senado, desde 1973, o primeiro projeto que visa dar incentivos fiscais para promoção de bens culturais no País. Agora, deixo, no Senado Federal, às ideias constantes daquele projeto primitivo e mais a contribuição que recebi das entidades de classe no setor da música, do teatro, no setor das artes e no setor das ciências, para que o Senado possa, então, neste instante em que o Brasil caminha para uma nova etapa, contribuir para que os valores culturais sejam uma prioridade máxima da Nação.

Esse projeto, Sr. Presidente, basicamente, dispõe sobre benefícios fiscais, na área de Imposto de Renda, atribuídos à operações consideradas de caráter cultural e artístico. O abatimento é na base de 20% de Imposto de Renda devido pelo contribuinte, sem prejuízo dos demais abatimentos admitidos pela legislação. A finalidade, naturalmente, que terá esse recurso é favorecer a aquisição de obras de arte e patrocínio de edições artísticas; edição sem fins lucrativos de obras de interesse cultural; estímulo às edições de autores ou compositores estreantes nacionais; concessão de prêmios destinados a livros, autores, obras de arte, peças teatral e partituras musicais nacionais; restauração, preservação e conservação de prédios e logradores públicos de interesse para o patrimônio artístico e histórico da Nação, tombados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em consonância com os poderes públicos, a ereção de monumentos que visem preservar a memória histórica e cultural do País; a realização de congressos, seminários, ciclos de debates, estudos e pesquisas que tenham por objetivo a literatura, as artes e a cultura nacionais; apoio ao estudo e a preservação do folclore e das tradições populares nacionais, bem como patrocínio de espetáculos folclóricos sem fins lucrativos; promoção de manifestações musicais sem fins comerciais; promoção, ajuda, colaboração ou qualquer outra forma de participação na elaboração de espetáculos considerados de interesse das artes cênicas, bem assim na construção, reforma, restauração, manutenção de teatros, salas ou quaisquer outros ambientes que se destinem às artes cênicas; produção de cinema de arte nacional; construção, organização, reparação, manutenção ou formação de acervos de museus de interesse cultural; apoio às atividades comunitárias de interesse cultural, compra de ações preferenciais sem direito a votos ou quotas de sociedades limitadas de editoras que publiquem pelo menos 3% dos seus títulos de autores nacionais; doação de livros adquiridos no mercado editorial, de edições subvencionadas às bibliotecas públicas federais, estaduais, municipais, escolares de entidades e associações de classes desde que os livros sejam de autores e tradutores nacionais, e editados por editoras nacionais, bem como a formação de bibliotecas em núcleos comunitários, municípios, estados, associações, sindicatos e entidades reconhecidas de interesse público; doação de recursos a estabelecimentos de ensino e manutenção de cursos de aperfeiçoamento, especialização e formação de especialistas e pessoal ligado à atividade artística e cultural, em geral, bem como instituição de bolsas de estudo e treinamento no Brasil e no exterior; subscrição de ações preferenciais, sem direito à voto ou quotas de sociedades limitadas, de empresas da área editorial e livreira, regionais ou nacionais, devidamente cadastradas, conforme o caso, pelo Sindicato de Editores, pela Câmara Brasileira do Livro ou Associação Brasileira do Livro. A aquisição de obras de arte, nos termos do § 1o do art. 5o, para gerar o abatimento de despesa dedutível, regulada por essa lei, deverá consignar previamente museu a ser indicado pelo adquirente no ato da aquisição.

Por fim, Sr. Presidente, o projeto faculta a possibilidade de criação de um fundo que possa, no futuro, constituir um banco de investimento para financiamento de bens culturais.

Renovo a justificativa, assim, do projeto que anteriormente apresentei nesta Casa. Insisto no assunto neste dia, no alvorecer da nova República, porque considero que a estrutura do Governo não pode mais eximir-se da realidade do problema cultural do Brasil, um tema que está em permanente debate na sociedade brasileira.

O presente projeto representa uma contribuição e um esforço do Poder Público de integrar-se com a iniciativa privada no contexto do nosso desenvolvimento econômico e social. Por outro lado, referindo-se aos aspectos práticos e objetivos, o projeto representa uma reciclagem de recursos, da qual o Governo se beneficiará através de outros impostos a serem arrecadados, da criação de novos empregos, da expansão industrial e revitalização de uma área industrial que sobrevive precariamente.

Com toda certeza, significará, para o futuro Ministério da Cultura, um poderoso reforço de meios, os quais, aplicados no setor cultural, irão, sem dúvida, reduzir a pressão de demanda de recursos em cima de uma área do Governo notoriamente desprovida.

Justifica-se assim, por si só, o dispositivo que permite também aos bancos privados utilizarem o incentivo para formação de uma carteira de financiamento cultural, o que pode ser o primeiro passo para criação desse banco de fomento, dedicado exclusivamente à indústria de bens culturais, como atualmente se faz na França, nos EUA, na Espanha e em outros países europeus.

O Sr. Gastão Müller — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Com muita honra, Senador Gastão Müller.

O Sr. Gastão Müller — Sinto-me feliz em estar na liderança do PMDB no momento em que V. Exa não se despede do Senado, mas coroa a sua passagem por esta Casa, apresentando um projeto de tão alto relevo, num momento tão significativo da vida brasileira, quando novos rumos, esperamos nós, aconteçam de amanhã em diante, neste País. Em nome do PMDB, e pessoalmente fazemos votos de que V. Exa brilhe, como sempre brilhou na vida pública, na nova missão que o povo lhe outorgou, através do Colégio Eleitoral, como Vice-Presidente da República do Brasil. Faço votos pessoais de felicidade à sua família, e esperamos que V. Exa, algum dia, ainda possa voltar ao Senado, porque é um jovem Vice-Presidente da República que poderá atuar muito na vida pública, através do Senado, através da Presidência da República, enfim, em outras missões importantes da vida brasileira. Felicidades a V. Exa.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado, Senador Gastão Müller.

O Sr. Carlos Chiarelli — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY— Com muita honra, concedo o aparte a V. Exa.

O Sr. Carlos Chiarelli — Na qualidade de Líder da Frente Liberal, não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade, que não é de despedida, segundo diz V. Exa, mas é de um “até breve”, para registrar também o testemunho do apreço, de estima e de admiração de todos quantos integram a nossa Bancada, particularmente o nosso apreço pessoal pelo seu exemplo de vida pública, pela sua liderança na ação político-partidária, e ajuntar a esse testemunho os nossos votos renovados, reiterados, fraternos e solidários para que o seu amanha seja tão exitoso quanto o seu ontem, e que a parcela significativa, com que haverá de contribuir para o processo crescente de democratização brasileira, venha a ser reconhecida e cada vez mais testemunhada nessa carreira ascendente. Êxito, estimado colega José Sarney, êxito para V. Exa, felicidades à sua família, e a certeza de que estaremos todos aqui solidários para que essa empreitada seja absolutamente exitosa, porque sendo ela exitosa, exitoso será o nosso País.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado, Senador Carlos Chiarelli.

O Sr. Nelson Carneiro — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Ouço, com muita honra, o Senador Nelson Carneiro.

O Sr. Nelson Carneiro — É com grande alegria que revejo o velho companheiro dos anos distantes de 1957, 58, da Câmara dos Deputados, através de uma brilhante carreira política, ascender à Vice-Presidência da República. E principalmente porque a atividade política, tão combatida neste País, afinal encontra uma razão de estímulo na convocação de tantos homens púbicos para integrar o Governo que amanhã se instala. Em nome do meu Partido, quero formular à V. Exa os melhores votos de êxito e a certeza de que continuará, na Vice-Presidência da República, a carreira brilhante iniciada nos dias distantes da juventude.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito grato, Senador Nelson Carneiro.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, desejei, como disse de início, marcar a minha saída do Senado Federal com um gesto de ação parlamentar…

O Sr. Lourival Baptista — Permite V. Exa um aparte, nobre Senador José Sarney.

O SR. JOSÉ SARNEY —… como se não estivesse saído, mas como se estivesse entrando, mantendo a mesma chama que tem um parlamentar quando deseja, através de um projeto, de uma iniciativa parlamentar, fazer com que as suas ideias sejam discutidas e que sejam transformadas em leis, para que se possa cumprir a destinação dessa lei.

Neste sentido, Sr. Presidente, eu quis marcar no Senado aquelas duas vertentes que foram sempre as vertentes maiores da minha vida: a vocação da política, o destino da política, e a vocação da literatura. Nunca passou um dia na minha vida que eu não tivesse esse convite de noivado para as coisas que dizem respeito às razões maiores do espírito. Na minha casa, duas coisas jamais existiram: estante vazia, e os meus ouvidos fechados para o clamor e os destinos dos povos. Quero, portanto, deixar o Senado colocando, aqui, no final desta carreira, desta parte da minha vida que se encerra, essas duas fidelidades, que continuarei a preservar, uma sendo projeção da outra, e uma amarrada indissoluvelmente à outra.

Ouço o eminente Senador Lourival Baptista.

O Sr. Lourival Baptista — Eminente Senador José Sarney, o projeto que V. Exa apresenta à Casa, às vésperas de assumir a Vice-Presidência da Republica, projeto que visa inserir no processo de desenvolvimento econômico o desenvolvimento cultural, se caracteriza, primordialmente, pela excepcional categoria, seriedade, realismo e valor dos conceitos emitidos. Os profundos conhecimentos e o integral domínio dos temas abordados, credenciam a V. Exa, Senador José Sarney, perante a nação brasileira, como autêntica estadista, o político atualizado, sensível às flutuações da conjuntura, as necessidades, angústias e exigências da sociedade traumatizada pelas crises. O administrador competente, de vasta experiência, e de comprovada capacidade empreendedora, e o exímio escritor, que pelo seu invulgar talento, já conquistou na Academia Brasileira de Letras a imortalidade literária nos domínios do ensaio, da poesia, do romance, da estética e da crítica. Todavia, nessa hora, desejaria apenas, nos limites deste aparte, congratular-me com o Senador da República e o Congresso Nacional pelo fato de que V. Exa deverá assumir amanhã a Vice-Presidência da República. Como um de seus amigos de muitos anos, de árduas pelejas, rogo a Deus que o seu destino luminoso lhe proporcione crescentes vitórias a serviço do seu Estado do Maranhão, do Nordeste e do Brasil. Fiel à sua vocação cristã, de um político de rara sensibilidade, engajado nas duras batalhas pelo desenvolvimento autossustentado da Nação, sempre atento às experiências do povo, da justiça social e da liberdade. Felicito a V. Exa, eminente Senador José Sarney, como um dos verdadeiros construtores do Estado de Direito. Paladino de uma renovada e autêntica democracia, condição preliminar para transformação do Brasil, a curto prazo, em uma potência mundial, V. Exa honrou esta Casa, trabalhou, dignificou e defendeu as causas e interesses, não só do seu Estado, mas do Nordeste e do Brasil.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado, Senador Lourival Baptista.

O Sr. Luiz Viana — Permite-me V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Com muita honra, nobre Senador Luiz Viana.

O Sr. Luiz Viana — Talvez eu seja, nesta Casa, um dos mais antigos — não direi os mais velhos, — colegas e amigos de V. Exa, de forma que no momento em que V. Exa aqui chega para trazer a sua palavra de despedida, às vésperas de assumir a Vice-Presidência da República, eu não poderei calar-me, e quero dar um testemunho do interesse, do entusiasmo, do conhecimento com que eu acompanho a carreira de V. Exa desde os idos da década de 60, isto quer dizer que há cerca de vinte anos, ou há mais de vinte anos, eu acompanho a trajetória brilhante, fecunda, operosa de V. Exa, que agora ascende ao segundo posto da República, a Vice-Presidência da República, onde, certamente, continuará com o mesmo modo como atuou aqui no Senado, logrando a admiração, a estima, o apreço de seus colegas ao trabalhar pelo Brasil, mas, sobretudo, pelo nosso pobre Nordeste. V. Exa vai à Presidência da República e deve ir com a consciência de que é um homem do Nordeste e que deve ajudar aquela pobre e sofrida região que, realmente, reclama uma atenção maior da República e do Governo. Faço os meus melhores votos pela felicidade pessoal de V. Exa e pelo seu êxito na ação que certamente vai desenvolver em favor da nossa pobre e sofrida região.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado a V. Exa nobre Senador Luiz Viana.

O Sr. Helvídio Nunes — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Com muita honra, nobre Senador Helvídio Nunes.

O Sr. Helvídio Nunes — Eminente Senador José Sarney, cada um evoca a sua razão e procura a sua justificativa para participar do discurso que V. Exa profere nesta tarde. À exemplo dos que me precederam eu invoco o direito de vizinhança — V. Exa do Maranhão e eu do Piauí. Ontem, na honrosa visita que me fez, V. Exa em nome desta amizade que já dura muitos anos, me lembrou um fato muito interessante: é que em 1970 foram poucos os que deixaram o Governo para pleitear a representação dos seus Estados no Senado Federal: V. Exa, o Senador Lourival Baptista e eu. De maneira que em nome do passado, em nome da nossa amizade pessoal e em nome da união inseparável e indissolúvel dos nossos Estados, pois que o rio não nos separa, nos aproxima ainda mais, eu quero neste instante desejar a V. Exa que a partir de amanhã, no desempenho das suas novas funções, toda sorte de felicidade e dizer-lhe que ontem como hoje o nosso Nordeste, a nossa sofrida região, muito espera da sua participação e do seu trabalho.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado a V. Exa Senador Helvídio Nunes.

Srs. Senadores, estou chegando ao fim destas breves palavras com que, não querendo me despedir, despeço-me do Senado. Há alguns dias que procuro me defender das emoções destes dias. São 28 anos que deixo dentro destas duas casas do Parlamento Nacional. Aqui assisti claros dias de sol e de floração das instituições democráticas. Aqui também assisti dias tristes, turvos e chuvosos, de tempos difíceis da política brasileira. Graças a Deus saio hoje do Senado num alvorecer de um momento extraordinário de floração de grandes esperanças no País.

Agradeço aos meus eminentes colegas, Senadores da República, a gentileza dos apartes que me deram e que este não se transforme num discurso de despedida, mas que eu transforme num momento de alegria em que todos nós, conjuntamente, comungamos dos mesmos ideais e das mesmas esperanças, independente das barreiras partidárias, porque este é o momento de união do Brasil para vencer as dificuldades que aí estão.

Tenho a nítida visão histórica e política da missão que irei exercer. Posso dizer ao Senado da República que exercerei a Vice-Presidência com absoluta doação, com total sacrifício, com uma visão maior das minhas responsabilidades de político, num momento de restauração do Poder Civil. E aí terei sempre presente, não a minha posição pessoal, mas a de todos nós, políticos responsáveis por um momento extraordinário da história deste País.

O Sr. Moacyr Duarte — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Ouço o Senador Moacyr Duarte.

O Sr. Moacyr Duarte — Eminente Senador José Sarney, nós estamos ouvindo dizer, todas as horas e todos os dias, e se apregoa também que estamos nos umbrais de uma nova era, vivendo véspera de um novo tempo, antevendo o advento de uma nova República, que o Autoritarismo está agonizante e em véspera de expirar, removidos todos os requisitos e todos os entulhos para ceder lugar ao Reino da Liberdade, não ao da Dinamarca, e ao império da Lei. A palavra mudança, nos últimos tempos, revestiu-se de caracteres cabalísticos, e de tanto ser repetida passou a se constituir em um truísmo.

A nossa confiante expectativa é que o vocábulo não corresponda à realidade, e que essa mudança tão apregoada se constitua em mudança de hábitos, em mudança de comportamentos, em mudança de métodos, em mudança de atitudes. E que V. Exa a partir de amanhã passe a ser um dos obreiros desse novo edifício, o edifício das mudanças, mas que essas mudanças não tardem, pois se tornam imperiosa e urgentes, e que V. Exa seja um daqueles obreiros que irão edificar o grande edifício que esperamos.

E sobretudo que ele seja erguido em bases sólidas, não em alicerces falsos, para que não se transforme torto e perdido como a Torre de Pisa. Estou certo de que V. Exa haverá de oferecer a sua contribuição para que não se frustrem as esperanças do povo brasileiro.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado a V. Exa, nobre Senador Moacyr Duarte.

O Sr. Milton Cabral — Permite V. Exa um aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Ouço V. Exa com grande prazer, Senador Milton Cabral.

O Sr. Milton Cabral — Meu caro Senador José Sarney, desde 1970, portanto há 14 anos, frequentamos este mesmo plenário, participamos de muitas lutas, assistimos muitos episódios da vida política brasileira, e V. Exa sempre apareceu colocando a sua experiência, os seus conhecimentos, a sua inteligência na solução dos problemas brasileiros. Saúdo, em V. Exa, Senador José Sarney, o bom companheiro, o caro amigo, o grande político que, nesta hora, despede-se da sua Casa para assumir a Vice-Presidência da República, até de uma forma muito original, porque V. Exa deixa à nossa consideração um projeto de lei, o seu último ato de presença nesta Casa. As palavras que acabei de ouvir dos meus companheiros, no Senado Federal, salientando a nobre missão que V. Exa irá desempenhar, ao lado do Presidente Tancredo Neves, tem para mim um especial significado. Estou certo, agora, senhor vice-Presidente José Sarney, de que a tão ansiosa, a tão esperada mudança que esperamos ver realizada, no Brasil, terá sua plena viabilidade, porque V. Exa, com o seu talento, com a sua inteligência e com a sua experiência, ao lado do Presidente Tancredo Neves, farão cumprí-la e o Brasil, a nação brasileira começa, neste 1985, um novo período de esplendor da sua História. É o aparte que eu queria registrar, neste momento de emoção e de saudade que deixa V. Exa, ao se despedir do nosso convívio.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado a V. Exa, nobre Senador Milton Cabral.

O Sr. Carlos Alberto — Permite V. Exa uma aparte?

O SR. JOSÉ SARNEY — Pois não. Ouço o aparte de V. Exa, nobre Senador Carlos Alberto.

O Sr. Carlos Alberto — Nobre Senador José Sarney, V. Exa, que amanhã, ao lado do Ex-Governador Tancredo Neves, sobe a rampa do Palácio do Planalto para exercer o cargo de Vice-Presidente da República, é uma prova inequívoca de que os tempos são outros. Ouviu muito se falar, nesta Casa, de autoritarismo, de ditadura, de regime autoritário, dos casuísmos impetrados e engendrados pelo Palácio do Planalto, engendrando fórmulas para perpetuação do poder. V. Exa é uma prova cabal; V. Exa é uma prova inequívoca, para esta Nação, de que o Brasil mudou; V. Exa é uma prova de que a democracia já reina nesta Nação, porque V. Exa se despede do Senado Federal, nesta tarde, se despede de seus companheiros para assumir a Vice-Presidência da República. V. Exa que foi eleito por um Colégio Eleitoral formado por políticos, saiba V. Exa, nesta hora, em que jogamos em terrenos opostos, V. Exa de um lado, e este jovem parlamentar advogando a causa da eleição de um outro candidato, mas que se curva diante do regime democrático, pois exercitamos a democracia. E democracia é isto, Senador José Sarney, é reconhecer que V. Exa é o vitorioso, que V. Exa haverá de ser, no Palácio do Planalto, junto com o Presidente Tancredo Neves, um defensor das causas mais nobres das aspirações populares. Tenho certeza de que V. Exa, político vitorioso que é, haverá de ser aquele que dá respaldo às nossas reivindicações; haverá de dar respaldo às aspirações populares, porque, como representante do povo do Maranhão, V. Exa aqui chegou para ser Senador da República. E, pelo voto do Colégio Eleitoral, V. Exa agora chega à Vice-Presidência da República. Senador José Sarney, o Brasil mudou, porque V. Exa é hoje Vice-Presidente, dando uma prova inequívoca de que o autoritarismo foi banido desta Nação. Meus parabéns, e chega à Vice-Presidência sem nenhum rancor daqueles que participaram de uma luta adversa de V. Exa.

O SR. JOSÉ SARNEY — Muito obrigado à V. Exa, nobre Senador Carlos Alberto.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, de nenhuma maneira desejo transformar estas breves palavras em palavras que tenham qualquer conotação de natureza polític. Desejo, finalmente, agradecer a todos os senhores senadores as atenções, o afeto, o carinho que sempre recebi ao longo da minha passagem por esta Casa. Tenho absoluta impossibilidade — talvez seja um defeito, mas eu acho que é uma virtude — de ter ressentimento ou de ter ódio. Se eu fizesse um exame de consciência, ao longo de toda minha passagem pelo Congresso Nacional, eu não retiraria um dia, um momento, um instante de amargura para levar comigo no momento em que saio desta Casa. Ao contrário, o que levo é a certeza de que daqui nunca, em nenhum instante, as barreiras ou as posições políticas fizeram com que nós não fossemos criaturas humanas que soubessem compreender a posição de cada um, que soubessem pensar nos motivos, nas intenções e nas motivações que levavam cada um de nós a ter a sua posição política.

Assim, saio do Senado Federal grato, grato aos homens, meus companheiros desse tempo todo, e grato a Deus pela ventura e pelo destino que me deu e me entregou de poder, nessa trajetória imensa, de tantas paixões que vivi, e de tantas emoções, que eu pudesse sair neste dia que deixo a todos o meu carinho, a mesma amizade e o mesmo reconhecimento.

Aos funcionários desta Casa, a todos os funcionários, dos humildes aos mais altos, a todos eles, também, o meu agradecimento, porque fizeram parte das nossas vidas nesses anos todos, ajudando nosso trabalho, colaborando de maneira modesta ou mais alta para o desempenho das nossas funções.

Finalmente, devo dizer que, destes 28 anos passados no Congresso Nacional, levo grandes recordações. E digo recordações para não dizer saudades, que é uma palavra bem portuguesa, mas que diz tudo numa abrangência de um universo de sentimentos que todos sabem o que é.

Fui chamado, também, pela parte de alguns companheiros, para que não me esquecesse do Nordeste, minha terra, minha área, esse Nordeste sofrido que me deu, nas terras do Maranhão, a presença de uma mãe pernambucana, de um avô paraibano, que foi retirante da seca de 22, e que conheceu o tição das caminhadas, dos pés rachados, dos jegues abandonados, dos bichos mortos, na dura busca da esperança do Maranhão. Que lá morreu feliz, dizendo que o destino tinha lhe dado tanta sorte que ele, pobre lavrador, morria com o neto que tinha sido até Governador do Estado.

Esse Nordeste jamais poderei esquecer; ele está dentro de mim porque é terra do meu sangue. Nordeste que, dentro da chapa que amanhã assume as altas funções do Poder Executivo, nesta terra está politicamente afirmado, uma vez que o Presidente Tancredo Neves tendo as suas raízes no Sul do País, as minhas raízes estão no Nordeste. Nessa junção temos a unidade nacional. Esse Nordeste, como eu disse, que eu jamais poderei esquecer, porque ele começa dentro da minha terra, aquela terra que invoquei, como Rui Barbosa invocou nesta Casa, no primeiro instante em que aqui pisou, porque o meu Nordeste começa no Maranhão, minha terra, minha paixão.

Muito obrigado. (Muito Bem! Palmas! O orador é efusivamente cumprimentado.)

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

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