Ivan Junqueira •
Poeta e jornalista. Foi da Academia Brasileira de Letras.
Sobre Saudades Mortas
Os passos lentos da falecida Tia Zica no quarto assombrado por mil cavalos de vento. O caixão do avô de fraque, colete e botina, preparado para uma festa de cinzas aonde se chega e de onde não se volta. A amarga madrugada do recordar brilha e aparece entre tipos datilográficos e aranhas, e o teclado de santa alucinação produz linhas comoventes, cortantes, singelas.
A flor da memória desabrocha nos censários remotos da infância no Maranhão, no anseio do adolescente, nos parentes que hoje são um retrato na moldura redonda e polida, na descoberta do amor. A nostalgia, porém, não é mórbida. Ainda que a raiz de ‘saudade’, essa preciosa palavra da língua portuguesa, esteja no latim solitate (solidão), José Sarney trata, antes, de evocá-la sempre com os olhos para o futuro:
Passa a borrasca,
a torpe travessia
esvai-se na onda dissipada.
Renasce a luz,
e de novo esperamos viver.
Em seu alto voo lírico, os poemas deste livro encarnam à perfeição a epígrafe buscada no primeiro dos Quatro quartetos de T.S. Eliot: “O tempo presente e o tempo futuro / Estão ambos talvez presentes no tempo futuro / E o tempo futuro contido no tempo passado”, na brilhante tradução do poeta.