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A Palavra do Sarney

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A Reforma Agrária

Palácio do Planalto, Brasília, 10 de outubro de 1985 Quando o Presidente Tancredo Neves, no início deste ano, esteve com o Papa João Paulo II, ouviu dele apenas um pedido: a realização da reforma agrária no Brasil. Se este desejo estava no coração de Sua Santidade e estava provavelmente tanto pela coerência da política social da Igreja, estabelecida desde Leão XIII e confirmada por João XXIII e Paulo VI, quanto pelo que seus olhos viram no Brasil, ele está também no coração de todos os homens de responsabilidade deste País. Continue a ler

Convocação da Assembleia Nacional Constituinte

Palácio do Planalto, Brasília, 15 de março de 1985 As nações, como os homens que a constituem, são imperfeitas construções da História. Não há povos — nem homens — servidos apenas de virtudes, nem aqueles submissos inteiramente aos pecados. Mas ao mesmo tempo as nações, como os homens, carregam em si, com suas imperfeições, a busca do ideal e da perfeição, procurando recuperar os caminhos que tenham sido perdidos nas tardes da aventura e nas noites do medo. É, pois, sinal do homem, assim como das nações, a ânsia da Continue a ler

Discurso Inaugural

Palácio do Planalto, Brasília, 15 de março de 1985 Eu estou com os olhos de ontem. E ainda prisioneiro de uma emoção que não se esgota. O Deus da minha fé, que me guardou a vida, quis que eu presidisse a esta solenidade. Ele não me teria trazido de tão longe, se não me desse também, na sua bondade, as virtudes da paciência, do equilíbrio, da coragem, do idealismo, da firmeza e da visão maior das nossas responsabilidades perante esta Nação e sua história. Na forma da Constituição Federal assumi Continue a ler

As Reformas de Base

Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 18 de março de 1964 Senhor Presidente, Senhores. Deputados, a tônica de todos os discursos proferidos nesta legislatura, e já na legislatura anterior, é a grave crise nacional. Aliás, ela já se tornou um fato cotidiano na nossa vida. Acima das palavras, encontramos a gravidade do momento presente na própria divergência entre a estrutura social e a política. Há um ano, na União Democrática Nacional, ao inaugurarmos a legislatura, tentamos nós, um grupo de Deputados, fixar uma posição que desse ao partido e à Nação a Continue a ler

Claude Lévi-Strauss

  Mitologia Popular Quase não conheço a costa norte do Brasil e menos ainda a vida de seus pescadores. Porém, vivi o suficiente no interior para familiarizar-me com a linguagem, o espírito, os costumes, as crenças do povo e reencontrei com emoção, em sua obra, muitos elementos de um patrimônio comum. Como etnólogo, fiquei sensibilizado pela atenção que José Sarney dedica à pesca, a seu vocabulário, a suas técnicas locais. Mas o que me tocou acima de tudo é a arte com a qual Sarney demonstra como um gênero de Continue a ler

Mário Soares

  Uma história de água, de mar e de céu Fiquei verdadeiramente impressionado com a qualidade literária do romance O Dono do Mar. É uma verdadeira obra-prima. Já falei disso com o meu amigo Alçada Baptista, aqui presente, que, com a autoridade de ser um grande escritor, disse-me que ficou extremamente impressionado. A verdade é que esta leitura se torna compulsiva. Começa-se a ler o livro e só se acaba quando o livro termina, pois é realmente apaixonante. É um livro de que não há muitos exemplos na literatura portuguesa, pois, como Continue a ler

Antonio Maura

Antonio Maura • Escritor e crítico. Sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras. Revista Encontro, do Gabinete Português de Leitura, pgs. 206/208, Ano 15, número 15, 1999.   Gente de carne e sonhos A ilha do Maranhão está cercada de águas, rodeada de arrecifes, cabos, promontórios, grutas, cavernas marinhas, enseadas, praias e alcantilados. A cidade, São Luís, cheira a breu e a coisas do mar. A brisa chega até ela carregada de olores e recordações, de vozes e de ruídos do mar. Somente alguém que nasceu e viveu, na infância, cercado por Continue a ler

João Mohana: sobre “Norte das Águas”

  Um Humanista que se Fez Abelha Noites de autógrafos deixaram de ser fatos esporádicos na vida do Maranhão. O que testemunha a fecundidade dos homens de letras desta terra. Hoje a noite e o livro são do intelectual José Sarney, José Sarney cuja presença foi uma constante nas noites de autógrafos realizadas nesta Galeria, presença que sempre se fez transbordar em palavras de apoio, de estímulo, de solidariedade. Agora aqui estamos com o intuito de retribuir solidariedade com solidariedade. Para mim é fácil também transbordar de palavras a minha Continue a ler

Por que São Luís?

A grande tarefa de 1966 era tirar o Maranhão do século 19 e trazê-lo para o século 20. Era um estado totalmente desintegrado e sem cabeça, isto é, sem capital. O sul do Maranhão estava ligado a Goiás e a economia do lado do Tocantins ao Pará. Toda a vida na densa floresta amazônica que acompanhava a rodovia Belém-Brasília e em torno das nascentes do Mearim, do Pindaré e do Grajaú se voltava para o Pará e Goiás, sem nenhuma ligação com o Maranhão. A margem esquerda do Rio Parnaíba, Continue a ler

Noé Jitrik

Noé Jitrik•Escritor, crítico e professor. Considerado o mais importante crítico literário da América hispânica. Por ocasião do lançamento de Saraminda, na XV Feira Internacional do Livro, Guadalajara, México, 3 de dezembro de 2001.   O jogo de duas forças O fato de que José Sarney seja ex-presidente de um país, o que não é ser ex-presidente de qualquer entidade, pode condicionar em certa medida a leitura de seus textos — me condicionou, sem que eu possa medir até que ponto — influi, é inevitável, inibitoriamente; mas quando alguém não tem Continue a ler

Maranhão (2)

Dou prosseguimento ao meu testemunho sobre o que era o Maranhão quando assumi o governo em 1966. Afirmei então que vivíamos no século 19, pois não havia Estado (no seu conceito moderno) funcionando.  Era a estagnação e a ausência de serviços públicos: nem médicos, nem equipamentos de saúde, nem saneamento, nem leis que representassem a busca do bem público. O que existia era o poder do mando, era uma classe que, se apoderando das funções do Estado, em seu nome explorava o povo, condenado à pobreza absoluta. Vinham da Colônia Continue a ler

Quintino: a verdade da democracia

A manifestação da vontade da nação de hoje pode não ser a manifestação da vontade da nação de amanhã, e daí resulta que, ante a verdade da democracia, as constituições não devem ser velhos marcos da senda política das nacionalidades, assentadas como a consagração e o símbolo de princípios imutáveis. As necessidades e os interesses de cada época têm de lhes imprimir o cunho de sua individualidade. Quintino Bocaiúva, no Manifesto Republicano

Fernando Pessoa: António Vieira

António Vieira O céu estrela o azul e tem grandeza.Este, que teve a fama e a glória tem,Imperador da língua portuguesa,Foi-nos um céu também, No imenso espaço seu de meditar,Constelado de forma e de visão,Surge, prenúncio claro do luar,El-Rei D. Sebastião. Mas não, não é luar: é luz do etéreo.É um dia; e, no céu amplo de desejo,A madrugada irreal do Quinto ImpérioDoira as margens do Tejo.  Fernando Pessoa, em Mensagem

Nabuco: a causa do futuro

Há uma causa maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão.  Quando mesmo a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime daria lugar a uma série infinita de questões, que só poderiam ser resolvidas de acordo com os interesses vitais do país pelo mesmo espírito de justiça e humanidade que dá vida ao abolicionismo. Continue a ler

Como era o Maranhão

Em 1966, ao assumir o Governo do Maranhão, constatei de que não podíamos debitar somente aos governadores, meus antecessores, a situação de bagunça em que estava a administração do Estado. Na verdade ela não existia. Basta, como exemplo, dizer que a contabilidade era feita à mão, num daqueles velhos e grandes livros iguais aos do comércio de “deve” e “haver”. Meu primeiro ato foi ir ao Tesouro e, com um lápis vermelho, encerrar esse livro e escrever: “Aqui começa um novo Maranhão.” Já citei uma vez o grande chefe político Continue a ler

Esquecer e Lembrar

Os psicanalistas apresentam como certeza que a gente não esquece as coisas pelas quais guarda interesse e esquece as que não nos interessam. A memória se encarrega dessa diabólica lei seletiva. Isso para a política é trágico, porque o bem que se faz é logo esquecido, e os inimigos ficam inventando sempre o mal que não se fez. O Senador Vitorino Freire, que marcou sua chefia política com mão de ferro, dizia adotar em relação aos adversários a seguinte conduta: “Quando meus inimigos não têm rabo, eu ponho rabo neles.” Continue a ler

A Guerra de Carajás

As minas de ferro de Carajás determinaram uma guerra entre o Pará e Maranhão. É que essas minas, das maiores do mundo, pela sua localização no interior do Pará, não tinham como escoar sua enorme riqueza. Desencadeou-se uma guerra para saber como viabilizar seu aproveitamento. O escoamento seria por via fluvial ou terrestre — ferroviária? O Pará reivindicava a via fluvial, pois assim todas as receitas de sua exploração seriam naquele estado. Acontece que ele, dos mais ricos do Brasil, não dispunha de porto com o calado necessário para escoar Continue a ler

2020 e Alcântara

O Ano Novo pode marcar uma data histórica para o futuro e o progresso do Maranhão. É que acaba de ser aprovada a autorização para que a Base de Alcântara possa abrir-se ao mercado internacional de lançamento de foguetes portadores de satélites.  Isso significa que o Maranhão poderá participar de uma indústria de ponta, que tem um poder germinativo capaz de criar indústrias paralelas, formação de recursos humanos e ser um pólo de referência mundial, competindo com Kourou, na Guiana Francesa, onde os franceses têm, desde 1968, uma de suas Continue a ler

O político trabalha para todos

É com humildade que eu tenho dito, e repito, que preciso cada vez mais do apoio e da coesão de todos, que como políticos temos a missão mais alta dentro da sociedade. Porque se os outros têm que trabalhar para assegurar os seus objetivos pessoais, nós políticos somos aqueles que, dentro da sociedade, trabalhamos para todos. É a definição que eu li, quase desapercebidamente colocada nos Autos da Devassa da Inconfidência, quando se armou uma farsa para mostrar que Tiradentes estava conspirando, conspiração que ele fazia pela independência do Brasil. Chega Continue a ler

Louvemos a Mãe de Deus

“Numa mulher não se bate nem com uma flor” — esse era o mantra da minha geração. A mulher era o objeto maior da criação. Ninguém tem vida senão através de uma mulher, a criatura mais adorável do mundo, nossa mãe.  O Novo Testamento tem uma protagonista, ao lado de Jesus Cristo, que é Maria. Nossa Senhora é a personagem essencial no nascimento e na morte de seu Filho. Ao receber o anúncio do Anjo Gabriel, Maria responde com o mais belo dos hinos:  “A minha alma exalta o Senhor e o Continue a ler

Pergentino, o jornalista que se fez PH

Comecei no jornal, aos dezesseis anos, ganhando um concurso de reportagem em que concorri, com um trabalho que tinha como tema a Quinta do Barão — ou Laranjeiras —, que pertenceu ao comerciante maior do Maranhão, José Gonçalves da Silva, o “Barateiro”, cuja filha casou-se com o Barão de Bagé. Daí o nome de Quinta do Barão. Em O Imparcial ocupei todos os degraus, a começar pelo de repórter de setor policial, em que cobri polícia, com o fotógrafo Azoubel, durante dois anos. Fui secretário (nomenclatura daquele tempo), redator-chefe, articulista, editorialista e adquiri Continue a ler

São Luís em Dezembro

O sinos do Natal já podem ser ouvidos nos seus sons distantes. Quando eu era menino e começava, em São Bento, a descobrir o mundo com suas belezas, a primeira coisa que me encantava era o campo verde, lindo tapete de capins: andrequicé, arroz brabo, canarana, capim de marreca. Depois eram os passarinhos que via pousados no fio de telégrafo que atravessava o campo e perdia-se no infinito. As garças elegantes e brancas olhavam desconfiadas para os lados, sempre atentas a qualquer peixinho que passava nas águas rasas e não Continue a ler

Crise de caráter e de conduta

Estamos com a impressão de que o atual sistema eleitoral-partidário chegou ao fim. Apodreceu. Não pode sobreviver. Não temos o direito de deixar que sobreviva. Ele, sem nenhuma dúvida, tem responsabilidade sobre os males que atravessamos, sobre a qualidade de recursos humanos que surgiram na vida partidária. Que aqueles que denegaram os valores da política sejam punidos e afastados da vida pública. Nada de contemplações nem acomodações. Mas não podemos dar absolvição às instituições políticas que produziram um caldo de cultura que permite o desmoralizante abuso do poder econômico, o Continue a ler

Todo homem é um político

Todo homem, por força de sua condição social, é necessariamente um político, tanto por querer influir na comunidade a que pertence quanto por defender essa comunidade. Ninguém se dissocia desse modo de ser, tão antigo quanto o próprio homem. É consubstancial à natureza humana. A ordenação política é uma luta permanente entre duas tendências: a tendência que leva à ordem, pela disciplina autoritária e vigilante, e a disciplina que freqüentemente se rompe, para que o processo social se revitalize, buscando formas de existência e afirmação. Uma, restringe a liberdade; a Continue a ler

Partidos verdadeiros

Os verdadeiros partidos não são apenas aqueles que eventualmente conheceram o êxito da democrática disputa pelo voto. São, sobretudo, os que, alcançando o poder, tornam-se capazes de colocá-lo em sintonia com a sociedade, transformando-o em instrumento de modernização não só do Estado, mas da própria sociedade. Discurso no Palácio do Planalto — 28/8/1986

Voto Partidário

Creio que também é necessário, na próxima eleição, acabarmos com o voto pessoal e adotarmos o voto de lista. Sei que isso é algo contraditório, a que muitos são contrários, mas tenho o dever de expor o meu ponto de vista. Este é o momento de cauterizarmos a ferida que está sangrando, e temos de cauterizá-la imediatamente. Temos de tomar medidas heroicas; a do voto partidário, sem dúvida, é uma delas. Não é uma solução definitiva, mas de transição, até que se decida por um sistema melhor. Discurso no Palácio Continue a ler

Participação e Transição

Mas a transição maior foi aquela que não se vê e é mais profunda: a mudança da sociedade brasileira. Esta era profundamente elitista, as decisões restritas a um núcleo pequeno e privilegiado. As classes trabalhadoras não tinham voz. Havia mesmo uma escala de gradação nos segmentos sociais, uma espécie de castas. Tudo mudou. Hoje, os patrões sabem que somos uma democracia, na qual o seu empregado não é mais o servo que trabalha e dele depende. Ele tem sua própria força, de suas organizações, de sua identidade. Não só a Continue a ler

A Baixada

A Baixada é um lugar onde o horizonte não acaba. Tudo plano, numa vista sem fim, onde, na época das chuvas, as terras ficam cheias de lagos e pântanos, e os caminhos desaparecem. A natureza é de uma serenidade não perturbada senão pelo vento, pela luz e pela chuva. No ano em que nasci, nas estações invernosas só andavam o boi-cavalo e a canoa montaria, deslizando entre caminhos que se abrem entre as plantas aquáticas. Os primeiros ocupantes ali chegaram no destino de criar gado. Criação extensiva, animais soltos em Continue a ler

Eu, os negros e a Fundação Palmares

O Brasil nasceu quase junto com sua maior injustiça: a escravidão negra. Por ela, as pessoas eram coisas. No Maranhão ela assumiu ares oficiais: a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará tinha monopólio estatal da venda de escravos.  Na época da Independência José Bonifácio pretendia combinar o fim da escravidão com a reforma agrária. E dizia que o Brasil precisava da “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.  Dividi com meu amigo Afonso Arinos, autor da lei que leva o seu nome, de considerar crime a discriminação racial, a Continue a ler