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Quando um Natal sem guerra?

Quando um Natal sem guerra?

Há setenta e cinco anos — em 10 de dezembro de 1948 — a Organização das Nações Unidas fez o seu mais importante documento: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Resolução 217, pelo voto de 48 dos 58 membros da ONU, aprovou o texto redigido por uma comissão dirigida por Eleanor Roosevelt, viúva do grande presidente americano e um símbolo da luta pelos direitos civis. Foi escrita por grandes personalidades, como o nosso Austregésilo de Athayde, o canadense John Peters Humphrey, o libanês Charles Malik, o chinês P.C. Chang e o francês René Cassin.

A “Declaração” não é uma convenção e não tem efeito vinculante, de modo que ninguém a obedece. Se tivesse efeito vinculante, também não seria obedecida: nada é tão desrespeitado no Mundo quanto o que dizem as Nações Unidas.

Quando a “Declaração” foi aprovada, a Assembleia Geral determinou que fosse feita uma minuta de convenção que a exprimisse. Logo se decidiu desdobrá-la em dois pactos: um de direitos civis e políticos e outro de direitos econômicos e sociais. Esses pactos foram adotados pela Resolução 2200A, de 1966, mas só entraram em vigor 10 anos depois.

Em 28 de novembro de 1985 assinei Mensagem encaminhando ao Congresso Nacional a adesão do Brasil a estes dois pactos fundamentais e à Convenção Americana de Direitos Humanos — o Pacto de San José, de 1969, em vigor desde 1978 —, a que o Brasil ainda não havia aderido. Em agosto daquele ano de 1985, aliás, ao abrir a 40ª Assembleia Geral das Nações Unidas, eu assinara a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis ou Degradantes. Era um passo fundamental para afirmar o nosso respeito aos direitos humanos, e hoje esses pactos são garantidos por força do artigo 5º, LXXIX da Constituição.

A História dos Direitos Humanos é antiga, mas cheia de percalços. Durante milhares de anos a formação das sociedades ignorou toda situação universal. Os códigos da antiguidade definiam direitos para alguns grupos, inclusive crianças e mulheres — e até mesmo escravos —, mas as discriminações e punições eram bem mais amplas. Para comemorar o 20º aniversário da “Declaração”, a UNESCO editou uma coletânea de textos que se tornou um clássico. Ele reúne documentos filosóficos, religiosos e legais que tiveram influência na formação da ideia que viria a ser fixada em nosso tempo: a visão do outro, o valor da vida, a fonte e os limites do poder, a liberdade individual, a democracia, o direito de expressão, a igualdade perante a lei, o direito à educação, ciência e cultura, a proteção contra a escravidão e a violência — contra a força —, a identidade e a independência de países e povos, o direito natural etc.

O livro tem por epígrafe uma frase do grande jornalista e pensador argentino Mariano Moreno: “Qualquer déspota pode obrigar seus escravos a cantar hinos à liberdade.” É um aviso de que os Direitos Humanos, como quaisquer outros, podem ser usados para propaganda por pessoas que não os respeitam.

Para nós, cristãos, a História dos Direitos Humanos traz lembranças fundamentais neste sentido. Não há dúvida sobre a mensagem de Jesus Cristo. Os catecúmenos, em Roma, seguiam para o martírio sem resistência: o exemplo do desfazimento do gesto de Pedro resistindo com a espada não podia ser mais claro. Mas a Europa cristã foi um modelo de barbáries, culminando com as cruzadas e as guerras de religião, e um fundo de discriminação, violência, ódio. O mesmo retrato pode ser feito do islamismo e do judaísmo: a paz que a palavra sagrada traz é destorcida para virar violência que não respeita nem as bárbaras “leis de guerra”. E, com a diferença da complexidade da fé no resto do Mundo, a situação se repete universalmente.

Não preciso lembrar que a origem moderna dos Direitos Humanos está nas três grandes revoluções das potências ocidentais: a Gloriosa, inglesa, a americana e a francesa. As palavras de Jefferson, a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, as Bill of Rights inglesa e americana ecoam na “Declaração”, mas cada povo vê nela os mais altos postulados de suas raízes civilizatórias.

É, assim, por seu extraordinário efeito moral que a Declaração dos Direitos Humanos influencia a evolução da sociedade e lenta, mas paulatinamente vai sendo seguida. A violência — na guerra ou no crime comum —, a discriminação, a desigualdade de direitos recebem, cada vez mais, o repúdio universal.

Haverá um dia em que a indústria de armas será substituída pelos gestos de Paz. E poderemos nos juntar aos anjos para cantar na chegada do Menino: “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra entre as pessoas de boa vontade.”

Feliz Natal a todos os nossos leitores!

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Quando um Natal sem guerra?

 

Há setenta e cinco anos — em 10 de dezembro de 1948 — a Organização das Nações Unidas fez o seu mais importante documento: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Resolução 217, pelo voto de 48 dos 58 membros da ONU, aprovou o texto redigido por uma comissão dirigida por Eleanor Roosevelt, viúva do grande presidente americano e um símbolo da luta pelos direitos civis. Foi escrita por grandes personalidades, como o nosso Austregésilo de Athayde, o canadense John Peters Humphrey, o libanês Charles Malik, o chinês P.C. Chang e o francês René Cassin.

A “Declaração” não é uma convenção e não tem efeito vinculante, de modo que ninguém a obedece. Se tivesse efeito vinculante, também não seria obedecida: nada é tão desrespeitado no Mundo quanto o que dizem as Nações Unidas.

Quando a “Declaração” foi aprovada, a Assembleia Geral determinou que fosse feita uma minuta de convenção que a exprimisse. Logo se decidiu desdobrá-la em dois pactos: um de direitos civis e políticos e outro de direitos econômicos e sociais. Esses pactos foram adotados pela Resolução 2200A, de 1966, mas só entraram em vigor 10 anos depois.

Em 28 de novembro de 1985 assinei Mensagem encaminhando ao Congresso Nacional a adesão do Brasil a estes dois pactos fundamentais e à Convenção Americana de Direitos Humanos — o Pacto de San José, de 1969, em vigor desde 1978 —, a que o Brasil ainda não havia aderido. Em agosto daquele ano de 1985, aliás, ao abrir a 40ª Assembleia Geral das Nações Unidas, eu assinara a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis ou Degradantes. Era um passo fundamental para afirmar o nosso respeito aos direitos humanos, e hoje esses pactos são garantidos por força do artigo 5º, LXXIX da Constituição.

A História dos Direitos Humanos é antiga, mas cheia de percalços. Durante milhares de anos a formação das sociedades ignorou toda situação universal. Os códigos da antiguidade definiam direitos para alguns grupos, inclusive crianças e mulheres — e até mesmo escravos —, mas as discriminações e punições eram bem mais amplas. Para comemorar o 20º aniversário da “Declaração”, a UNESCO editou uma coletânea de textos que se tornou um clássico. Ele reúne documentos filosóficos, religiosos e legais que tiveram influência na formação da ideia que viria a ser fixada em nosso tempo: a visão do outro, o valor da vida, a fonte e os limites do poder, a liberdade individual, a democracia, o direito de expressão, a igualdade perante a lei, o direito à educação, ciência e cultura, a proteção contra a escravidão e a violência — contra a força —, a identidade e a independência de países e povos, o direito natural etc.

O livro tem por epígrafe uma frase do grande jornalista e pensador argentino Mariano Moreno: “Qualquer déspota pode obrigar seus escravos a cantar hinos à liberdade.” É um aviso de que os Direitos Humanos, como quaisquer outros, podem ser usados para propaganda por pessoas que não os respeitam.

Para nós, cristãos, a História dos Direitos Humanos traz lembranças fundamentais neste sentido. Não há dúvida sobre a mensagem de Jesus Cristo. Os catecúmenos, em Roma, seguiam para o martírio sem resistência: o exemplo do desfazimento do gesto de Pedro resistindo com a espada não podia ser mais claro. Mas a Europa cristã foi um modelo de barbáries, culminando com as cruzadas e as guerras de religião, e um fundo de discriminação, violência, ódio. O mesmo retrato pode ser feito do islamismo e do judaísmo: a paz que a palavra sagrada traz é distorcida para virar violência que não respeita nem as bárbaras “leis de guerra”. E, com a diferença da complexidade da fé no resto do Mundo, a situação se repete universalmente.

Não preciso lembrar que a origem moderna dos Direitos Humanos está nas três grandes revoluções das potências ocidentais: a Gloriosa, inglesa, a americana e a francesa. As palavras de Jefferson, a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, as Bill of Rights inglesa e americana ecoam na “Declaração”, mas cada povo vê nela os mais altos postulados de suas raízes civilizatórias.

É, assim, por seu extraordinário efeito moral que a Declaração dos Direitos Humanos influencia a evolução da sociedade e lenta, mas paulatinamente vai sendo seguida. A violência — na guerra ou no crime comum —, a discriminação, a desigualdade de direitos recebem, cada vez mais, o repúdio universal.

Haverá um dia em que a indústria de armas será substituída pelos gestos de Paz. E poderemos nos juntar aos anjos para cantar na chegada do Menino: “Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra entre as pessoas de boa vontade.”

Feliz Natal a todos os nossos leitores!

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