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Carlos Nejar: sobre “O Dono do Mar”

Carlos Nejar: sobre “O Dono do Mar”

Carlos Nejar•

Da Academia Brasileira de Letras. Gazeta, Vitória, 14 de março de 1996.

 

São as palavras que velejam

O tirocínio de político e estadista do ex-Presidente e Senador José Sarney tem longa e rica trajetória na vida brasileira e, como todos, sofre a justa depuração do tempo. Mas escrevo sobre o ficcionista José Sarney.

Recentemente, em Buenos Aires, quando o jornal La Prensa, um dos periódicos importantes da Argentina, fez uma reportagem a respeito de seu novo livro, O Dono do Mar, e me perguntou o que achava desse ficcionista maranhense, não tive dúvida de falar de minha admiração por sua obra-prima, o Norte das Águas. Tem a força da poesia e a revelação da terra no relato vigoroso de seres humildes e vivos.

Acabo de receber O Dono do Mar, publicado pela editora Siciliano, de São Paulo, que li com emoção e entusiasmo. O grande escritor maranhense criou um personagem inesquecível, entre outros, o Capitão Cristório, senhor das águas e da maré da noite. Sim, Cristório é um personagem mágico e mítico, desses que povoam a mente do leitor e não saem mais. Entre achados, ditos, lendas, crendices, paixões, ele avulta como criação prodigiosa, vivida, afim de um Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, um Capitão Rodrigo Cambará, de Érico Veríssimo, um Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos ou Maria Moura, de Rachel de Queiroz.

Há os escritores que criam linguagem cujos personagens são “personae”, ou máscaras, que são pano de fundo de símbolo, metáforas e é o caso de Borges no seu “homem cinza”, ou de Kafka, em K, tanto em O Processo quanto em O Castelo.

Há outros que se aprestam na invenção de carne e osso, rivalizando com as pessoas físicas que se inscrevem no registro civil. Balzac, Stendhal são exemplos.

E há os que trabalham nas duas correntes, mesclando-as com sabedoria. O estilo não é só o homem, como queria Buffon. O estilo é o sonho e o espelho. Entre esses últimos, insere-se José Sarney, cuja imaginação faz com que suas palavras e personagens naveguem. E passamos a gostar de suas criaturas, como amigos próximos, pela empatia que nos transmitem. E Cristório é o plasma e centro.

— “Que dia é hoje, Germana?
— Sexta-feira, seu Cristório. Chita Verde ganha as águas de
todos os mares! Eu sou um navio eterno!
— Cristório? Chamou Quertide…
— Cristório não! Capitão Cristório!
Patente do mar sem-fim, navio eterno, dono dos abismos, de
todos os oceanos, fantasma da noite neste mundão das águas.
E navegou.”

O dom é este: pelos seres, são as palavras que velejam.

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