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A Coluna do Sarney

A Democracia e as leis da guerra

Nos conceitos de progresso do ser humano que eram correntes quando iniciei minha vida, um dos que pareciam mais sólidos era o de que o homem deixara de ser um animal naturalmente violento para, adquirindo inteligência, organizar-se em paz. A ideia do progresso biológico foi desmentida pela simples aplicação da teoria da evolução, e a sociedade pacífica nunca prevaleceu. Continuávamos, no entanto, pensando que a Humanidade progredia em relação ao sistema de governo, encaminhando-se inexoravelmente para a democracia. Se não é verdade, pelo menos acreditamos que ela é a única Continue a ler

A Democracia e as leis da guerra

Nos conceitos de progresso do ser humano que eram correntes quando iniciei minha vida, um dos que pareciam mais sólidos era o de que o homem deixara de ser um animal naturalmente violento para, adquirindo inteligência, organizar-se em paz. A ideia do progresso biológico foi desmentida pela simples aplicação da teoria da evolução, e a sociedade pacífica nunca prevaleceu. Continuávamos, no entanto, pensando que a Humanidade progredia em relação ao sistema de governo, encaminhando-se inexoravelmente para a democracia. Se não é verdade, pelo menos acreditamos que ela é a única Continue a ler

De pernas para o ar

Quando eu nasci, em 1930, o Mundo já se encontrava num período de mudanças aceleradas. Acompanhei as maiores transformações do século 20, e Deus me deu a oportunidade de ver as deste começo de novo século. A maior delas foi a da comunicação. É claro que ela sofrera o primeiro choque no Egito, como conta o famoso diálogo entre Sócrates e Fedro, em que o Deus Thoth traz ao rei a escrita e escuta a terrível interrogação: “Mas o que será da memória”? Demorou muito tempo até chegarmos ao que Continue a ler

De pernas para o ar

Quando eu nasci, em 1930, o Mundo já se encontrava num período de mudanças aceleradas. Acompanhei as maiores transformações do século 20, e Deus me deu a oportunidade de ver as deste começo de novo século. A maior delas foi a da comunicação. É claro que ela sofrera o primeiro choque no Egito, como conta o famoso diálogo entre Sócrates e Fedro, em que o Deus Thoth traz ao rei a escrita e escuta a terrível interrogação: “Mas o que será da memória”? Demorou muito tempo até chegarmos ao que Continue a ler

Anarcopopulismo

Quando se formavam as bases da democracia moderna, no período entre as revoluções inglesa, americana e francesa, ou entre Locke, Voltaire, Rousseau, Madison — isto é, quando se invocava o predomínio da razão —, surgiu uma palavra para negar valores: niilismo. Etimologicamente, a palavra vinha de “nada”, podia-se dizer que era a negação das ideias. Nietzsche lhe deu sua carta de alforria. O niilismo, segundo ele, esvaziava a humanidade de significado, propósito, valores. Mas a frase definitiva é de Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é permitido.” Ser um niilista Continue a ler

Anarcopopulismo

Quando se formavam as bases da democracia moderna, no período entre as revoluções inglesa, americana e francesa, ou entre Locke, Voltaire, Rousseau, Madison — isto é, quando se invocava o predomínio da razão —, surgiu uma palavra para negar valores: niilismo. Etimologicamente, a palavra vinha de “nada”, podia-se dizer que era a negação das ideias. Nietzsche lhe deu sua carta de alforria. O niilismo, segundo ele, esvaziava a humanidade de significado, propósito, valores. Mas a frase definitiva é de Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é permitido.” Ser um niilista Continue a ler

A união do Mundo

O Presidente Lula tem feito, com a ajuda de dois grandes e experientes diplomatas, Celso Amorim e Mauro Vieira, um trabalho importantíssimo, para o Brasil e para a Humanidade: impulsionar a reforma das Nações Unidas. Falei do assunto há umas semanas e retorno a ele, pois eu também, quando era Presidente da República, trabalhei nesse sentido e, assim, nele tenho uma parcela de responsabilidade. É preciso dizer que, se temos críticas ao funcionamento da ONU, é justamente por reconhecer o seu papel fundamental em todos os campos da ação internacional. Continue a ler

Na Quadragésima

Passamos o Domingo da Quadragésima, o Primeiro Domingo da Quaresma. Quadragésima e Quaresma vêm dos quarenta dias que se repetem na liturgia católica e na Bíblia: é o período da purificação, como o que Jesus Cristo passou no deserto, ou como o que Nossa Senhora levou antes de apresentar, com São José, Jesus no Templo; mas é também o período que o Ressuscitado leva antes de subir ao Céu e o que a Arca fica suspensa nas águas e o que Moisés fica no Sinai esperando a Lei etc. No Continue a ler

Na Quadragésima

Passamos o Domingo da Quadragésima, o Primeiro Domingo da Quaresma. Quadragésima e Quaresma vêm dos quarenta dias que se repetem na liturgia católica e na Bíblia: é o período da purificação, como o que Jesus Cristo passou no deserto, ou como o que Nossa Senhora levou antes de apresentar, com São José, Jesus no Templo; mas é também o período que o Ressuscitado leva antes de subir ao Céu e o que a Arca fica suspensa nas águas e o que Moisés fica no Sinai esperando a Lei etc. No Continue a ler

Tempo de Debochar

O que fazer? Carnaval é tempo de debochar. Esse verbo veio do francês débaucher, que tem um significado mais restrito, mas não escapa à largueza do deboche brasileiro. O sentido original está muito ligado aos abusos da carne, de cama e de mesa, aos pecados da luxúria e da gula. Coisa antiga, com deuses e costumes: o filho da Noite, Momo, acompanhado do filho da Húbris, Como, representam a zombaria e a festa. Estão, portanto, muito ligados a Baco-Dionísio e às bacanais, que já foram bacanas, em tempos em que essa Continue a ler

Tempo de Debochar

O que fazer? Carnaval é tempo de debochar. Esse verbo veio do francês débaucher, que tem um significado mais restrito, mas não escapa à largueza do deboche brasileiro. O sentido original está muito ligado aos abusos da carne, de cama e de mesa, aos pecados da luxúria e da gula. Coisa antiga, com deuses e costumes: o filho da Noite, Momo, acompanhado do filho da Húbris, Como, representam a zombaria e a festa. Estão, portanto, muito ligados a Baco-Dionísio e às bacanais, que já foram bacanas, em tempos em que essa Continue a ler

A longa visita do Aedes brasilicus

Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus. O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade Continue a ler

A longa visita do Aedes brasilicus

Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus. O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade Continue a ler

Fofoca e realeza

A imprensa inglesa pratica um esporte em que é campeã mundial e invicta: a fofoca aristocrática, o gossip. É claro que o governo inglês faz um grande esforço para promovê-lo, não sei se tanto quanto dedica à difusão do futebol pelos hooligans, que instituíram o quebra-quebra como o melhor trunfo do nobre esporte bretão. Quanto mais republicana a democracia dos países, maior o interesse na aristocracia. Os veículos são os tabloides, formato dominante entre os scandal sheet ou yellow journalism (o que chamamos de imprensa marrom) ou rags. Difundidos no mundo inteiro, eles assumiram agora a ponta Continue a ler

Fofoca e realeza

A imprensa inglesa pratica um esporte em que é campeã mundial e invicta: a fofoca aristocrática, o gossip. É claro que o governo inglês faz um grande esforço para promovê-lo, não sei se tanto quanto dedica à difusão do futebol pelos hooligans, que instituíram o quebra-quebra como o melhor trunfo do nobre esporte bretão. Quanto mais republicana a democracia dos países, maior o interesse na aristocracia. Os veículos são os tabloides, formato dominante entre os scandal sheet ou yellow journalism (o que chamamos de imprensa marrom) ou rags. Difundidos no mundo inteiro, eles assumiram agora a ponta Continue a ler

Ainda o sonho de Paz

É muito velho o sonho da Paz. Muitos idealistas, santos e possuídos da ira santa da concórdia entre os homens foram militantes dessa causa. Não é demais recordar que Kant, cujos livros são de leitura especializada para iniciados e filósofos, escreveu um livro que tentou ser um livro “popular”, de linguagem acessível a todos, um panfleto — A paz perpétua —, no qual ele oferecia uma fórmula para chegarmos a esse paraíso. Nem a fórmula funcionou nem o livro foi popular. Ficou mesmo restrito aos iluminados. A história contemporânea — lembrei a Continue a ler

Ainda o sonho de Paz  

É muito velho o sonho da Paz. Muitos idealistas, santos e possuídos da ira santa da concórdia entre os homens foram militantes dessa causa. Não é demais recordar que Kant, cujos livros são de leitura especializada para iniciados e filósofos, escreveu um livro que tentou ser um livro “popular”, de linguagem acessível a todos, um panfleto — A paz perpétua —, no qual ele oferecia uma fórmula para chegarmos a esse paraíso. Nem a fórmula funcionou, nem o livro foi popular. Ficou mesmo restrito aos iluminados.  A história contemporânea — lembrei a Continue a ler

As Nações Unidas para a Paz

A experiência terrível da Segunda Guerra Mundial mostrou que a Sociedade das Nações fracassou. Criada em Versalhes para administrar a Paz, tinha grandes e graves limitações, a começar pela falta de apoio dos Estados Unidos, que a haviam proposto. Os famosos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson eram exemplares: I – os acordos de Paz sem cláusulas secretas; II – a liberdade de navegação; III – a liberdade de comércio; IV – o fim do armamentismo; V – o ajuste das disputas coloniais; de VI a XIII, a retirada das tropas Continue a ler

As Nações Unidas para a Paz 

A experiência terrível da Segunda Guerra Mundial mostrou que a Sociedade das Nações fracassou. Criada em Versalhes para administrar a Paz, tinha grandes e graves limitações, a começar pela falta de apoio dos Estados Unidos, que a haviam proposto.   Os famosos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson eram exemplares: I – os acordos de Paz sem cláusulas secretas; II – a liberdade de navegação; III – a liberdade de comércio; IV – o fim do armamentismo; V – o ajuste das disputas coloniais; de VI a XIII, a retirada das Continue a ler

O triste 8 de janeiro 

Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral, durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de insanos que atingiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Continue a ler

O triste 8 de janeiro

Legenda da imagem: autoridades no ato ‘Democracia Inabalada’, que marca um ano dos ataques de 8 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve Continue a ler

O mistério do tempo

A marcação dos anos foi uma invenção do homem, porque o tempo é a eternidade: não tem princípio nem fim. O tempo do homem está na marcação repetitiva dos relógios, contando os anos, as horas, os dias, nessa rotina dos ponteiros rodando do mesmo jeito, acompanhando o Sol a nascer todos os dias, na luz aberta das manhãs, dos crepúsculos vermelhos e da beleza do pôr-do-sol. E da Terra girando em torno do seu eixo, também em torno do Sol, acompanhando seus irmãos, os planetas que também seguem seu curso. Continue a ler

A Luz da Esperança

Duas interjeições contam toda a história de nossa fé: — “Jesus nasceu!” e — “Jesus ressuscitou!” Estas declarações culminam o Credo — “… foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao reino dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia…”. Um e outro milagre têm consequências transcendentes, no sentido mais estrito desse adjetivo, que é estar acima do universo físico. O ressuscitar quer dizer que podemos, que devemos sair da condição de sujeitos à morte para a vida eterna, e vida encarnada, Continue a ler

Quando um Natal sem guerra?

Há setenta e cinco anos — em 10 de dezembro de 1948 — a Organização das Nações Unidas fez o seu mais importante documento: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Resolução 217, pelo voto de 48 dos 58 membros da ONU, aprovou o texto redigido por uma comissão dirigida por Eleanor Roosevelt, viúva do grande presidente americano e um símbolo da luta pelos direitos civis. Foi escrita por grandes personalidades, como o nosso Austregésilo de Athayde, o canadense John Peters Humphrey, o libanês Charles Malik, o chinês P.C. Chang Continue a ler

Nossa Senhora do Ó

Entramos no Tempo do Advento, isto é, da preparação para a chegada do Menino Jesus. Vivemos na expectativa deste milagre espantoso de Deus se fazer homem, de nascer de uma mulher. Hoje as pessoas têm dificuldade em crer em milagres, mas esquecem que as três religiões monoteístas giram em torno da vinda do Messias — do Mádi, no islamismo —, portanto da vinda de Cristo, Khristós, em grego. O que é uma cura miraculosa diante da transformação da onipotência em fragilidade, da imortalidade em morte, do sublime em sacrifício? Na minha Continue a ler

O Essequibo

Neste domingo a Venezuela fez um plebiscito para decidir sobre a anexação do Essequibo, velha disputa de fronteira rediviva por Hugo Chávez. Se não valessem as arbitragens, teríamos também direitos na região, mas o Brasil sempre honrou seus compromissos. Em várias ocasiões tratei dessa questão. Em 2007, perguntei em artigo: “Para que a Venezuela está se armando?” Em 2015 a invasão esteve por um triz, e escrevi o seguinte: “A Venezuela, no tempo de Chávez, fez uma grande escalada armamentista. Expus aqui na Folha e no Senado minha preocupação com Continue a ler

Perdemos o maior humanista brasileiro

A velhice é, dizia Norberto Bobbio, sobreviver. Essa palavra significa continuar vivo, mas também que outros estão mortos. E, quanto mais sobrevivemos, mais perdemos: pais, irmãos, parentes, amigos vão nos deixando sós, terrivelmente sós. Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva. Fomos amigos por tantos anos! Tínhamos a afinidade intelectual da literatura, do gosto dos livros, de uma visão de mundo. Tínhamos laços de origem: ele era paulista, mas, filho de piauiense, neto de maranhense, sentia-se ligado ao Parnaíba, cantado por seu pai, o poeta Continue a ler

Ainda em guerra

Contei aqui, semana passada, um pouco da minha participação na Segunda Guerra. Que achava que, em breve, seria um soldado aliado. Escrevi a meus pais, que moravam no interior do Estado, cartas preocupadas, contando os boatos que circulavam na cidade sobre submarinos alemães nas costas, sobre ameaças de bombardeio, sobre espiões alemães e italianos agindo em São Luís e sobre o perigo dos “quinta-colunas”. Quando a guerra terminou, festejei com grande alegria, escrevi poemas sobre “a aurora de um novo dia”. (Que frustrações!) Meu pai contou-me que em Pinheiro eles Continue a ler

A minha guerra

Na infância estão depositadas as memórias mais marcantes que foram guardadas em nossa vida. Muitas delas são lembranças puras, simples, lúdicas, que alimentam nossa personalidade no julgamento das cores, das belezas da natureza, no carinho com os animais e em nossos primeiros sinais da força de possessão do amor. Recordo nas Memórias de Além-Túmulo, de Chateaubriand, a lembrança dos seus carneirinhos. Mas o de que eu queria falar mesmo é que tenho uma forte memória da II Guerra Mundial. O Maranhão foi uma base aérea, e eu, aos 14 anos, morava Continue a ler

O Pré-sal da Amazônia é feminino

A Amazônia nasceu sob o signo da controvérsia: era espanhola ou portuguesa? A dificuldade de se localizar a linha do Tratado de Tordesilhas se esgarçou com a união das duas coroas sob Filipe I. No século XVIII o Marquês de Pombal herdou a solução do Tratado de Madrid, a tese do uti possidetis. Ao designar para governar o Estado de Maranhão e Grão-Pará o seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o instruiu, em cartas secretas, que seu objetivo maior era assegurar que aquelas terras fossem portuguesas e que sua missão principal Continue a ler

Mensagens de Aniversário