Neste domingo a Venezuela fez um plebiscito para decidir sobre a anexação do Essequibo, velha disputa de fronteira rediviva por Hugo Chávez. Se não valessem as arbitragens, teríamos também direitos na região, mas o Brasil sempre honrou seus compromissos. Em várias ocasiões tratei dessa questão. Em 2007, perguntei em artigo: “Para que a Venezuela está se armando?” Em 2015 a invasão esteve por um triz, e escrevi o seguinte: “A Venezuela, no tempo de Chávez, fez uma grande escalada armamentista. Expus aqui na Folha e no Senado minha preocupação com Continue a ler
A velhice é, dizia Norberto Bobbio, sobreviver. Essa palavra significa continuar vivo, mas também que outros estão mortos. E, quanto mais sobrevivemos, mais perdemos: pais, irmãos, parentes, amigos vão nos deixando sós, terrivelmente sós. Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva. Fomos amigos por tantos anos! Tínhamos a afinidade intelectual da literatura, do gosto dos livros, de uma visão de mundo. Tínhamos laços de origem: ele era paulista, mas, filho de piauiense, neto de maranhense, sentia-se ligado ao Parnaíba, cantado por seu pai, o poeta Continue a ler
Contei aqui, semana passada, um pouco da minha participação na Segunda Guerra. Que achava que, em breve, seria um soldado aliado. Escrevi a meus pais, que moravam no interior do Estado, cartas preocupadas, contando os boatos que circulavam na cidade sobre submarinos alemães nas costas, sobre ameaças de bombardeio, sobre espiões alemães e italianos agindo em São Luís e sobre o perigo dos “quinta-colunas”. Quando a guerra terminou, festejei com grande alegria, escrevi poemas sobre “a aurora de um novo dia”. (Que frustrações!) Meu pai contou-me que em Pinheiro eles Continue a ler
Na infância estão depositadas as memórias mais marcantes que foram guardadas em nossa vida. Muitas delas são lembranças puras, simples, lúdicas, que alimentam nossa personalidade no julgamento das cores, das belezas da natureza, no carinho com os animais e em nossos primeiros sinais da força de possessão do amor. Recordo nas Memórias de Além-Túmulo, de Chateaubriand, a lembrança dos seus carneirinhos. Mas o de que eu queria falar mesmo é que tenho uma forte memória da II Guerra Mundial. O Maranhão foi uma base aérea, e eu, aos 14 anos, morava Continue a ler
A Amazônia nasceu sob o signo da controvérsia: era espanhola ou portuguesa? A dificuldade de se localizar a linha do Tratado de Tordesilhas se esgarçou com a união das duas coroas sob Filipe I. No século XVIII o Marquês de Pombal herdou a solução do Tratado de Madrid, a tese do uti possidetis. Ao designar para governar o Estado de Maranhão e Grão-Pará o seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o instruiu, em cartas secretas, que seu objetivo maior era assegurar que aquelas terras fossem portuguesas e que sua missão principal Continue a ler
Meu primeiro contato com Gaza data do meu tempo da Faculdade de Direito no Maranhão, onde me diplomei. Estava naqueles anos em que queria conhecer os grandes livros e caiu-me na mão um best seller de então, Sem Olhos em Gaza, de Aldous Huxley. O título vem da epígrafe, um verso de Milton que diz ter Sansão, capturado e cego pelos Filisteus, ido trabalhar em Gaza, em condições de tortura. Huxley escrevera um romance em que um sibarita se desiludia com a sociedade dissoluta. Gaza teve um destino cruel como cidade: com Continue a ler
O homo sapiens tem o DNA da violência. A teoria da evolução pode substituir, com sua história, a expressão “sobrevivência do mais forte”, por “sobrevivência do mais violento”. Assim sua luta pela sobrevivência nada mais foi do que uma luta de destruição dentro da própria espécie. Esse processo está muito ligado à religião, na disputa pela hegemonia do seu Deus. O mundo evoluiu e julgávamos que esta fase pertencia ao passado. A atual guerra de Israel em Gaza mostra que o homem continua o mesmo. A incursão de um inimigo sobre o Continue a ler
Coube à região do Oriente Médio, pela sua posição geográfica, transformar-se, ao longo da História, em um ponto de fricção. Ali nasceram as três grandes religiões monoteístas que hoje disputam o mundo. A existência de deuses faz parte, segundo os antropólogos, das ideias inatas do homem. Fator de identidade étnica, tornou-se instrumento de domínio. Ao contrário da multidão de crenças em deuses múltiplos, que tinham facilidade de admitir outros deuses, como faziam os romanos na sua conquista imperial, o monoteísmo tem uma visão excludente, que facilmente degenera no uso da força Continue a ler
O processo de reforma constitucional de 1988 iniciou-se com a longa discussão sobre as Constituições de 1967 e 1969, isto é, as duas Constituições outorgadas pelo regime militar. Independentemente de suas qualidades ou defeitos, estavam marcadas como ilegítimas. Era necessário, para a redemocratização do país, um novo marco institucional. Este postulado tomou forma como um dos pontos do “Compromisso com a Nação” assumido pela Aliança Democrática, que permitiu a vitória da oposição em 1985. Levado, por força da fatalidade, à Presidência da República, coube a mim convocar a Assembleia Nacional Continue a ler
A notícia excelente que está nos jornais desse fim de semana — último de setembro de 2023 — me sensibiliza de maneira muito especial: recuperamos o nível de emprego que havíamos atingido há oito anos. A taxa de desemprego caiu para 7,8% no último trimestre. O número de pessoas ocupadas cresceu e chegou a praticamente 100 milhões. O número de empregados com carteira assinada atingiu 37,25 milhões. Mas 13,2 milhões de empregados do setor privado não têm carteira assinada; 67 milhões de pessoas (quase 2/5 da população em idade ativa) Continue a ler
A marchinha de Francisco Mattoso lança o grito que nos últimos dias está na pele de todos: “Meu coração amanheceu / Pegando fogo, fogo, fogo!” Coração e braços e pernas estão assando com o caloraço de setembro. Nada da morena que passou perto: foram os recordes de temperatura que nos deixaram assim. Nós aqui no Maranhão até que escapamos das temperaturas quarentenárias e não precisamos entrar em quarentena, mas no Sul Maravilha a coisa foi feia. Felizmente nós somos um povo que é antes de tudo um forte e não Continue a ler
Ester de Assis Oliveira, 9 anos; Maria Eduarda Martins, 9 anos; Lohan Samuel, 11 anos; Djalma de Azevedo Clemente, 11 anos; Eloah Passos, 5 anos; Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos; Juan Davi de Souza Faria, 11 anos; Heloísa dos Santos Silva, 3 anos: cada uma dessas crianças foi morta à bala no Rio de Janeiro!!!! São nomes que clamam aos céus contra o estado de barbárie em que vivemos, registros da saudade que não passa sentida por suas famílias. Antigamente quando uma criança morria era — o sentido ainda está Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta. O Stanislaw tinha uma coluna em que debochava dos costumes, bons e maus, numa fonte incessante de risos e gargalhadas. Infelizmente o Sérgio morreu muito moço, aos 45 anos. Quando começou a temporada militar, o Stanislaw criou uma seção na coluna com o nome de Febeapá: era o “festival de besteiras que assola o país”. Lá colecionava Continue a ler
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta. O Stanislaw tinha uma coluna em que debochava dos costumes, bons e maus, numa fonte incessante de risos e gargalhadas. Infelizmente o Sérgio morreu muito moço, aos 45 anos. Quando começou a temporada militar, o Stanislaw criou uma seção na coluna com o nome de Febeapá: era o “festival de besteiras que assola o país”. Lá colecionava Continue a ler
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta. O Stanislaw tinha uma coluna em que debochava dos costumes, bons e maus, numa fonte incessante de risos e gargalhadas. Infelizmente o Sérgio morreu muito moço, aos 45 anos. Quando começou a temporada militar, o Stanislaw criou uma seção na coluna com o nome de Febeapá: era o “festival de besteiras que assola o país”. Lá colecionava Continue a ler
Faleceu há poucos dias uma grande escritora, Hélène Carrère d’Encausse, Secretário-Perpétuo da Academia Francesa (utilizo o título de sua função no masculino porque era assim que ela queria) desde a renúncia de Maurice Druon, em 1999. De origem georgiana — nascida em Paris, foi apátrida por muitos anos —, era especialista em Rússia e no universo eslavo. Foi uma amiga que recebeu a Academia Brasileira de Letras naquela Casa com a grande elegância que a caracterizava. Madame Encausse era conservadora e simpatizava com Vladimir Putin. O começo da guerra da Continue a ler
Tenho a fama de ser supersticioso, e sou, mas não sei se mais do que a maioria das pessoas. Não tenho simpatia pelo mês de agosto. Agosto rima com desgosto. O nome vem do jovem Caio Otávio, já Gaius Julius Caesar Octavianus ao ser adotado pelo tio, depois Imperator Caesar, ao derrotar os assassinos, e Imperador César Augusto, ao aceitar modestamente a condição de fundador do Império e de filho do deus Julius. Dado ao oitavo mês do calendário romano, Sextilis, que já fora o sexto, acabou sendo um mês Continue a ler
Falei, há poucos dias, do Estatuto do Desarmamento, que está completando 20 anos, e de sua importância para a redução da violência. Lembrei que a proibição de comercialização de armas de fogo e munições tinha sido, infelizmente, derrubada por um plebiscito — instrumento legislativo de desastrosa aplicação em nosso País. O Estatuto do Desarmamento começa agora a ser reativado depois de um período catastrófico, que permitiu um aumento vertiginoso das armas em mãos de civis. Armas são um desastre do ponto de vista da defesa pessoal, ao contrário do argumento Continue a ler
Falei, há poucos dias, do Estatuto do Desarmamento, que está completando 20 anos, e de sua importância para a redução da violência. Lembrei que a proibição de comercialização de armas de fogo e munições tinha sido, infelizmente, derrubada por um plebiscito — instrumento legislativo de desastrosa aplicação em nosso País. O Estatuto do Desarmamento começa agora a ser reativado depois de um período catastrófico, que permitiu um aumento vertiginoso das armas em mãos de civis. Armas são um desastre do ponto de vista da defesa pessoal, ao contrário do argumento Continue a ler
Falei, há poucos dias, do Estatuto do Desarmamento, que está completando 20 anos, e de sua importância para a redução da violência. Lembrei que a proibição de comercialização de armas de fogo e munições tinha sido, infelizmente, derrubada por um plebiscito — instrumento legislativo de desastrosa aplicação em nosso País. O Estatuto do Desarmamento começa agora a ser reativado depois de um período catastrófico, que permitiu um aumento vertiginoso das armas em mãos de civis. Armas são um desastre do ponto de vista da defesa pessoal, ao contrário do argumento Continue a ler
Esta semana, dia 10, afinal — já faço o anúncio há tempos — acontece o bicentenário de nascimento do nosso maranhense mais ilustre, o moço que reuniu os sangues negro, indígena e branco e criou a poesia brasileira. Alguém dirá um e outro nome de poeta — e Gregório de Matos? e Tomás António Gonzaga? e Cláudio Manuel da Costa? e José Bonifácio? e Gonçalves de Magalhães? e …? Poetas, sem dúvida, foram, e mesmo grande poeta, como no caso do Boca do Inferno, mas, brasileiros ou portugueses, não fizeram Continue a ler
O século XX viu a implantação em todo o Ocidente do Welfare State, o Estado de Bem-Estar Social ou Estado Social de Direito. Suas raízes podem ser detectadas na Antiguidade, como exemplo as ações dos irmãos Gracos e dos populares em Roma, fazendo a reforma agrária e sistematizando a distribuição de trigo para o proletariado. Distorcido pelos Estados concentracionários entre as duas guerras mundiais, depois de 1945 generalizou-se por toda a Europa como um fator decisivo de desenvolvimento. No Brasil seguimos esse passo com grandes limitações. Já nos anos 30 criamos os Continue a ler
Há exatos vinte anos, no dia 23 de julho de 2003, foi aprovado no Senado Federal o Estatuto do Desarmamento. Como havíamos acordado, eu, então Presidente do Senado, e o Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, o projeto era o resultado do trabalho de uma comissão conjunta das duas Casas, o que significou uma rápida aprovação na Revisora. Em dezembro coube-me encaminhar o projeto para a sanção presidencial, que ocorreu no dia 23 de dezembro de 2003. Infelizmente o projeto teve um dos seus pontos centrais, a Continue a ler
Escrevi sobre o maior poeta lírico da língua portuguesa —digo sem esquecer que é a língua de Luís de Camões. Falei do seu romance com Ana Amélia, mas devo ao leitor mais algumas palavras. Esta paixão não só resultou nos incomparáveis versos do reencontro, como foi e é uma expressão dos profundos conflitos éticos nas relações raciais no Brasil — sobre a escravidão os conflitos eram políticos, pois os escravocratas tinham convicção absoluta de sua superioridade branca; os abolicionistas, a certeza da igualdade dos humanos: “são iguais, mas há limites”. Continue a ler
Abril, chuvas mil. Maio, trovões e raio. Este é um ditado que se repete para definir o tempo das chuvas no Maranhão. O Padre Vieira foi quem primeiro definiu inverno/verão, o tempo das chuvas e o que não chove. Assim as estações, que no mundo são quatro, no Maranhão são duas. O diabo é que elas não coincidem nem com primavera, nem com verão, nem com outono, nem com inverno. No Maranhão se chama de inverno o tempo que chove, que vai de dezembro a junho, e de verão, o Continue a ler
Éramos jovens. Nos conhecemos no Rio de Janeiro, na Rua Otaviano Hudson, onde José Aparecido mantinha uma pensão estudantil, udenista, com ramificações pela esquerda. Pertence era mais ligado a seu irmão Modesto, da UNE, onde tinha posições de liderança. Eu começava minha carreira como deputado federal, ligado a Magalhães Pinto, de quem Aparecido era secretário particular. Era um tempo em que eu chamava Pertence de “Zé Paulo”, e ele a mim de “Zé”; quando nos encontrávamos e não tinha abelhudo por perto, eu repetia os tratamentos da mocidade: “Ministro Zé Continue a ler
Eu tinha 15 anos quando ocorreram os dois “elementos de dissuasão” que rasgaram a História da Humanidade: as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Seu lançamento quase simultâneo — uma foi lançada a 6 e a outra a 9 de agosto de 1945 — mostra que havia mais que o pretexto do General George Marshall: “facilmente acessível e que pode com certeza diminuir o número de vítimas americanas”. Segundo estes cálculos “misericordiosos”, uma invasão do Japão implicaria na morte de 400 a 800 mil americanos e cinco a dez milhões de Continue a ler