Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus. O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade Continue a ler
Há muitos anos contei como o aegypti abrasileirou-se. Naqueles tempos pré-pandêmicos lembrei uma reunião do InterAction Council que relacionara as doenças desconhecidas como ameaça ao futuro da humanidade. Uma delas, vestida de Covid-19, veio e ficou. Mas mais longa é a visita do Aedes brasilicus. O bichinho é danado. Africano, tornou-se brasileiro cedo. Trouxe nossas primeiras epidemias, de febre amarela de 1685, no Recife, e de 1686, em Salvador, com alguns milhares de mortos. No século XX, Rodrigues Alves convocou Osvaldo Cruz para fazer uma revolução sanitária no Rio de Janeiro. A cidade Continue a ler
A imprensa inglesa pratica um esporte em que é campeã mundial e invicta: a fofoca aristocrática, o gossip. É claro que o governo inglês faz um grande esforço para promovê-lo, não sei se tanto quanto dedica à difusão do futebol pelos hooligans, que instituíram o quebra-quebra como o melhor trunfo do nobre esporte bretão. Quanto mais republicana a democracia dos países, maior o interesse na aristocracia. Os veículos são os tabloides, formato dominante entre os scandal sheet ou yellow journalism (o que chamamos de imprensa marrom) ou rags. Difundidos no mundo inteiro, eles assumiram agora a ponta Continue a ler
A imprensa inglesa pratica um esporte em que é campeã mundial e invicta: a fofoca aristocrática, o gossip. É claro que o governo inglês faz um grande esforço para promovê-lo, não sei se tanto quanto dedica à difusão do futebol pelos hooligans, que instituíram o quebra-quebra como o melhor trunfo do nobre esporte bretão. Quanto mais republicana a democracia dos países, maior o interesse na aristocracia. Os veículos são os tabloides, formato dominante entre os scandal sheet ou yellow journalism (o que chamamos de imprensa marrom) ou rags. Difundidos no mundo inteiro, eles assumiram agora a ponta Continue a ler
É muito velho o sonho da Paz. Muitos idealistas, santos e possuídos da ira santa da concórdia entre os homens foram militantes dessa causa. Não é demais recordar que Kant, cujos livros são de leitura especializada para iniciados e filósofos, escreveu um livro que tentou ser um livro “popular”, de linguagem acessível a todos, um panfleto — A paz perpétua —, no qual ele oferecia uma fórmula para chegarmos a esse paraíso. Nem a fórmula funcionou nem o livro foi popular. Ficou mesmo restrito aos iluminados. A história contemporânea — lembrei a Continue a ler
É muito velho o sonho da Paz. Muitos idealistas, santos e possuídos da ira santa da concórdia entre os homens foram militantes dessa causa. Não é demais recordar que Kant, cujos livros são de leitura especializada para iniciados e filósofos, escreveu um livro que tentou ser um livro “popular”, de linguagem acessível a todos, um panfleto — A paz perpétua —, no qual ele oferecia uma fórmula para chegarmos a esse paraíso. Nem a fórmula funcionou, nem o livro foi popular. Ficou mesmo restrito aos iluminados. A história contemporânea — lembrei a Continue a ler
A experiência terrível da Segunda Guerra Mundial mostrou que a Sociedade das Nações fracassou. Criada em Versalhes para administrar a Paz, tinha grandes e graves limitações, a começar pela falta de apoio dos Estados Unidos, que a haviam proposto. Os famosos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson eram exemplares: I – os acordos de Paz sem cláusulas secretas; II – a liberdade de navegação; III – a liberdade de comércio; IV – o fim do armamentismo; V – o ajuste das disputas coloniais; de VI a XIII, a retirada das tropas Continue a ler
A experiência terrível da Segunda Guerra Mundial mostrou que a Sociedade das Nações fracassou. Criada em Versalhes para administrar a Paz, tinha grandes e graves limitações, a começar pela falta de apoio dos Estados Unidos, que a haviam proposto. Os famosos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson eram exemplares: I – os acordos de Paz sem cláusulas secretas; II – a liberdade de navegação; III – a liberdade de comércio; IV – o fim do armamentismo; V – o ajuste das disputas coloniais; de VI a XIII, a retirada das Continue a ler
Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral, durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve qualquer movimento que se parecesse com a selvageria do bando de insanos que atingiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Continue a ler
Legenda da imagem: autoridades no ato ‘Democracia Inabalada’, que marca um ano dos ataques de 8 de janeiro — Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República Há um ano, no triste 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu a um ignóbil — uma traição à pátria — ataque simultâneo aos Três Poderes da República. Nossa História registra alguns episódios de ataques a um ou outro Poder, em geral durante os golpes — ou tentativas de golpe — de Estado que marcam nosso caminho para a estabilidade democrática. Nunca, no entanto, houve Continue a ler
A marcação dos anos foi uma invenção do homem, porque o tempo é a eternidade: não tem princípio nem fim. O tempo do homem está na marcação repetitiva dos relógios, contando os anos, as horas, os dias, nessa rotina dos ponteiros rodando do mesmo jeito, acompanhando o Sol a nascer todos os dias, na luz aberta das manhãs, dos crepúsculos vermelhos e da beleza do pôr-do-sol. E da Terra girando em torno do seu eixo, também em torno do Sol, acompanhando seus irmãos, os planetas que também seguem seu curso. Continue a ler
Duas interjeições contam toda a história de nossa fé: — “Jesus nasceu!” e — “Jesus ressuscitou!” Estas declarações culminam o Credo — “… foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao reino dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia…”. Um e outro milagre têm consequências transcendentes, no sentido mais estrito desse adjetivo, que é estar acima do universo físico. O ressuscitar quer dizer que podemos, que devemos sair da condição de sujeitos à morte para a vida eterna, e vida encarnada, Continue a ler
Há setenta e cinco anos — em 10 de dezembro de 1948 — a Organização das Nações Unidas fez o seu mais importante documento: a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Resolução 217, pelo voto de 48 dos 58 membros da ONU, aprovou o texto redigido por uma comissão dirigida por Eleanor Roosevelt, viúva do grande presidente americano e um símbolo da luta pelos direitos civis. Foi escrita por grandes personalidades, como o nosso Austregésilo de Athayde, o canadense John Peters Humphrey, o libanês Charles Malik, o chinês P.C. Chang Continue a ler
Entramos no Tempo do Advento, isto é, da preparação para a chegada do Menino Jesus. Vivemos na expectativa deste milagre espantoso de Deus se fazer homem, de nascer de uma mulher. Hoje as pessoas têm dificuldade em crer em milagres, mas esquecem que as três religiões monoteístas giram em torno da vinda do Messias — do Mádi, no islamismo —, portanto da vinda de Cristo, Khristós, em grego. O que é uma cura miraculosa diante da transformação da onipotência em fragilidade, da imortalidade em morte, do sublime em sacrifício? Na minha Continue a ler
Neste domingo a Venezuela fez um plebiscito para decidir sobre a anexação do Essequibo, velha disputa de fronteira rediviva por Hugo Chávez. Se não valessem as arbitragens, teríamos também direitos na região, mas o Brasil sempre honrou seus compromissos. Em várias ocasiões tratei dessa questão. Em 2007, perguntei em artigo: “Para que a Venezuela está se armando?” Em 2015 a invasão esteve por um triz, e escrevi o seguinte: “A Venezuela, no tempo de Chávez, fez uma grande escalada armamentista. Expus aqui na Folha e no Senado minha preocupação com Continue a ler
A velhice é, dizia Norberto Bobbio, sobreviver. Essa palavra significa continuar vivo, mas também que outros estão mortos. E, quanto mais sobrevivemos, mais perdemos: pais, irmãos, parentes, amigos vão nos deixando sós, terrivelmente sós. Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva. Fomos amigos por tantos anos! Tínhamos a afinidade intelectual da literatura, do gosto dos livros, de uma visão de mundo. Tínhamos laços de origem: ele era paulista, mas, filho de piauiense, neto de maranhense, sentia-se ligado ao Parnaíba, cantado por seu pai, o poeta Continue a ler
Contei aqui, semana passada, um pouco da minha participação na Segunda Guerra. Que achava que, em breve, seria um soldado aliado. Escrevi a meus pais, que moravam no interior do Estado, cartas preocupadas, contando os boatos que circulavam na cidade sobre submarinos alemães nas costas, sobre ameaças de bombardeio, sobre espiões alemães e italianos agindo em São Luís e sobre o perigo dos “quinta-colunas”. Quando a guerra terminou, festejei com grande alegria, escrevi poemas sobre “a aurora de um novo dia”. (Que frustrações!) Meu pai contou-me que em Pinheiro eles Continue a ler
Na infância estão depositadas as memórias mais marcantes que foram guardadas em nossa vida. Muitas delas são lembranças puras, simples, lúdicas, que alimentam nossa personalidade no julgamento das cores, das belezas da natureza, no carinho com os animais e em nossos primeiros sinais da força de possessão do amor. Recordo nas Memórias de Além-Túmulo, de Chateaubriand, a lembrança dos seus carneirinhos. Mas o de que eu queria falar mesmo é que tenho uma forte memória da II Guerra Mundial. O Maranhão foi uma base aérea, e eu, aos 14 anos, morava Continue a ler
A Amazônia nasceu sob o signo da controvérsia: era espanhola ou portuguesa? A dificuldade de se localizar a linha do Tratado de Tordesilhas se esgarçou com a união das duas coroas sob Filipe I. No século XVIII o Marquês de Pombal herdou a solução do Tratado de Madrid, a tese do uti possidetis. Ao designar para governar o Estado de Maranhão e Grão-Pará o seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o instruiu, em cartas secretas, que seu objetivo maior era assegurar que aquelas terras fossem portuguesas e que sua missão principal Continue a ler
Meu primeiro contato com Gaza data do meu tempo da Faculdade de Direito no Maranhão, onde me diplomei. Estava naqueles anos em que queria conhecer os grandes livros e caiu-me na mão um best seller de então, Sem Olhos em Gaza, de Aldous Huxley. O título vem da epígrafe, um verso de Milton que diz ter Sansão, capturado e cego pelos Filisteus, ido trabalhar em Gaza, em condições de tortura. Huxley escrevera um romance em que um sibarita se desiludia com a sociedade dissoluta. Gaza teve um destino cruel como cidade: com Continue a ler
O homo sapiens tem o DNA da violência. A teoria da evolução pode substituir, com sua história, a expressão “sobrevivência do mais forte”, por “sobrevivência do mais violento”. Assim sua luta pela sobrevivência nada mais foi do que uma luta de destruição dentro da própria espécie. Esse processo está muito ligado à religião, na disputa pela hegemonia do seu Deus. O mundo evoluiu e julgávamos que esta fase pertencia ao passado. A atual guerra de Israel em Gaza mostra que o homem continua o mesmo. A incursão de um inimigo sobre o Continue a ler
Coube à região do Oriente Médio, pela sua posição geográfica, transformar-se, ao longo da História, em um ponto de fricção. Ali nasceram as três grandes religiões monoteístas que hoje disputam o mundo. A existência de deuses faz parte, segundo os antropólogos, das ideias inatas do homem. Fator de identidade étnica, tornou-se instrumento de domínio. Ao contrário da multidão de crenças em deuses múltiplos, que tinham facilidade de admitir outros deuses, como faziam os romanos na sua conquista imperial, o monoteísmo tem uma visão excludente, que facilmente degenera no uso da força Continue a ler
O processo de reforma constitucional de 1988 iniciou-se com a longa discussão sobre as Constituições de 1967 e 1969, isto é, as duas Constituições outorgadas pelo regime militar. Independentemente de suas qualidades ou defeitos, estavam marcadas como ilegítimas. Era necessário, para a redemocratização do país, um novo marco institucional. Este postulado tomou forma como um dos pontos do “Compromisso com a Nação” assumido pela Aliança Democrática, que permitiu a vitória da oposição em 1985. Levado, por força da fatalidade, à Presidência da República, coube a mim convocar a Assembleia Nacional Continue a ler
A notícia excelente que está nos jornais desse fim de semana — último de setembro de 2023 — me sensibiliza de maneira muito especial: recuperamos o nível de emprego que havíamos atingido há oito anos. A taxa de desemprego caiu para 7,8% no último trimestre. O número de pessoas ocupadas cresceu e chegou a praticamente 100 milhões. O número de empregados com carteira assinada atingiu 37,25 milhões. Mas 13,2 milhões de empregados do setor privado não têm carteira assinada; 67 milhões de pessoas (quase 2/5 da população em idade ativa) Continue a ler
A marchinha de Francisco Mattoso lança o grito que nos últimos dias está na pele de todos: “Meu coração amanheceu / Pegando fogo, fogo, fogo!” Coração e braços e pernas estão assando com o caloraço de setembro. Nada da morena que passou perto: foram os recordes de temperatura que nos deixaram assim. Nós aqui no Maranhão até que escapamos das temperaturas quarentenárias e não precisamos entrar em quarentena, mas no Sul Maravilha a coisa foi feia. Felizmente nós somos um povo que é antes de tudo um forte e não Continue a ler
Ester de Assis Oliveira, 9 anos; Maria Eduarda Martins, 9 anos; Lohan Samuel, 11 anos; Djalma de Azevedo Clemente, 11 anos; Eloah Passos, 5 anos; Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos; Juan Davi de Souza Faria, 11 anos; Heloísa dos Santos Silva, 3 anos: cada uma dessas crianças foi morta à bala no Rio de Janeiro!!!! São nomes que clamam aos céus contra o estado de barbárie em que vivemos, registros da saudade que não passa sentida por suas famílias. Antigamente quando uma criança morria era — o sentido ainda está Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Perdi a conta do número de vezes em que falei da cidade que formou a minha vida: esta velha e jovem São Luís, que fez aniversário na sexta-feira passada. Minha paixão por São Luís começou quando aqui desembarquei vindo de São Bento no barco de mestre Braulino, o “Filha de São Bento”. Eu tinha doze anos. De longe, ao anoitecer, vi as luzes da cidade. Era clara e bela. Desembarquei na impressão da multiplicidade das coisas: carroças, malas, sacos, cofos, gentes. E do bonde elétrico. Nunca tinha visto um sobrado, Continue a ler
Quando cheguei ao Rio, há muitos e muitos anos, brilhava um escritor um pouco mais velho que eu, Sérgio Porto, extraordinário cronista, seja como ele mesmo, seja como seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta. O Stanislaw tinha uma coluna em que debochava dos costumes, bons e maus, numa fonte incessante de risos e gargalhadas. Infelizmente o Sérgio morreu muito moço, aos 45 anos. Quando começou a temporada militar, o Stanislaw criou uma seção na coluna com o nome de Febeapá: era o “festival de besteiras que assola o país”. Lá colecionava Continue a ler