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Judicialização da Política

Judicialização da Política

Todos sabem que sempre fui um crítico da Constituição de 1988, mas reconhecendo que o capítulo dos direitos individuais e os dispositivos que tratam dos direitos sociais são muito bons e expressam uma constituição moderna e atualizada.

Quando convoquei a Constituinte, disse que devíamos aproveitar a oportunidade para fazer um Carta moderna que servisse de exemplo ao mundo, introduzindo os direitos sociais — já que o peleguismo getuliano tinha prejudicado a visão entre o capital e o trabalho —, buscando um capitalismo moderno. Mas apenas a partir das greves de São Bernardo surgiu no País um sindicalismo livre — implantado durante meu governo com a libertação dos sindicatos da tutela do Ministério do Trabalho.

O represamento dessa modernização é um dos responsáveis pelo populismo anárquico e ideológico com que passamos a viver. A Constituinte de 88 foi uma oportunidade perdida de termos uma constituição moderna, sem o hibridismo que a atual tem de ser ao mesmo tempo parlamentarista e presidencialista.

A Constituição possibilitou, inclusive, a existência de algumas anomalias, como medidas provisórias e outros dispositivos que hoje tumultuam a política brasileira.

É o caso das ADIs, Ação Direta de Inconstitucionalidade, cuja amplitude de iniciativa levou o que é a mais grave responsabilidade do Supremo Tribunal Federal a transformá-lo em árbitro da política. Por esse e outros caminhos, os partidos passaram a levar à Justiça questões que podiam e deviam ser resolvidas interna corporis. A facilidade de alterar a Constituição viciou o governo a tudo fazer por emendas constitucionais, dando ao Congresso o poder de engessar o Executivo, fazendo a corrupção entrar nas decisões congressuais.

O Ministro Nelson Jobim foi quem primeiro detectou o problema e profeticamente avisou: “Judicializaram a política e o passo seguinte vai ser politizar a Justiça”. E o resultado foi o surgimento de decisões judiciais criando insegurança jurídica e a enxurrada de pedidos de impeachment, acuando presidentes e ministros do Supremo Tribunal Federal, o que colocou o País no meio de um redemoinho administrativo.

E a visão de Otávio Mangabeira, que dizia ser a Democracia uma plantinha frágil, agora foi repetida pelo Presidente Biden em seu discurso de posse.

Se não cuidarmos dela, vem um Trump e manda invadir o Capitólio.

José Sarney foi Presidente do Brasil, Presidente do Senado Federal, Governador do Maranhão, Senador pelo Maranhão e pelo Amapá e Deputado Federal. É o político mais longevo da História do Brasil, com mais de 60 anos de mandatos. É autor de 122 livros com 172 edições, decano da Academia Brasileira de Letras e membro de várias outras academias.

3 thoughts on “Judicialização da Política

  1. Heitor José de Souza

    Análise perfeita da confusão em que estamos metidos , causando desgastes às Instituições.
    O STF, já sobrecarregado por infinidades de ações que poderiam ser julgadas em instâncias inferiores ainda é convocado a julgar ações que o Congresso poderia definir.
    Diante porém, da quebra da liturgia presidencial e da insanidade com que a questão epidemiológica vem sendo tratada , tem sido fundamental sua intervenção.
    Ai do Brasil se não tivéssemos o STF atento e corajoso no ordenamento dos abusos a que o país tem sido submetido.
    Fica claro que o país deverá cedo ou tarde de reformar a Constituição que promulgada com os olhos no passado ficou caduca e remendada por inúmeras emendas que a desfigura.

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