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Ao receber o título de Doutor Honoris Causas do IDP

Ao receber o título de Doutor Honoris Causas do IDP

É com grande emoção que recebo o título de Doutor Honoris Causa de uma Casa de Educação e Cultura como o Instituto Brasileiro de Ensino,  Desenvolvimento e Pesquisa – IDP. Hoje essa emoção é redobrada por ser uma  homenagem feita a um velho de 93 anos, que está afastado da política e que  muito se esforça para lembrar as aulas da humilde Faculdade de Direito do  Maranhão, humilíssima se comparada com as figuras magistrais que criaram e  mantêm viva essa extraordinária instituição de Direito que é o Instituto  Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.  

Tive o privilégio de conhecer os seus criadores há muitos anos: o Doutor  Paulo Gonet Branco, subprocurador da República; o Procurador-Geral Doutor  Inocêncio Mártires Coelho e, principalmente, o Ministro Gilmar Mendes.  

O decano do Supremo Tribunal Federal é um homem raro, com uma  inteligência privilegiadíssima, a que apenas se compara seu conhecimento do  Direito. Nós nos conhecemos pelas mãos de nosso querido amigo José Paulo  Sepúlveda Pertence, a quem tive a honra de indicar para chefiar o Ministério  Público e para Ministro do Supremo Tribunal Federal. Logo compartilhei da  admiração e amizade que lhe tinha Pertence, que mais tarde se estendeu à Dona  Guiomar, sua mulher e sua companheira.  

O brilho do Ministro Gilmar Mendes é uma unanimidade nacional,  reconhecido até mesmo pelos que o confundem com sua independência e  discordam de seus julgados: o que não é possível é desconhecer a solidez de sua  fundamentação, baseada em uma cultura jurídica raramente igualada. Seus dias  na Alemanha deram-lhe uma visão panorâmica do Direito, que aliou ao  profundo estudo de História e Filosofia e ao exame minucioso da  Jurisprudência.

De minha parte, na modéstia de quem tem apenas um título de bacharel,  se pouco pratiquei da advocacia, raramente me afastei do Direito: ao longo de  minha vida, por seis décadas, fui legislador. Fazer leis é a função maior do  parlamentar, e a essa tarefa dediquei parte considerável de minha vida. Quando  eu era jovem, vivíamos no Maranhão o dilema que levara, no século XIX, Rui,  Nabuco e tantos outros às faculdades de Direito de Recife e São Paulo: havia  duas vias para a política, o curso de Direito — digamos a transposição moderna  do cursus honorum romano — e o caminho do pistolão para o serviço público. Pelo primeiro caminho ingressei na Política. Era, como deviam ser todos os  moços, um idealista, que acreditava no primado do Estado de Direito e na busca  da Justiça Social. Desses ideais, felizmente, nunca me afastei.  

Quando entrei no Palácio Tiradentes, como suplente que assumia numa  eventual ausência de um titular, o caudilho Flores da Cunha, com seu  inarredável terno branco — branco como sua cabeça — e gravata borboleta,  pegou-me pelo braço e perguntou: — “Menino, de onde vens?” E eu: — “Do  Maranhão.” E ele: — “Isto aqui já é jardim de infância?”  

Hoje sou eu quem aqui venho de cabeça branca. Trago na bagagem ter  sido o mais longevo político da História do Brasil, ter presidido e conduzido o  País na difícil transição para a Democracia, ter convocado a Constituinte que  escreveu a Constituição de 1988, ter sido o primeiro a jurá-la, ter sido por quatro  vezes Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional. Ao longo desses  muitos anos sempre mantive com o Poder Judiciário uma relação de respeito e  cooperação. Pude, assim, encaminhar a reforma do Judiciário e promover a  criação e revisão de diversos códigos jurídicos. O Poder Judiciário representa  para mim o Direito, e a esse mantenho a minha devoção. 

Como disse, a Política é, ou devia ser, um caminho para a formação do  Direito. Se o nosso objetivo é a vigência e o aperfeiçoamento do Estado de  Direito, isso só se pode dar por essa relação que passa pelo estabelecimento do  regime constitucional, pelas leis que regulam, condicionam e orientam a ação  política, pelo diálogo permanente do estudo do Direito, da hermenêutica, das  doutrinas que se dá entre as cátedras e as tribunas — sejam estas últimas as do  Parlamento, a da imprensa, a da opinião pública.

Desde a antiguidade a relação entre o pensamento e a ação política e a  Lei fizeram a grandeza e a decadência das civilizações. Os códigos de Hamurabi,  preciosamente estampados na sua estela, de Ur-Namu e de Lipit-Istar, como os  múltiplos fragmentos cuneiformes de leis, mostram que já então se pensava,  embora de maneira incipiente, num regime da Lei, não dos homens. A queda  de Roma iniciou-se com a passagem de república a império, mesmo que esse  ainda crescesse em poder e glória, sempre marcada em seu cerne pela  concentração do poder pessoal no césar, fosse ele Otávio ou Adriano.  

Assim o nascimento do Estado moderno, fosse na análise de Maquiavel  ou na formulação de Jean Bodin, fosse na Utopia de Thomas Morus ou no  Leviatã de Thomas Hobbes, marcado por Locke ou por Montesquieu, por  Voltaire ou Rousseau, por Jefferson, Hamilton ou Madison ou ainda pelos  protestos tão diversos de La Boétie e de Thoreau, nada mais é que a  reafirmação, na essência do pensamento político, do primado da Lei, do império  absoluto e inarredável do Direito.  

Nesta visão, que me orientou vida afora, Política e Direito são respectivamente o caminho e o ponto de chegada. A Política existe para instituir  a ordem jurídica, o estado de coisas que implica na aplicação última da Justiça,  a Justiça Social, a implementação da insuperável fórmula jeffersoniana: “que  todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de Direitos  inalienáveis, entre os quais à Vida, à Liberdade e à busca da Felicidade”. 

Ministro Gilmar Mendes, Senhoras e Senhores, 

Ao me conceder esse título de Doutor Honoris Causa, o Instituto  Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa me honra profundamente e  toca o meu coração. Diz, de certa maneira, que minha vida não foi em vão. Agradecer é um dever, sem dúvida, mas pode ser também uma maneira de  expressar, sem lágrimas nos olhos, mas contendo-as na garganta, o sentimento  de gratidão que de mim toma conta e que em mim permanecerá para sempre.  

Muito, muito obrigado.

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